Uma galeria tão grandiosa quanto seu legado

Marvel no cinema: Antes mesmo do início

Os primeiros passos da Marvel no cinema nos anos 70 e 80. Passos curtos. Passos tímidos.

Patrian
O Incoerente

--

Presenciar o inicio e o auge do Universo Cinematográfico da Marvel (MCU) é um privilégio dos nossos tempos. Nossa geração já vive se gabando disso, como os nossos pais com Star Wars, nossos avós com Beatles ou aquele seu tio bêbado que vive falando da copa de 94.

Algum tempo após ver a conclusão da saga mais audaciosa da história do cinema, decidi me debruçar sobre a história e a relação da Marvel com a sétima arte e os Live-action, de forma geral. Eu poderia só maratonar os vinte e poucos filmes e escrever uma resenha sobre cada um deles, seria ótimo. Mas eu quero saber o que havia antes. Quero conhecer o sonho e o esboço do que se tornou a franquia mais valiosa do cinema. Pesquisar, raciocinar e escrever sobre isso vai ser divertido. Inspirador, talvez.

O que acompanhamos no cinema nos últimos doze anos foi um espetáculo. Um evento mundial dividido em vinte e três filmes, cada um grandioso e importante a sua maneira. E ainda que este espetáculo tenha tido seus pontos baixos e filmes ruins, nenhum deles foi suficiente para tirar o entusiasmo e o fôlego nessa jornada. Você pode não gostar desse universo, pode não gostar de super-heróis, ou especificamente dos super-heróis da Marvel, mas não pode negar a força e as conquistas desses filmes nos últimos anos.

Mas não quero exaltar apenas o lado capitalista da coisa. Longe de mim santificar os grandes estúdios, licenciamentos bilionários e o monopólio por trás de tudo isso. Eu prefiro focar no que isso representa para nós, os fãs. Independente desses filmes serem bons ou ruins, lucrativos ou não, ou como diria Martin Scorsese, “meros parques temáticos”, cada um deles representa muita coisa, pra muita gente.

Cada uma destas obras, até as mais fracas, traz em sua bagagem 80 anos de história dos quadrinhos. Cada um desses filmes representa um pouquinho da visão de centenas de artistas, do cinema ou não, do passado e do presente, que fizeram com esse universo fosse possível de alguma forma.

Sempre que (re)vejo algum destes filmes, penso em quantos profissionais estiveram envolvidos com aquilo. Gosto de imaginar os milhões de fãs, de todas as idades e culturas, vibrando nos cinemas pelo mundo. Penso nas discussões importantes que foram geradas, principalmente nos últimos anos. Me lembro das conversas com os amigos, antes e depois de cada sessão. Lembro dos podcasts, textos, memes e vídeos que consumi com entusiasmo. E apesar de ter críticas a essa inundação de super-heróis no cinema e a parte do fandom tóxico que se recusa a crescer, não consigo negligenciar o valor cultural que tudo isso representa.

A “Casa das Ideias” tem um mérito gigantesco ao fazer com que os seus filmes conversassem com públicos completamente diferentes. Desde marmanjos preciosistas cheios de nostalgia, à crianças empolgadas e encantadas com seus heróis favoritos. A Marvel conseguiu atrair seu nicho leitor de quadrinhos/fã de super-heróis e também os não leitores, pessoas que não acompanham cinema regularmente ou que não davam a minima pra essa tal cultura pop.

Os Esboços

Se é que podemos chamar os anos 70 e 80 desta forma.

A história da Marvel, por si só, já daria um baita filme. Os anos 80 mal haviam começado quando Stanley Martin Lieber, saiu dos escritórios da Marvel em Nova York e rumou à ensolarada Califórnia, para tentar realizar um sonho: Fazer filmes com aqueles personagens que já eram um enorme sucesso, sobretudo, a partir dos anos 60. Porém, o estigma negativo sobre os quadrinhos, os efeitos especiais caros e precários e a predominância da DC Comics sobre o mercado e popularidade, afastaram por muito tempo esse sonho. Mas essa história começa bem antes de Stan Lee ir pra Hollywood com seus óculos de sol e calção de banho…

Os planos de levar os heróis da Marvel para o cinema não eram novos. Desde que foram criados (décadas de 40–60), sempre se flertou com o desejo de adaptar e explorar comercialmente esses personagens.

