Os novos princípios de design da Centauro

Livia Carvalho
sbf-tech
Published in
9 min readMay 12, 2021

Como transformamos princípios abstratos em diretrizes para as decisões de todo o time de design.

Ilustração escrita "Princípios de design"

Quando entrei na área de design, há uns 6 anos atrás, eu costumava ser um time de uma pessoa só, e continuei sendo durante metade deles. Hoje faço parte de um time de design com quase 30 pessoas e isso, como tudo, tem suas vantagens e desvantagens. Uma das vantagens é ter mais pessoas com quem aprender, ensinar e trocar experiências que sempre agregam no dia a dia. E uma das principais desvantagens é que fica muito fácil perdermos o alinhamento. E isso não acontece só aqui, é algo muito comum em times grandes.

Quando você é só um, você estuda, analisa e define para onde você quer ir. Mas quando você trabalha com outras pessoas, qualquer coisinha pode se transformar em um grande telefone sem fio.

E é aqui que entram em cena os princípios de design. Eles servem para nos ajudar a manter a linha do telefone sem cortes e sem chiados. Para que a mensagem ouvida do outro lado da linha seja facilmente compreendida por todos. Ou seja, princípios dizem muito sobre o caminho que acreditamos ser o melhor para a criação de soluções para nossos clientes.

Nesse artigo vou contar um pouco sobre como, mesmo com princípios definidos, ainda estávamos com ruídos na comunicação e dificuldade para manter uma consistência nas nossas decisões, e em seguida o passo a passo do que fizemos para contornar isso.

Onde tudo começou

Entrei na Centauro em outubro de 2020 e, durante o onboarding, fui apresentada aos nossos princípios de design. Eles foram criados em uma dinâmica que teve participação tanto do time de ux quanto do time de marketing. Os princípios eram:

Humano: É feito de gente pra gente, sem complicar coisas que podem ser simples. Assim, proporciona mais autonomia para o usuário.

Empático: É solícito para atender necessidades e melhorar experiências. Procura surpreender o usuário combinando proximidade e acessibilidade.

Emocionante: É criado pensando em estimular uma emoção ou reação planejada no usuário, através de contextos e provocações.

Colaborativo: É criado em conjunto não só com a equipe, mas com os clientes, num processo regado a opiniões e referências. Assim, fortalece quem está dentro e apoia quem está fora.

Fundamentado: É pautado no racional, sem achismo. Sempre construído e sustentado por guias bem definidas e carregado por dados coesos.

Porém, depois de alguns meses dentro da Centauro, comecei a perceber que esses princípios não eram muito utilizados e que esse não era um incômodo só meu. Alguns designers não entendiam como os princípios podiam ser aplicados, qual era o propósito por trás dos princípios, ou simplesmente esqueciam de aplicá-los no dia a dia.

Pra entendermos a causa raiz e conseguirmos bolar uma solução que fizesse sentido, optamos por rodar uma dinâmica com todo o time de design.

O objetivo era encontrar os principais motivos de não utilizarmos os nossos princípios. Para a dinâmica, utilizamos o Miro, uma ferramenta de cocriação. Começamos apresentando os princípios, depois disso foram 10 minutos em que cada pessoa listou motivos que os levavam a usar ou não os princípios no dia a dia.

Passado esse tempo, explicações eram feitas, caso necessário, e em seguida um agrupamento por similaridade foi realizado.

Imagem mostra painel no miro com os motivos, em post its, de não usarmos nossos princípios.
Painel no Miro durante a dinâmica de entendimento do uso dos nossos princípios.

Após algumas discussões mais aprofundadas sobre cada grupo conseguimos identificar 3 motivos principais:

Memorabilidade: Nossos princípios não são memoráveis e pra conseguirmos aplicá-los, precisamos ficar olhando a documentação. Além de serem muitos.

Aplicação: Não sabemos aplicar nossos princípios na prática, temos dificuldade em materializá-los nas tarefas do dia a dia.

Abrangência: Nossos princípios falam de muitas coisas ao mesmo tempo, acabamos ficando sem direcionamento.

Em resumo, nossos princípios de design não estavam cumprindo o que eu acredito serem suas funções mais básicas. E o principal, nós já não acreditávamos que esses princípios guiavam o time para a criação de um ótimo produto pro usuário.

