Ninguém precisa saber
Que o vinho estava azedo.
Que a primeira tentativa
Queimou no forno,
A segunda pecou no sal
E até a hora do sucesso
Não houve mais que desperdício.
A ninguém concerne
O gosto amargo
Do de dentro das coisas,
Sangrando por entre os dentes
E torturando as papilas.
Basta saber que a foto foi bem tirada
Apesar de a piscina estar suja
E os lençóis sem trocar.
Apesar das baratas no ralo
E um hematoma soterrado na edição.
Paz interior, resiliência.
Namastenho, você não tem.
É mais fácil acreditar
Na mentira já amplamente disseminada.
Enquanto isso, assumo
Minha parcela de contentamento
Com dois pratos mal enquadrados
Às pressas
Pra não esfriar.
Não tenho muito que me gabar,
Minha conta esvaziou ontem
E o mês mal começou.
Deve ser o crime
De não ficcionar
O estar vivo.
…
MILENA MARTINS tem 34 anos, é mestre em literatura brasileira pela
Uerj e tradutora. Autora dos livros Promessa Vazia (2011) e Os
Oráculos dos meus Óculos (2014). Publica poemas, fotografias e
pinturas no perfil de Instagram @oraculos_dos_oculos. Contato:
milenamartinstradutora@gmail.com e milenamartinspoeta.medium.com