Mano Brown já dizia: as palavras nunca voltam vazias

Vice-presidente do Marcílio Dias, clube de Santa Catarina, Mauro Pereira perdeu uma grande oportunidade de ficar calado ao citar tragédia da Chapecoense

Esdras Pereira
segue o jogo
4 min readFeb 20, 2017

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(Foto: Imagick)

Quando se perde alguém amado/querido, a data, normalmente, não é esquecida. O dia 29 de novembro de 2016 jamais sairá da minha memória, mesmo não conhecendo pessoalmente nenhum dos presentes no trágico voo da LaMia rumo a Medellín, ocupado pela delegação da Chapecoense, profissionais de imprensa e tripulação. Infelizmente, o avião não chegou ao destino final e, de 77 pessoas, apenas seis sobreviveram. Até aí, nenhuma novidade.

O que me espanta, não tanto quanto a sensação tenebrosa de checar o celular na manhã daquela terça-feira, são alguns episódios que sucedem o ocorrido. O coro por compaixão, união de povos (vide cada atitude nobre dos colombianos), o tal clichê de transformarmos o mundo em um lugar melhor pra se viver, parece se esvair à medida que o tempo voa — já se passaram quase quatro meses do acidente.

Depois da tragédia, pudemos observar clubes que prometeram ajuda e não cumpriram, principalmente no que se refere a ceder jogadores. Muitos aceitavam apenas enviar à Chape atletas que “não lhes serviam”. O pior de tudo: continuamos a ver, de domingo a domingo, com o início dos estaduais, a violência sendo protagonista ante o espetáculo nos estádios e, como de costume, fora deles também.

Confesso que, embora a demagogia e o sangue que jorra em torno do futebol sejam motivos de lamentação profunda, a força das palavras, sobretudo, me causa perplexidade sem tamanho. Foi esse o meu sentimento, pra não ser mais grotesco na descrição, ao ouvir o que o disse Mauro Pereira, vice-presidente do Marcílio Dias — clube da segunda divisão de Santa Catarina –, durante uma live no Facebook para angariar sócios à equipe, neste domingo (19). Entre risos, declarou: “O avião do Marcílio Dias não precisa cair pra gente tornar esse time uma potência do futebol catarinense (…) Nós não precisamos de tragédia pra tornar o nosso clube grande.”

Pereira, sem dúvida alguma, perdeu a oportunidade de ficar calado. Talvez não saiba a dimensão alcançada por aquilo que falara, tendo em seu fundo o escudo de uma agremiação tradicional e quase centenária daquele Estado. Talvez não tenha consciência da força de suas palavras aos ouvidos de quem, tristemente, perdeu seus entes e enfrenta a saudade, alavancada pela proporção inestimável de um acidente que impactou corações próximos ou não dos que se foram.

Em sua conta no Twitter, atacante Rossi cobrou mais respeito do vice-presidente do Marcílio Dias com a Chapecoense (Sirli Freitas / Chapecoense)

Nesta segunda-feira (21), o clube até tentou contornar a situação, divulgando uma nota oficial:

O Clube Náutico Marcílio Dias vem através desta nota oficial se posicionar a respeito da declaração do seu vice-presidente Mauro Pereira na noite de ontem (…) A declaração de que o Marcílio Dias não precisa passar por uma tragédia para se reerguer está colocada pelo diretor no contexto do programa de sócio torcedor do clube. Temos a consciência de que uma administração séria, transparente e comprometida, como existe na Chapecoense, é fator determinante para o sucesso de um programa de sócios. A colocação está no sentido de que a torcida precisa ser solidária ao processo de renovação do clube, sem a necessidade de passar por uma tragédia para que isso venha a acontecer.

Em momento algum a declaração visou desmerecer, diminuir ou denegrir a Associação Chapecoense de Futebol, um exemplo a ser seguido pelo Marcílio Dias em termos de administração, e que temos o total respeito e entendimento de sua grandeza, inclusive antes da tragédia acontecer.

Transmitindo a mensagem do nosso vice-presidente, pedimos desculpa àqueles que se sentiram ofendidos pela declaração, e que em momento algum ela foi relacionada a diminuir a tragédia ou nosso co irmão de Chapecó, um exemplo a ser seguido dentro e, principalmente, fora de campo.

Volto a dizer, as palavras têm uma força impressionante. E, se serve de lição, que tenhamos cada vez mais consciência em tudo que dissermos, independentemente daquilo que estamos tratando. Uma das frases que mais me identifico, grafada em minha descrição aqui do Medium e título para esse texto, foi colocada por Mano Brown na música 1 Por Amor 2 Por Dinheiro. Acho justo, portanto, fechá-lo com ela: “As palavras nunca voltam vazias”.

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