Goleiros loucos: eu considero pacas

Esdras Pereira
segue o jogo
Published in
4 min readMar 3, 2017

Devo confessar: tenho uma baita afinidade pelos arqueiros que pingam doses de loucura em suas luvas

Lembra dele? Não? Então logo você vai saber de quem se trata. (Foto: Pinterest)

Auge dos meus 6 para 7 anos de idade. Goleiros como o alemão Oliver Kahn, o italiano Gianluigi Buffon, o turco Rüştü Reçber, o brasileiro Marcos, chamavam muita atenção, principalmente por conta da Copa do Mundo de 2002. Mas, por incrível que pareça, havia um, fora dessa lista citada anteriormente, que me enchia os olhos: o francês Fabien Barthez, eliminado daquele mundial junto de seus compatriotas, ainda na primeira fase. A maioria dos brasileiros que acompanha futebol, é verdade, não tem boas recordações do baixinho, graças àquela final dolorida, em 1998.

Minha admiração por um dos algozes do Brasil no Stade de France, porém, não tinha tanta relação com achá-lo um ótimo goleiro. O gostar girava em torno da excentricidade que o carequinha carregava em sua personalidade: espalhafatoso e provocador, assim era o francês de 1,83 metro, apelidado em determinados momentos de ‘Loco’ Barthez. Posso dizer que, depois dele, passei a ter uma baita afinidade com os que defendiam os postes com uma dose de loucura pingada nas luvas.

Como não lembrar do maluco colombiano Rene Higuita? Aquele, da peculiar defesa do escorpião, que recebera até ameaças de morte por seu comportamento debaixo das traves. Este, inclusive, veio até antes de Barthez, mas o YouTube ajuda a imortalizá-lo. O paraguaio batedor de faltas Chilavert também é inesquecível, bem como o mexicano Jorge Campos. Brasileiros, no entanto, não me vêm à memória nesse quesito loucura. Exceto um. Ele, aliás, é o responsável pela motivação em escrever esse texto.

Anderson da Silva Santana, 32 anos. Peraí, quem? Anderson da Silva Santana, 32 anos. Chega de suspense: Anderson, provavelmente, só para a família, e olhe lá. Nas ruas, apenas Henal! Os são-bentistas de plantão jamais o esquecerão.

Henal, em partida pelo São Bento. (Foto: Jesus Vicente / EC São Bento)

Em minha memória, o lance mais emblemático protagonizado por ele, certamente é aquele escorregão no tiro de meta contra o Sertãozinho, jogo do acesso à A2 do Campeonato Paulista. Entregou a bola de lambuja ao atacante Pedrão. Àquela altura, o azulão sorocabano perdia por 2 a 1, no primeiro tempo.

No estádio, era como se o torcedor assistisse o lance em slow motion. Uma eternidade. Até que o homem-gol do adversário, cara a cara, chutou para fora. A respiração profunda, de alívio dos beneditinos após a situação de gol perdida, ecoava na arquibancada do Estádio Walter Ribeiro, o CIC. No fim daquela partida, terminada em 3 a 3, o São Bento conquistou a vaga à divisão superior.

Do passado recente, acredito que Henal seja o maior ídolo do clube. Permaneceu de 2011 ao primeiro semestre de 2016. Viveu um verdadeiro casamento com o azulão sorocabano, nas alegrias e nas tristezas. Na segunda metade do ano anterior, transferiu-se para o Cuiabá, onde está até hoje. Lá, já pôde colocar no currículo uma Copa Sul-Americana e fez até gol. A quinta-feira, 2 de março de 2017, será mais uma data para o arqueiro não se esquecer. Foi o principal responsável pelo time mato-grossense chegar, pela primeira vez, à terceira fase da Copa do Brasil (essa é a oitava participação do clube na competição).

E não foi uma classificação qualquer. O Cuiabá bateu, nos pênaltis, a equipe que há alguns anos se configura como a quinta maior potência do Estado de São Paulo: a Ponte Preta, em pleno Moisés Lucarelli. Henal defendeu a quarta cobrança, de Matheus Jesus, e viu o lateral-esquerdo Udson, na quinta penalidade dos mato-grossenses, balançar as redes do goleiro Aranha. O próximo adversário do clube será o Goiás, na semana que vem.

Particularmente, fico feliz pelo momento vivido por Henal. Tive a oportunidade de conhecê-lo de perto. Pude perceber uma característica rara por aí hoje em dia: a humildade. Um dos encontros ocorreu há uns quatro meses, no CIC. Meu amigo Caio Rossini o entrevistaria para uma reportagem sobre o São Bento, que produzia para a nossa revista do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). Eu estava encarregado pelas fotos. Lembro-me bem de uma fala do arqueiro, demonstrando sua gratidão ao clube sorocabano:

“Agradeço ao São Bento demais. Tudo que está acontecendo na minha vida é por causa do São Bento, por tudo que plantei aqui.”

Em 2014, quando fui produzir uma reportagem para o Jornal Cruzeiro do Sul, sobre a revitalização do Ginásio Mirante dos Óvnis, em Votorantim, também me deparei com um gesto nobre de Henal. Criado naquela região, ele ajudou a pintar o espaço e doou, à época, bolas, luvas e traves para os treinos de futebol da molecada.

Henal, no gramado do CIC, onde já viveu momentos de glória e tristeza. (Foto: Esdras Felipe Pereira)

Infelizmente, Barthez, Higuita, Chilavert, Jorge Campos, entre outros goleiros malucos, não tive a oportunidade de conhecer. Mas, Henal, à sua maneira, sabe se lá por que, incorporou ao seu estilo o espírito da loucura à frente da meta, o que me agrada. É aquela coisa de “cada louco com sua loucura”. E, de completamente normais, todos nós, nada temos, não é mesmo?!

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