Com o resultado da dinâmica em mente, e levando em consideração que o time de design estava prestes a dobrar de tamanho, resolvemos aproveitar esse momento para fortalecer nossa cultura e criar novos princípios de design do zero.

Criando novos princípios

Após uma longa busca sobre métodos e maneiras de definir princípios, encontramos uma série de modelos interessantes, como a Lyft com a pirâmide de Maslow, mas nenhum parecia se encaixar ao nosso momento. Decidimos então construir um novo formato de dinâmica no qual o objetivo era sairmos com os nossos novos princípios de design.

Aplicamos a seguinte estrutura:

  1. Entendendo os princípios de design: O que é um princípio de design, pra que serve, o que ele precisa para ser efetivo, exemplos do mercado e perguntas a se fazer para criar esses princípios.
  2. Criação de 3 princípios por pessoa: Depois de revisarmos o que são os princípios, cada pessoa tinha tempo para definir 3 princípios que guiariam os designers para a criação de um ótimo produto pros clientes da Centauro.
  3. Agrupamento por similaridade: Depois agrupamos os princípios semelhantes e, caso fosse necessário, explicações eram dadas ou textos eram reajustados para melhor compreensão.
  4. Definição dos princípios em grupo: O time foi dividido em grupos, onde, usando os agrupamentos do passo anterior, eles deveriam escolher 3 princípios de design para a Centauro e em seguida criar uma breve descrição pra cada um deles.
  5. Apresentação e votação: Cada grupo apresentou sua coleção de princípios e debatemos sobre eles. Em seguida foi realizada uma votação, individual, para definir quais seriam os novos princípios.
  6. Princípios na prática: Após a votação os grupos voltaram a se unir para a etapa final. Era momento de ver como esses princípios funcionam na prática. Cada grupo deveria tentar aplicá-los em diferentes páginas do atual site da Centauro e em seguida contar como tinha sido a experiência.
Imagem mostra painel no miro com a aplicação dos novos princípios em páginas do site da Centauro
Painel no Miro durante a etapa 6 da criação de princípios.

Apesar do objetivo do workshop ser definir os novos princípios de design, percebemos, durante a etapa de aplicação, que havíamos finalizado o processo com três grandes conceitos e eles continham diversos valores.

Como um dos problemas que tivemos anteriormente com os princípios era o fato deles serem muito abrangentes, resolvemos adicionar uma etapa de refinamento.

O processo de refinamento

Estruturamos o workshop com o objetivo de criar e definir os nossos princípios, mas quando vimos os resultados notamos que o resultado tinha sido outro: encontramos três conceitos e uma série de valores, de coisas e ideias que todos do time consideravam fundamentais.

Tínhamos ideias mais abstratas, como “autenticidade”, e outras mais objetivas, como a tradicional aparição de “usuário em 1º lugar” nessas atividades. O que decidimos fazer foi mudar em movimento.

O próximo passo seria olhar pra esses conceitos e transformar eles em princípios. Ah, os conceitos eram: Confiança, simplicidade, empatia. O objetivo dessa etapa era criar e escrever três princípios em um formato que fosse fácil de lembrar e fizesse sentido dentro de tudo o que aprendemos sobre o time no workshop.

Debatemos, conversamos e criamos muitas possibilidades, sempre tangibilizando os caminhos em uma frase curta e um pequeno parágrafo. Ou seja, o resultado estaria em palavras. Depois de escrever muitas e muitas frases, jogar palavra pra cá, palavra pra lá. E conversar muito sobre as diferentes compreensões que cada pessoa poderia ter ao ler uma mesma frase, chegamos a um resultado.

Mas ainda sentíamos que faltava alguma coisa…

O que isso significa?

Princípios de design geralmente existem entre dois eixos. Um é abstrato, conceitos muito amplos que podem ser interpretados de milhões e maneiras diferentes. O outro é o objetivo demais, que pode ser interpretado como uma falta de liberdade. Nós queríamos evitar essa dualidade.

