Nada sobre nada

Subtítulo

Jéssica Motta
Saravá Furioso

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Está oficialmente declarado que não sei mais nada dessa vida.

Realisticamente falando, nunca achei que soubesse, apesar de escrever como quem domina habilidosamente seus sentimentos. De fato a noção de que estou sempre no meio do caminho entre a sabedoria eterna e os livros do Paulo Coelho, sempre tenho. Não por natureza, mas sim porque a vida joga na minha cara, mesmo.

Acho interessante esse modus operandi que a minha vida tem, do qual eu completamente desconheço, mas sei que segue um suposto padrão. Padrão complicadíssimo, eu diria, que só pessoas da alta linhagem de raciocínio conseguem discernir. Trata-se de não ter padrão algum e me deixar completamente louca. O padrão é a falta dele. Quando eu acho que a minha vida completa ciclos, mais ou menos semelhantes na íntegra, muda tudo, já não sei se bato ou se apanho. Já vi diversas pessoas aclamarem chavões a respeito de suas próprias vidas, alegando que tudo que vai, volta, ou que após a tempestade virá a bonanza. Acho lindo de se assistir, mas também de certa forma enfadonho.

Se eu fosse criar um chavão para os cotidianos da minha vida diria algo como “após a tempestade virá o professor de forró”. Ou qualquer coisa completamente aleatória que me vier a mente, pelo simples fato de minha vida ser um shuffle num ipod de alguém eclético. No meio disso fico eu, sambando o samba, gingando as bossa-novas, me escabelando nos solos de 20 minutos de Jimmy Hendrix, nessa Protásio Alves longa, cheia de reformas e desvios de rota, que é a minha vida.

Não sei se essa sensação que tenho é devido a minha curta vida de 22, quase 23 anos, que deve ser o auge de todo furor de mudanças e buscas da própria identidade, ou mudar é uma característica minha, que hoje ou daqui a 50 anos, continuarei mantendo, nem que seja ligeiramente.

Sei que, ao menos, depois que morrer, pretendo não continuar com esse costume. Quero ser cremada, não tenho paciência para me decompor. E ter minhas cinzas espalhadas em algum lugar muito marcante pra mim, o qual ainda não descobri, mas tenho tempo pra tal, espero eu. Nada de me avidrinhar e me deixar pela sala, em algum armário cheirando a naftalina. Quero liberdade pras minhas cinzas, além de também com isso livrar alguém da minha família desse costume mórbido, ridículo.

Por vezes canso, não das mudanças rotineiras, mas das que são pra pior. Não o pior propriamente dito, mas aquelas que são pra minha pura adaptação e compreensão geral, geralmente sofrida e dolorosa, com aquela “abstração” que Pitter Burke tanto fala.

Odeio o jeito que esses pensadores da psicanálise resolvem colocar em termos técnicos o que a gente sente, achando que isso vai trazer uma auto-consciência dos processos mentais, e a partir daí, vamos poder resolvê-los. A pergunta certa nem sempre leva a uma resposta certa. Ajuda, de fato, a compreender o que falta, mas solução mesmo, não há estudioso apresentador dos debates na Tv Cultura que consiga realmente prover. Pitter Burke fala de “abstração” como um processo completamente mecânico — de abstrair da realidade como primeira pessoa, no intuito de atingir uma imparcialidade, pra assim poder tomar decisões consistentes — utopizado por um bando de psicanalistas, tão cheios de problemas quanto seus pacientes. O que eu penso quando leio a respeito é mais ou menos o que penso quando vejo alguém assoviando alto: Nossa, que bacana, pena que não consigo fazer.

De alguma maneira, depois de tanto ser jogada de um lado pro outro da minha existência, ando numa fase de mudanças que caem no lugar certo, na hora certa. Mudanças que não forçam a minha, tão arregaçada, puída e desgastada, tanga. E é um alívio. Na verdade parece que tudo que mudou de cabeça pra baixo, de um lado pro outro, com toda essa cinemática inconcisa, me trouxe até aqui, onde aparentemente estou pronta pra calcular friamente os movimentos de um corpo. Meu corpo, no caso. Estou, hoje, mais pronta do que ontem, pra um movimento retilíneo uniformemente variado, ao invés deste movimento de xaxado nordestino do qual tenho experienciado.

O engraçado é que eu não mudei, na essência, aliás nunca mudo, vou só me adaptando. A sistemática shuffle que aparentemente minha vida segue, continua, mas de alguma maneira quem escolhe as músicas anda tranquilo, provavelmente colocando a playlist “músicas para ouvir na praia” e deixando tocar. E eu agora danço só mexendo a cabeça, pisando o compasso contrariado de um reggae, na calçada cheia de gente que eu não conheço, não sei, nem quero saber quem é.

Uma vez uma autora que não me recordo o nome, pra variar, nem a citação correta afim de poder cita-la, disse que se a gente não morre um pouco ao longo da vida, não sobra nada pra quando a gente morrer. A mim, fez todo sentido, visto que tudo que um dia foi, e deixou de ser, morreu. E morte, ao longo da vida, nada mais é do que isto, novo começo. Começos e fins também são movimentos. A partir do momento que é reconhecível como tal, não importa que música metafórica esteja tocando, eu estou em movimento. Nem que seja forró. Nem que seja techno-brega, salsa, dança da maçaneta. Nem que seja pagode. Minto, pagode eu gosto.

Está oficialmente declarado que eu não sei nada sobre música.

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