O primeiro produto audiovisual vindo da Marvel (que ainda se chamava Timely Comics) foi um filme seriado do Capitão América, em 1944. Nada mais que uma série de curtas-metragens, que eram exibidos antes dos filmes nas sessões de cinema. Formato muito popular entre os anos 30 e 50.

Capitão América de 1944

Esse Capitão América diferenciado, não usava o habitual escudo e nem possuía as amarras morais que os heróis dos quadrinhos já começavam a desenvolver naquela época. Ao invés disso, empunhava uma pistola e resolvia tudo na base da azeitona. Também não se chamava Steve Rogers e sim, Grant Gardner.

O seriado foi uma maravilha, já que a produtora Republic Pictures nunca mais voltaria a trabalhar com super-heróis, e a própria Marvel, só se meteria com cinema 33 anos depois.

Muita coisa aconteceu entre a primeira tentativa (1944) e o segundo filme da Marvel (1977). A editora sobreviveu ao declínio dos gibis de super-heróis após o final da segunda guerra, sobreviveu as fracas vendas e a censura/regulamentação dos quadrinhos nos anos 50, se reergueu e já com o nome “Marvel Comics”, revolucionou o mercado nos anos 60, criando alguns de seus personagens mais populares. Nesse intervalo de tempo, a temática de super-heróis se tonou um pouco mais viável, tanto tecnicamente, quanto comercialmente. O sucesso do seriado do Batman de 1966 para a TV, acabou chamando a atenção dos produtores para esse subgênero, gerando diversas oportunidades de mercado.

Mas nem por isso as coisas começaram a dar certo para a editora. A Marvel demorou a dar os próximos passos e, fora alguns curtas/esquetes do Homem-Aranha (Spidey Super Stories) para um programa infantil chamado The Electric Company (1974 e 1975), seus personagens só foram ganhar versões em live-action a partir de 77.

Os dois personagens mais populares foram os primeiros a serem adaptados. Em 1977, foi ao ar pela CBS, os episódios pilotos de O Incrível Hulk e Homem-Aranha, que resultaram em séries razoavelmente duradouras. Em alguns lugares, esses pilotos são citados como telefilmes/filmes, por conta de sua duração um pouco maior que os episódios convencionais. Essas produções foram seguidas por Dr.Estranho de 1978, Capitão América e Capitão América II, ambos em 1979.

Ainda não se tratava de cinema. Esses telefilmes, pilotos e episódios duplos, com orçamentos baixos, serviam para medir a recepção do publico quanto a possíveis seriados. Eram lançados diretamente para a TV e tempos depois, compilados em VHS. Produções assim atingiam um publico gigantesco, mas eram subestimadas e vistas como rascunhos do cinema tradicional.

A série O Espetacular Homem Aranha, durou 3 temporadas (entre 1977 e 1979) e teve alguns desses episódios duplos, distribuídos/vendidos como filmes para a TV.

O Incrível Hulk 1977, Homem Aranha 1977, Dr.Estranho 1978 e Capitão América 1979

A qualidade questionável dessas produções fez com que apenas O Incrível Hulk, interpretado por Lou Ferrigno, se destacasse. O personagem ganhou uma série com 5 temporadas (1978–1982) e posteriormente, alguns filmes também para a televisão. O Retorno do Incrível Hulk (88), O Julgamento do Incrível Hulk (89) e A Morte do Incrível Hulk (90), foram tentativas de reviver a série.

Aqui o sonho de um universo compartilhado já existia. Diversos personagens como Homem de Ferro, Thor e Demolidor, fizeram aparições no seriado e nesses filmes do Hulk.

