3.896 vezes Paulo Orlando

Segunda Base
Segunda Base
Published in
3 min readNov 2, 2015

[tw-divider]Por Antony Curti[/tw-divider]

Seja qual for sua posição na sociedade, você já pensou em desistir. Já pensou em largar o emprego que ama, já sentiu inveja de alguém numa posição superior. Já se senti desvalorizado em relação ao seu ofício — outros, em sua opinião, não mereciam o reconhecimento que a sociedade dá em oposição ao seu.

Paulo Orlando é um jogador de beisebol. Esta é sua definição profissional. Paulo Orlando é o primeiro brasileiro campeão da World Series. Esta é a definição que todos os veículos de mídia brasileiros estão dando a ele. Para mim, ele é um vencedor.

A nós, que acompanhamos The Show, a Minor League Baseball em todos os seus níveis são um tanto quanto ignoradas. Normal: é assim nos Estados Unidos desde que as partidas de beisebol da MLB começaram a ser transmitidas na TV — nos anos 1940 e 1950, mais especificamente. De repente deixou de ser interessante ver o time de MiLB que estava na sua cidade; era só ligar a televisão e você podia ver o todo-poderoso New York Yankees.

Nesse sentido, a MiLB é praticamente parada no tempo. E, com ela, o salário também. Enquanto os jogadores da Liga Americana e Nacional ganham milhares ou milhões de dólares por ano, aqueles na Triple A passam por um purgatório. Eles estão no limite do céu: a uma rebatida de se tornarem estrelas e serem idolatrados pelas crianças.

Paulo ficou nove anos nas “categorias de base” do Chicago White Sox — time pelo qual ele foi descoberto através de um scout cubano — e do Kansas City Royals. Não que ele não jogasse bem naquela época; Em 2008 liderou a Carolina League em rebatidas triplas — aquelas pelas quais ele ficou tão popular nesta temporada. Em 2010 teve BA de .305 e 25 bases roubadas. A adversidade veio após jogos menos empolgantes na Liga de Inverno porto-riquenha: o sonho de vestir a camisa dos Royals foi adiado.

Mas quem trabalha com amor sempre alcança seus objetivos. Não existe fórmula mágica: é trabalho e amor. Enquanto o sonho não vinha rápido, Paulo voava nas bases — nomeado em 2014 como o base runner mais rápido da Pacific Coast League, da AAA, Paulo finalmente teve sua chance neste ano. E nesta história de “purgatório” nas Minors, uma coisa transpareceu: não desistir.

Veja, Paulo “subiu” neste ano para o elenco principal de Kansas City aos 29 anos — coisa rara nessa idade, vale frisar. Essa é uma idade bastante avançada para um jogador finalmente chegar ao nível máximo do beisebol — vide as jovens estrelas Kris Bryant e Bryce Harper, ambos sob os holofotes nacionais antes dos 23 anos. Mas isso de nada importa. O que importa, de fato, é que Paulo não desistiu em nenhum momento.

Nem mesmo em maio, quando foi novamente de volta para o elenco do Omaha Royals da Triple A — uma decisão meramente administrativa na época, não ligada ao seu desempenho dentro de campo. Ele continuou tão incansável quanto suas corridas e suas defesas no outfield. Ele poderia ter pensado em desistir. Poderia ter voltado para o Brasil, poderia ter ficado junto de sua família. Sua jornada foi extremamente dolorosa porque, além das temporadas nos EUA, ele jogou no inverno americano na Venezuela para demonstrar trabalho — passando apenas um mês por ano em São Paulo, onde sua esposa e filha viviam.

Mas o sonho falou mais alto. O beisebol falou mais alto.

Se você é contador, quantos balanços não fez na vida até começar a ser reconhecido? Se você é advogado, quantas petições iniciais não fez até hoje? Se você é médico, quantas receitas já não prescreveu? Se você é vendedor em loja, quantas vezes não atendeu clientes que iam apenas “dar uma olhadinha”? Inúmeras. Mas o importante, como demonstrado pela história de Paulo, é não desistir.

Paulo Orlando teve 3896 at bats em Minor League Baseball até ter sua chance pelo Kansas City Royals. Não desistiu. Nesta semana, justamente no dia de seu aniversário, tremulou a bandeira brasileira no Citi Field. Não como uma demonstração de ufanismo ou patriotismo tão somente: mas porque ali ele queria demonstrar que não esqueceu de onde veio e não esqueceu de onde passou. Se você um dia passar por um eterno at bat, lembre-se disso: a World Series pode chegar quando você menos espera. O único lugar onde o sucesso vem antes do trabalho é no dicionário.

--

--

Segunda Base
Segunda Base

Desde 2011, o Segunda Base traz conteúdo original e análises sobre a MLB, produzidos por uma equipe de apaixonados por beisebol