Viagem ao tempo presente

SantosJr
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3 min readJul 11, 2016

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Onde está você agora, que se mostra tão longe daqui? Esta frase sua ecoa em mim ainda hoje. Nem sei dizer se naquele instante você me resgatou ou se permaneci à deriva. Porém, lembro que continuou. Sempre que nos despedimos, parece que já foi embora; e quando nos encontramos, sinto que demora a chegar. Até quando nos deitamos, sinto seu corpo, mas, nem sempre, você. Recordo que ao me ver calado, pensativo diante de suas palavras, tentou introduzir um tom anedótico, chamando-me, com aquele seu jeito engraçado de falar e rir ao mesmo tempo, de seu zumbizinho. É incerto se estava lá na hora em que me acareou com tais questões; contudo, lá estou, neste minuto. Por vezes, ao olhar para o lado, surpreendo-me assistindo minha figura sentada na ponta esquerda do surrado sofá marrom, voltado em sua direção, quieto, como quem recebe uma lição. Ainda, não era o caso. Inda, não era uma lição. Mas tornou-se. Neste quase ano, percebi-me desalinhado. Desconectado das pessoas, especialmente das que me eram tão ligadas. Cheguei a pensar que talvez fosse justamente os laços que me atavam a estas, retendo-me numa zona cinzenta de conforto, a razão para eu não investir no estreitamento das amarras. Restava explicar a persistente sensação de solidão. Não; não era solidão de fato. Era meu corpo, as pessoas, as coisas acontecendo, e eu interagindo apenas em relances, dos quais me marcam a memória como flashes, não como um capítulo inteiro. E revisitando as cenas, notando-me a sentir-me só, e, sempre acompanhado; repleto de contatos, mas tão desconectado; vi faltar apenas um personagem; eu. E, assim, encontrei a resposta para aquela sua pergunta. Estava no foi ou no será. Percebi que meu endereço é no passado ou no futuro. Acompanho minhas projeções, seja para trás, seja para frente. Falta-me o agora. Enfrento a condição do ansioso. Esta é a realidade. Caso fosse fantasia escolheria o poder de viajar no tempo e fixar-me, sempre, no presente. Deste jeito, tornaria as memórias de meu pretérito mais ricas, e as expectativas de meu porvir mais concretas. Não tentaria reparar o que já se findou, tampouco conhecer o que sequer se firmou. Faria a diferença agora, alegraria as pessoas agora, confortaria os que precisam neste instante, semearia esperança, e este seria o átimo que em minha vida seriam iniciadas as mudanças que pretendo. Entretanto, não tenho tal poder. Por isto, decidi ingressar na ficção científica, para alcançar diversa realidade. Tenho construído uma máquina do tempo, na intenção de viajar pela linha espaço-temporal dos multiversos, a fim de chegar onde estou. Quero apenas sentir meus pés enquanto piso; a outra mão quando emaranhada à minha; ouvir interessado bocas que se movem; integrar-me à natureza ao presenciar um pôr do sol; aproveitar cada passo do ponteiro do relógio quando ao lado de quem importa. Parece bobo, não é? Imaginar viver a própria vida. Desejar deslocar-se para onde se está. Seria trivial; mas nem no passado, nem futuro, achei algo tão precioso quanto estar conectado, principalmente, consigo mesmo. Estar apenas em um lugar, ao estar neste lugar. Religado, aos outros, às coisas, às causas. Distraído, perco-me de novo. Como retorno para mim? Ah, quem dera a prenda de viajar para o tempo presente. E ali, finalmente, pôr o eu, junto de mim, para que ambos compartilhem a vida. Quem me dera este presente.

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SantosJr
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