Como a metodologia ágil melhorou minha saúde mental

Ivan Willian Cavalcante
sbf-tech
Published in
7 min readSep 21, 2021

Deixo avisado que o texto ficou maior do que o que imaginei, então segue um tl;dr: O uso de uma metodologia ágil não precisa ser seguindo à risca o manual, podemos (e ouso dizer que devemos) adaptá-las à nossas rotinas da maneira que nos ajudem a ser mais produtivos e estarmos em maior sensação de bem estar com nossa realidade.

O ano havia mudado e 2021 estava começando, a pandemia de COVID-19 já mudou totalmente a forma como eu trabalhava (e eu não sabia ainda, mas ela mudou a forma como o mundo enxerga o trabalho, só que isso é papo para outro texto) e junto a essa mudança veio uma outra: entrar no time de Governança de TI do Grupo SBF.

Eu não sabia o que me esperava nessa nova etapa da minha carreira profissional, visto que só havia tido cargos operacionais, mas achei que não haveria tanta diferença assim na minha relação de trabalho. E eu estava profundamente enganado.

Migrar de uma posição operacional para uma de gestão exige uma mudança de comportamento, mentalidade e senso de organização - e no cenário de 2021 houve o agravante de que, no começo do ano, ninguém sabia direito como trabalhar em home office e estávamos experimentando diversas ideias para fazer o trabalho fluir de uma forma menos traumática. Então, naquele momento eu era uma pessoa recém chegada numa área nova, lutando para mudar minha mentalidade sobre como meu dia a dia deveria funcionar para eu me sentir produtivo e tendo de sobreviver num momento que todos ao meu redor também lutavam para se redescobrir profissionalmente.

E claro, chegou um momento que eu surtei.

É engraçada a ansiedade, ela vai se construindo nas brechas que achamos não importantes e após se instalar vira um monstro. As coisas começaram devagar, com eu me vendo como improdutivo constantemente e, após isso, evoluíram para eu tentar passar por cima do sentimento de improdutividade assumindo diversas demandas ao mesmo tempo sem planejamento nenhum. Quando expus esse sentimento para a minha gestora, recebi diversos feedbacks apontando minhas qualidades, alinhando expectativas e me incentivando a reduzir a velocidade e repensar meu dia a dia profissional para ter mais qualidade de vida. Mesmo assim, tendo o apoio da gestão (e também da empresa, visto que isso aconteceu num momento em que houveram diversas palestras sobre saúde mental), esses sentimentos só cresceram, e quando dei por mim eu estava travado, de olhos marejados olhando para meu monitor, respirando ofegante e pensando em vender tudo, abandonar minha carreira e ir viver em alguma praia vendendo água de coco.

Felizmente não fiz isso, seria uma decisão sem embasamento nenhum além do sentimento no momento, mas foi quase.

Não sei ao certo o motivo, mas após esse episódio eu percebi que o problema não era o lugar onde eu estava e nem as minhas demandas, mas sim como eu lidava com meu dia a dia. E aí começou a implantação de ferramentas e processos utilizadas na metodologia ágil dentro da minha rotina (nota: na época eu não sabia que estava iniciando o uso desses processos e ferramentas, eu só queria mudar para me sentir mais produtivo de forma saudável).

O ponto inicial foi a criação de uma estruturação de feedbacks semanais com a minha gestora. Desde sempre ela usava um esquema de reuniões semanais para conversar com todos da equipe individualmente (cada dia uma pessoa), e aí discutir sobre demandas, alinhar informações e até falar sobre séries e filmes. Meu problema com essa reunião semanal era que eu não sabia o que falar! Me causava uma angústia chegar na reunião e procurar o que dizer, pois eu me sentia procurando justificativas para “meu tempo gasto”, um absurdo! Eu estava trabalhando, porém não tinha a percepção de estar.
Consegui resolver esse dilema adotando uma técnica simples: separei minha reunião em duas partes. Na primeira eu falaria sobre as conquistas que tive durante a semana, não importando se foi o envio de um e-mail (e vou falar hein, escrever e-mail é uma arte difícil de dominar) ou a entrega de um projeto enorme, entrega é entrega e consome tempo do nosso dia. Na segunda parte da reunião eu reservei para falar sobre coisas que eu precisava de ajuda da gestão, fosse pedir um direcionamento, pedir patrocínio ou alinhar informações. Junto a isso eu comecei a anotar absolutamente tudo que faço no meu dia em uma planilha, pois assim eu conseguiria organizar minhas reuniões de forma mais rápida, sem estresse ou ansiedade e serviria como um lembrete de onde estou gastando meu tempo.

E deu super certo!!

Imediatamente após a primeira reunião nesse formato minha gestora passou um feedback ultra positivo e (com a minha permissão) expôs a ideia para o time como uma alternativa bacana de se fazer as reuniões. Desde então sigo fazendo-as nesse formato, porém, hoje em dia há uma terceira etapa que é onde eu digo qual vai ser minha entrega da semana.