Por isso decidimos incluir um complemento em cada princípio, esse complemento foi objetivamente chamado de “O que isso significa”. O nome diz tudo, mas, resumidamente, o plano era trazer exemplos práticos sobre possíveis aplicações e compreensões de cada princípio. Ou seja: o que isso (o princípio) significa no nosso dia a dia?

Com essa seção conseguimos relacionar vários conceitos que o time definiu como importantes, até aqueles que não foram os mais votados no workshop.

Essa etapa também teve a colaboração de todo o time, dessa vez de forma assíncrona. Compartilhamos os princípios e pedimos comentários, críticas e sugestões. Além disso, pedimos que todas as pessoas do time colaborassem escrevendo outros exemplos sobre o significado de cada princípio.

Essa atividade serviu como um micro-teste sobre a compreensão dos princípios. O plano era observar as contribuições. Se alguém sugerisse algo que fosse muito distante da compreensão que imaginamos, voltaríamos para a etapa de reescrever os princípios.

O resultado foi esse:

Ilustração escrita "Confiança decide o jogo"
Princípio "Confiança decide o jogo"

Tudo o que fazemos deve gerar confiança, seja em uma jornada de compra ou na prática de um esporte.

O que isso significa?

  • Criar e manter consistência é um exercício diário
  • As informações precisam ser facilmente acessadas, reais e sempre atualizadas
  • Erros acontecem e são acompanhados por soluções e aprendizados
  • Confiamos nas decisões compartilhadas e construímos como um time
  • Facilitamos a jornada das pessoas, seja com comentários após um erro ou recomendações
  • O acesso a todos os canais de atendimento precisam ser fácil
Ilustração escrita "Suamos a camisa pela simplicidade"
Princípio “Suamos a camisa pela simplicidade”

Soluções simples dão trabalho e exigem muito treino, mas elas vão levar nosso jogo pro próximo nível.

O que isso significa?

  • Treino e prática: criamos experiências simples, validamos com testes
  • Todas as nossas decisões devem mostrar simplicidade e facilitar a tomada de decisão
  • Conversamos de forma simples com os clientes
  • É nossa responsabilidade mostrar as informações no momento certo da experiência
  • Não usamos termos técnicos de design e produto nos textos da interface
  • Só usamos termos técnicos para descrever produtos e sempre acompanhados de explicação
Ilustração escrita "Cabeça fria coração quente"
Princípio “Cabeça fria, coração quente”

Emoções nos inspiram para construir a melhor solução, mas sempre tomamos decisões racionalmente.

O que isso significa?

  • Compreendemos as emoções e dores do usuário antes de criar soluções
  • Usamos dados para conhecer as dores e melhorar a performance de todo o ecossistema
  • A paixão e emoção do esporte é inspiração para nossa experiência
  • Conhecemos o motivo de cada decisão que tomamos
  • Questionamos decisões até que elas façam sentido para as pessoas e para o produto
  • Não produzimos interfaces. Construímos experiências a partir de pesquisa e dados

E assim nossos princípios estavam completos. Ou não.

Transformando ideias em rotina

Tudo muito bom, tudo muito bonito. Princípios de design são famosos por ficarem um pouco escanteados, distantes da rotina diária dos designers e da empresa. E agora?

Decidimos trazer os princípios e heurísticas pra mais perto das nossas critiques para incentivar esse uso. Também aplicamos eles nos templates base do Figma, nas páginas e documentação do time e, sempre que possível, relembramos e perguntamos sobre eles.

O processo é lento e de muita repetição. Muitas vezes é necessário relembrar as pessoas que temos princípios, perguntar se eles foram aplicados… coisas do dia a dia.

Princípios de design não surgem na nossa rotina da noite para o dia. Eles fazem parte de um pedacinho da cultura de design que queremos construir, guiando e ajudando na hora de tomar decisões. Esse processo de evolução pode, muita vezes, parecer lento — e ele é.

É necessário incentivar o uso dos princípios, trazê-los para o dia a dia das pessoas. E não só do time de design, mas para toda a empresa. E por fim acompanhar métricas e realizar pesquisas para ver se a utilização dos princípios está cumprindo sua função primordial: Criar produtos cada vez melhores para nossos clientes.

Quer colocar em prática esses princípios com a gente? Temos vagas!

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