Thor, Homem de Ferro e Demolidor fizeram participações no seriado e nos filmes do Hulk entre 1977 e 1990

Então voltamos aos anos 80, na ida de Stan Lee para Califórnia em 81, para que cuidasse da propriedade intelectual da Marvel na TV e no cinema. A essa altura, ele já era o rosto que representava a editora — O que não deve der ajudado muito, já que essa década também não foi fácil para a empresa.

Enquanto a DC Comics contava a grana feita com as sequências do filme do Superman de 1978, e mais tarde com o Batman (1989), a Marvel patinava. Até então, apenas conteúdos para a TV haviam sido produzidos e apenas O Incrível Hulk era um case de sucesso.

Mas em 1986, o primeiro longa-metragem da Marvel era lançado. Finalmente um filme para a tela grande, com orçamento milionário e produzido por ninguém menos que George Lucas. Seria perfeito, se o personagem escolhido não fosse o infame Howard, o Pato. Trágico! Ainda hoje, o filme é motivo de piadas e considerado um dos piores já feitos. Só em 1989, outro personagem da Marvel ganharia uma nova chance.

O Justiceiro, protagonizado por Dolph Lundgren, tinha tudo para dar certo. Um personagem forte, popular, que não exigia efeitos especiais lúdicos e tinha como protagonista, um ator com um nome de destaque na época. Mas o baixo orçamento e a falta de conexão do filme com o personagem dos quadrinhos, fizeram desse, apenas mais um filme de ação qualquer dos anos 80.

Howard, o Pato 1986 e O Justiceiro 1989

E assim se encerraram os anos 80. Sem que a Marvel conseguisse emplacar nenhum sucesso nas bilheterias, nem prestigio com a crítica especializada. A editora ia muito bem nos quadrinhos, mas não sabia ao certo como vender esses projetos. Era um mero rascunho do sonho que só veríamos realizado algumas décadas depois.

É muito difícil apontar exatamente o que deu errado. Informações de bastidores tem vida própria e o cinema é uma arte complexa e burocrática demais para ser resumida por um leigo, escrevendo de seu quarto, às 2 horas da manhã.

Tudo o que posso dizer é que, a década seguinte não foi mais fácil. A humanidade não passou impune pelos anos 90 e a Marvel, muito menos. Mas isso é papo para um outro texto, em um outro momento.

**Menção Honrosa: Entre 1978 e 1979, foi produzido pela Toei, Spider-Man (tokusatsu). Com direito a OVNIS e robôs gigantes, essa série em live-action Japonesa, embora produzida em parceria com a Marvel, tem muito pouco do Homem-Aranha original.

Em ordem cronológica, as produções abordadas no texto:
• 1944 — Capitão América (Série de curtas para o cinema)
• 1974/1975 — Spidey Super Stories (Esquetes para o programa de TV: The Electric Company)
• 1977 — O Incrível Hulk (Telefilme, piloto para a série de TV)
• 1977 — Homem-Aranha (Telefilme, piloto para a série de TV)
• 1977/1979 — O Espetacular Homem Aranha (Série para a TV)
• 1978 — Doutor Estranho (Telefilme, piloto para série de TV)
• 1978/1979 — Homem-Aranha Tokusatsu (Série para a TV Japonesa)
• 1978/1982 — O Incrível Hulk (Série para a TV)
• 1979 — Capitão América (Telefilme)
• 1979 — Capitão América II (Telefilme)
• 1986 — Howard, o Pato (Filme)
• 1988 — O Retorno do Incrível Hulk (Telefilme, tentativa de revival da série)
• 1989 — O Julgamento do Incrível Hulk (Telefilme, tentativa de revival da série)
• 1989 — O Justiceiro (Filme)
• 1990 — A Morte do Incrível Hulk (Telefilme, tentativa de revival da série)

Se gostou do texto e quiser ler as continuações, siga o Incoerente em qualquer uma das rede sociais linkadas no perfil.

--

--

Patrian
O Incoerente

Escrevo menos que gostaria e tenho mais gibis do que consigo ler. samuel.patrian@outlook.com