Exemplo de como faço a organização para a reunião semanal

Veja, somos seres humanos. E como seres humanos não conseguimos fazer várias coisas ao mesmo tempo, então focar em uma atividade e dizer “é isso aqui que vou te entregar essa semana” foi maravilhoso para mim! Minha mentalidade era de entregar tudo ao mesmo tempo, e eu ficava sempre com a sensação de não ter entregue nada. Ao mudar para um comportamento de assumir que não sou um processador com 8 cores o jogo muda, e agora minha energia é focada em entregar uma coisa num período específico de tempo. Isso, até onde sei, pode ser visto como a sprint do SCRUM. Definir o que vai ser entregue, focar as energias no entregável e entregar, gerando valor tanto para o cliente (que nesse caso é minha gestora) quanto para eu mesmo.

Após isso veio a ideia de criamos um calendário para meu time no Google Agenda, onde todos poderiam colocar eventos (cada pessoa é uma cor diferente) dizendo que estaria ocupada naquele dia e naquele horário e isso seria visível para todos. Então a partir daí eu tinha uma reunião semanal para definição de sprint e um calendário visual para projetar a programação definida na reunião.

Mas aí veio a cereja do bolo floresta negra: organização do Trello.

Pode parecer besteira, mas o bom uso do Trello ajuda DEMAIS em espantar a sensação de “não estou sendo útil, sou improdutivo”. Quando entrei em Governança o time já usava o Trello mas eu nunca havia tido contato real com a ferramenta, só sabia que ela existia. Isso me fez criar cards sem informações, somente com o título e os participantes. Então eu estava num momento de me sentir improdutivo junto com um momento onde todos estavam redescobrindo como é possível trabalhar estando 100% em casa, além de estar vivendo uma dificuldade mental que eu nunca havia passado antes. Quando eu olhava meu Trello sem nada de informação além do título eu queria jogar o notebook pela janela. Ele não me fazia entender o quanto eu trabalhava e onde eu gastava meu tempo, absurdo!
Porém um absurdo que só fui entender após organizar tudo certinho.

Surgiu o input da minha gestora para que eu organizasse meu Trello de forma que qualquer pessoa do time pudesse ter todas as informações necessárias para trabalhar em meus cards, visto que estávamos num momento de reconstrução do time e poderia ser que alguns deles não continuassem comigo. Esse foi aquele momento que olho para trás e penso “eu precisava disso mas não sabia”.

Comecei a organizar todos os meus cards com: título, descrição completa do que quero com o card e histórico, lista de tarefas necessárias para a realização do card, comentários a cada etapa realizada e membro responsável.
Essa parte do membro responsável é interessante, pois antes eu adicionava todos que estavam no projeto e isso fazia com que ninguém soubesse de quem era a responsabilidade do projeto. Ao adicionar somente o membro responsável você consegue ver o ponto focal do card, e ele consegue entender que é seu papel dar tração a ele.

Exemplo de como estou organizando meus cards no Trello

Olhando para o ocorrido consigo dizer com todas as letras: foi aí que minha saúde mental mudou.

Eu comecei a ter mais visibilidade do que eu realmente precisava focar minhas energias, além de começar a separar de maneira clara o que estava em backlog do que estava sendo desenvolvido, validado ou que fora concluído. Praticamente de uma semana para a outra eu consegui sair de um estado de “não me vejo como útil pois não entrego nada” para um estado de “caramba… eu trabalho bastante hein?”. Vejo essa parte como um Kanban adaptado ao meu SCRUM da reunião semanal, pois consigo gerir meu tempo de forma visual e simples, sabendo numa passada de olho onde devo focar as energias.

Deixo aqui uma dica: faça um teste se você trabalha melhor com prazos de entrega ou não. Minha gestora nos deixa livres para realizar os entregáveis e normalmente só coloca um prazo quando algo é prioridade máxima, mas eu não estava me adaptando bem a isso, e após uma conversa com ela ficou bem claro que esse modelo de não ter prazos específicos é como ela trabalha, mas não precisava ser como eu trabalho. Utilizar a função de adicionar prazo no Trello foi um salvador para mim, pois consegui organizar isso na minha agenda de GSTI. Então eu conseguia ter o controle detalhado da demanda no Trello e ter um controle visual mais fácil de ler no Google Agenda, e colocando o link do card na descrição do meu evento fica fácil de dialogar entre as duas ferramentas.

Fico feliz em escrever isso olhando para trás e vendo como cada coisa se encaixou para eu estar num momento bem melhor agora, onde consigo entender minhas demandas, me organizar e entregar os combinados dentro dos prazos que eu mesmo estipulo.

Enfim, espero que esse caso de uso de adaptação de metodologias ágeis tenha te auxiliado a entender que elas podem ir muito além de desenvolvimento de um app ou de um produto inovador, que podem ser usadas para organização de qualquer time que esteja disposto a desbravar novas trilhas e, claro, podem ser grandes aliadas no bem estar da saúde mental.

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