Diferenças no tratamento das duas principais competições da UEFA se tornam gritantes quando vemos dois jogos diferentes no mesmo dia

Kamila
Seção Feminina
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4 min readDec 12, 2020
A principal competição feminina de clubes é negligenciada desde sua primeira edição, vide quando as finais masculina e feminina eram na mesma semana e na mesma cidade. Foto: Divulgação/FA Wales

Nesse tempo todo em que estive em home office (a última vez que saí de casa como uma pessoa normal foi em 16/03/2020) assisti muitos jogos de futebol, ao vivo ou não, inclusive mais de um jogo no mesmo dia, mas nunca tinha tido a oportunidade de assistir o Manchester City disputando as duas Champions no mesmo dia. Fim da fase de grupos para eles, estreia para elas. No fim do dia, time do Pep confirmado em primeiro de seu grupo (3x0 no Marseille em casa) e time do Taylor com a vantagem de um gol fora (2x1 no Goteborg FC em Gotemburgo, Suécia).

Mas não vou escrever sobre os jogos (o feminino foi mais ou menos, o masculino só o segundo tempo foi bom, ainda mais com o gol do Aguero) e sim sobre o tratamento dado pela UEFA às competições. Enquanto na masculina tem bola própria, hino, patrocinadores exclusivos e até patches próprios (quem tem ostenta o número de títulos; quem não tem usa a bola estrelada), ao passo que o feminino não tem absolutamente nada.

Print de um lance qualquer entre Goteborg x City. Se não é pelo placar e aquela placa roxa ali abaixo do escudo, poderia ser uma partida valendo ABSOLUTAMENTE QUALQUER COISA. Ou não valendo nada.

O Manchester City jogou com seu uniforme que usa na WSL, que tem o patch e a fonte tipográfica da WSL (o que é uma baita vitória, a fonte é linda e muitos clubes de todas as divisões usam), quando deveria usar a fonte padrão da Puma e patches próprios (que só aparecem nas semis e na final) para esta competição. Abaixo, a vinheta da competição, cujo vídeo foi postado em 2016 e, no dia do jogo do City, não apareceu em nenhum momento sequer — transmissão exclusiva do streaming do Manchester City. Essa musiquinha de fundo tocou enquanto as jogadoras eram filmadas perfiladas no meio de campo.

A bola? Uma amarela que parecia ser mais dura que as bolas que eu chuto lá no Joga Miga. No jogo da volta provavelmente a bola será da marca Mitre, que é usada nos jogos da WSL. A Nike fechou uma parceria com a UEFA e “desenhou” uma bola exclusiva… que foi usada na final deste ano e só. A bola aliás nem era desenhada e sim a bola modelo “Merlin” pintada nas cores da UWCL, e que é usada no Brasileirão, alguns jogos do Brasil, Premier League e em todos os campeonatos deste mundo que usam bolas Nike.

Acho que nem preciso dizer como funciona a competição masculina: patrocínios de operadora de cartão passando por cerveja e salgadinhos (a promoção dos Tazos foi uma maravilha, eu comprei vários e tenho alguns repetidos para troca, inclusive), a histórica bola estrelada, hino que qualquer criança que tenha acesso ao futebol internacional sabe cantar (mesmo tendo a letra em mais de um idioma) e… EXPOSIÇÃO.

Print de um lance qualquer entre City x Marseille. Patrocinador exclusivo, uniformes com patches e fontes da Puma (OM usa Puma também) e se não tivesse o placar na tela por algum motivo, ainda assim saberíamos que se tratava de um jogo de Champions.

É nisso que a UEFA (e todas as confederações do mundo) peca: não expõe seu produto. Os direitos da Champions masculina são vendidos pro mundo todo, ou seja, independente de onde você more, você conseguirá ver uma partida da UCL, seja na TV aberta ou fechada. Já na feminina, não faço a menor ideia de como funciona, mas a partir do momento que eu preciso assinar um serviço para assistir aos jogos do meu time, ou baixar um app, ou depender da boa vontade de algum canal, parece que temos um erro aí. Por que não se negocia os direitos de transmissão como no masculino? Eu digo no modo de vender, não nos valores — qualquer um sabe que as competições femininas valem bem menos que as masculinas. OK já se sabe que algo está sendo feito, como a UOL noticiou em setembro deste ano, em que a UEFA convidou Globo, Disney (canais ESPN) e Turner (Esporte Interativo) para participar da primeira licitação, mas tudo é feito a passos de tartaruga, estamos em 2020 e com a internet, tudo se modifica e se adapta muito rápido.

Não esqueçamos que muitos países proibiram por lei o futebol de mulheres, que a primeira edição da UEFA Women’s Cup (nome antigo da competição) não ocorreu antes da virada do milênio, que as finais primeiro eram em ida e volta, passando por finais disputadas na mesma cidade e na mesma semana que as masculinas e por fim, finais em grandes estádios. Temporada que vem finalmente terá a fase de grupos, mas essas conquistas não podem ser o suficiente. Precisa-se apontar os pequenos erros, até porque querendo ou não a UWCL é a grande competição feminina de clubes então querendo ou não serve de vitrine e incentivo para que outras federações e equipes mudem seus próprios campeonatos.

Não precisa ser a mesma bola estrelada (até porque a UEFA não deixa usar a bola em outros campeonatos) ou o mesmo hino (se tocar o hino em qualquer outra competição, mesmo que seja da UEFA, toma multa), mas que façam tudo como deve ser feito, pensando nas atletas e nas equipes, pois os detalhes também agregam valor, tanto comercial como afetivo também. É a regra básica do capitalismo: crie a demanda e faça a oferta. É em momentos assim, que nós mulheres somos negligenciadas em todas as frentes (jogando/assistindo/reportando etc) é que a gente vê que não querem nosso dinheiro de jeito nenhum.

PS: serve também para a Libertadores feminina, que para começar nem deveria ter esse nome…

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Kamila
Seção Feminina

Jornalista que na próxima vida será jogadora de futebol.