Afinal, quem é Bruce Maxwell?

por Leonardo Parrela

Segunda Base
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4 min readSep 25, 2017

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Maxwell se tornou o primeiro jogador da MLB a se unir aos recentes protestos contra o presidente Donald Trump (Foto: Getty Images)

Não é segredo para nenhuma pessoa que acompanha os esportes americanos que o beisebol é o esporte mais tradicional das quatro grandes ligas. NBA, NFL e NHL cultivam suas raízes o quanto podem, mas são esportes que é que se modernizaram com o tempo. Regras, formato, arbitragem e a concepção de transformar o esporte num produto são marcas presentes em todas as ligas, mas a MLB reluta em abrir mão de alguns tradicionalismos. Nesse contexto de esporte tão tradicional, Bruce Maxwell, catcher reserva do Oakland Athletics foi contra a maré e se ajoelhou durante o hino nacional antes da partida do último domingo (24), quando a franquia californiana enfrentou o Texas Rangers.

O fato novo que trouxe uma onda de novos protestos para os esportes americanos foi a fala do Presidente dos EUA, Donald Trump. Ele afirmou que os donos dos times da NFL “Deveriam retirar esses filhos da puta do campo agora mesmo! Pra fora! Demiti-los!”. Sim, com essas palavras. Segundo Trump, os atletas que se ajoelham durante o hino estão desrespeitando a bandeira americana e por isso deveriam ser demitidos.

Timidamente, Maxwell se tornou o primeiro jogador profissional de beisebol que protestou durante o hino nacional. Protestos inciados em outra liga, por Collin Kaepernick, se ajoelhando durante a execução do hino para protestar e aqui uso as próprias palavras do jogador “contra um país que oprime os negros”. Esse protesto se repete desde agosto de 2016 e, com o passar do tempo, foi ganhando mais adeptos ao redor da NFL. Porém, o beisebol sempre se manteve fora dessa polêmica. Até Bruce Maxwell se ajoelhar na tarde do dia 24 de setembro.

De acordo com a MLB, 7.7% dos jogadores profissionais são afro-americanos. O que não chega nem perto dos 68% da NFL ou dos 74% presentes na NBA. Então, consequentemente, a questão racial é menos debatida no universo do beisebol. Jackie Robinson surge como um grande símbolo da luta contra o racismo por ser o primeiro negro a integrar um time de brancos, em 1947. Até hoje, o jogador é exaltado e sua memória é cultivada e esse é o maior envolvimento que a MLB se propõe a fazer contra o racismo.

A maioria dos jogadores da liga são brancos. A maioria dos donos são brancos. Salvo algumas exceções, os brancos são maior parcela de consumidores do produto. Some isso ao contexto tradicional do beisebol que, as famigeradas “regras não escritas”, não permitem muitas comemorações, reclamações ou emoções demais num jogo da MLB. É praticamente proibido se expressar demais dentro do campo. Até Bruce Maxwell se ajoelhar na tarde do dia 24 de setembro.

O esporte ser tradicional não impede que as equipes se manifestem em datas progressistas. A semana do orgulho LGBT, por exemplo, é comemorada por todas as franquias da liga. A homofobia já foi punida pela liga, mesmo que timidamente, por algumas vezes. Existe a preocupação em envolver o time com a comunidade que está inserida por meio de projetos sociais. São pequenos progressos que aparecem para quebrar o meio tradicional, sexista e racista que é o esporte americano. Nessa onda de pequenos progressos, aparece o catcher reserva do Oakland Athletics.

Bruce Maxwell é um novato de 26 anos que nasceu na Alemanha enquanto o pai servia o Exército Americano. Seus números não são de saltar os olhos: 24,4%/33,8%/34,6%, com 3 home runs e 21 corridas impulsionadas. Seu desempenho não muda em nada o (péssimo) ano da franquia na temporada.

Nós brasileiros não temos noção do patriotismo que existe nos Estados Unidos. Nunca fomos envolvidos em uma grande guerra, não tivemos uma guerra civil, nunca houve um grande motim popular para tomar o poder. No contexto histórico brasileiro não há um momento em que o povo se rebele contra algum tipo de autoridade, exceção feita ao período entre 1964–85. Basta ver como o público se comporta quando o hino nacional é tocado antes dos eventos esportivos que acontecem por aqui.

Nos Estados Unidos, é diferente. A construção da sociedade é feita de maneira diferente e o respeito ao hino e a bandeira americana são tão sagrados quanto um símbolo sacrossanto em uma igreja brasileira. Esse é o paralelo possível para ser traçado para dimensionar o tamanho do protesto ao se ajoelhar durante o hino nacional e mesmo assim, não acho que seja suficiente pra demonstrar.

Maxwell, filho de militar e negro, se ajoelhou. Por toda construção social que o levou até ali, ele julgou que seria necessário mostrar suporte para uma causa maior. Maxwell se ajoelhou, olhando fixamente para bandeira, com a mão no peito e o boné fora da cabeça, demonstrando todo o respeito possível ao símbolo da bandeira americana e ao que é estar ali. Não houve desrespeito a bandeira ou algo do tipo.

Considerando todo o tradicionalismo que envolve o meio do beisebol é prudente dizer que, no mínimo, Maxwell foi muito corajoso em se ajoelhar. Prontamente, o Oakland Athletics soltou comunicado afirmando que apoia o direito de liberdade de expressão. É pouco provável que esse gesto seja repetido por outros atletas ou que algum outro time e a própria Liga emitam algum comunicado sobre o que disse Donald Trump. É o mundo do beisebol: deixe o elefante na sala que ninguém fala dele pra gente fingir que não existe.

Até lá atitudes como essa de Maxwell serão exceções muito bem vindas. O esporte e os atletas, com esse nível de exposição e influência, podem ser importantes agentes sociais contra qualquer tipo de desigualdade ou preconceito existente. Não é a mais fácil das tarefas carregar o ônus dessa escolha: Colin Kaepernick, por exemplo, está sem time na NFL. Cada um escolhe a batalha que quer lutar e parabéns para Bruce Maxwell por escolher esta. Fica a torcida para que mais jogadores o apoiem e que esse tema seja discutido com a importância que merece.

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