Armando Liguori Junior
Essa história aconteceu num lugar que nunca antes
Num país que não verás
Num reino de quase
Aconteceu que, do nada, surgiu a morte.
Primeiro muito longe, em outros países distantes.
Depois mais perto.
E mais.
Uma morte que começou pelas bordas, mas que em pouco tempo mostrou seu real apetite.
Do alto da sua sabedoria, o grande imperador, decretou que se tratava de coisa pouca… que pessoas morriam… que morrendo se enterrava (não por ele)… que morte é coisa de quem vive e que tudo logo passaria.
Não passou,
Só aumentou….
O que começou às dezenas, virou centenas e depois milhares…
E ainda assim, enquanto o povo perecia, o rei se mantinha lá com suas convicções
Um dia, na porta do palácio chegou uma encomenda para o rei.
Um par de sapatos com o bilhete: esses são os sapatos de meu pai que a grande morte levou. Envio para que sejam uma lembrança de que um reino precisa de seus súditos vivos.
Que as famílias precisam de seus pais vivos. Que sapatos não tem serventia sem gente dentro.
Não se sabe quem foi o remetente. O pacote só trazia escrito SÚDITO.
O rei achou aquilo prosaico (mesmo não sabendo o que a palavra significava) e riu.
No dia seguinte, para surpresa de todos no palácio, chegaram mais 10 pares de sandálias, chinelos, sapatos, botas….
Com bilhetes de irmãos, irmãs, mães, filhos, tios…. Todos endereçados ao rei.
O rei achou que era algum tipo de conspiração da oposição ou de setores que não concordavam com sua administração e pediu ao Ministério das Listas, uma investigação.
Queria por que queria a lista dos envolvidos. Mas nem deu tempo.
Nos dias que seguiram milhares e milhares de pares de calçados foram entregues no palácio.
O rei berrava pelos quatro cantos…
Era sapato pra todo lado…
Em todos os cômodos…
Em todo o entorno….
Pedia providências. Queria solução. Afinal, era o rei.
Mas os serviçais não conseguiam mais se aproximar do rei, tantos eram os sapatos que se acumulavam…
O rei foi ficando cada vez mais só…
Gritava por ajuda…
Mas sua voz ecoava no oco de cada sapatos à sua volta…
Ninguém sabe como essa história terminou
Uns dizem que toda a população daquele reino foi dizimada… e os viajantes chamam o local de O PAÍS DOS SAPATOS OCOS.
Há quem diga que o rei foi soterrado pelos sapatos que não pararam de chegar. E que a montanha permanece lá até hoje como o símbolo de uma época pra não se esquecer.
…
ARMANDO LIGUORI JÚNIOR, sagitariano (com lua em peixes), cabelos brancos, bom de cozinha e de assistir filmes e séries. Cidadão de páginas e palcos. Escreve atuando, atua escrevendo. Já até publicou livros: “A poesia está em tudo — Editora Patuá, 2020”, “Territórios — Editora Scortecci, 2009” e um de dramaturgia:Textos curtos para teatro e cinema — Giostri Editora, 2017". Escreve, adapta e atua em espetáculos da “Cia OS TIOS” (da qual é um dos fundadores). Mas de tudo, o que gosta mesmo é de ser leitor. Ah, se fosse profissão… ! Atualmente tá no YouTube (canal Armando Liguori), lendo um montão de palavra bonita que tanta gente escreveu. Passa lá pra ver!