Em uma liga onde perder virou prêmio, all-in dos Brewers é louvável

por Almir Lima Jr.

Segunda Base
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7 min readFeb 1, 2018

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Lorenzo Cain e Christian Yelich fazem parte da estratégia agressiva dos Brewers para voltar às vitórias. (Foto: Adam McCalvy)

“Fundamentalmente, esse país premia a mediocridade. (…) Eu sou americano, eu amo os Estados Unidos, mas você vai e dá uma recompensa [a primeira escolha no draft] para o Los Angeles Lakers por serem uma merda no ano passado. (…) Enquanto não houver pressão e responsabilidade, como no resto do mundo, [o soccer] não terá sucesso”. (Taylor Twellman, comentarista de futebol da ESPN americana)

Em outubro passado, quando a seleção americana de futebol foi oficialmente eliminada das eliminatórias para a Copa do Mundo deste ano, o comentarista e ex-jogador Taylor Twellman foi à televisão para botar a boca no trombone em relação à cultura esportiva do seu país. As grandes ligas americanas se abastecem de um sistema onde os piores times são favorecidos para escolherem os melhores jogadores que estão chegando ao nível profissional por meio dos drafts. A partir do momento em que essa prática dá resultados de sucesso, os outros times são incentivados a fazerem o mesmo com a já famosa prática do tanking. Fenômeno esse que está em alta novamente na MLB com os exemplos de times como o Houston Astros e o Chicago Cubs, que perderam o máximo de jogos possíveis para conseguirem se favorecer do sistema, servindo de modelo para outras franquias, como o Miami Marlins e o Pittsburgh Pirates, fazerem o mesmo.

Enquanto esse processo árduo, de longo prazo, toma ação, o principal prejudicado é o torcedor. Ele é incentivado a comparecer às partidas, a comprar o ticket da temporada, a comprar roupas do time, e o faz porque o amor pelo time o faz ser irracional mesmo sabendo que no inconsciente o time não dá a mínima para ele. O que ele ganha em troca? Derrotas e mais derrotas.

No caso dos Marlins e dos Pirates, dois times de mercado médio para pequeno, ambos tinham bases fortes nos últimos anos que poderiam ser fortalecidas caso os proprietários estivessem inclinados a abrir a carteira e fazer o necessário para a equipe entrar de cabeça no modo contender. Ora, estamos falando dos mesmos Pirates que ganharam pelo menos 88 jogos entre 2013 e 2015. No momento decisivo, onde eles precisavam de influxo de talento, eles resolveram não gastar o necessário e acabaram na inevitável situação onde o declínio fez com que abraçar a reconstrução fosse a opção menos custosa. Seja por que a base do time se despedaçou com o passar do tempo e para sair com alguma coisa no bolso, trocaram no mercado, caso dos Pirates (que trocaram Andrew McCutchen, a cara da franquia, e Gerrit Cole, o ace de sua rotação), ou então, no caso dos Marlins, a folha de pagamento era muito alta para os novos proprietários manterem (após pagarem mais de US$ 1 bilhão pelo controle — que drama!) e para isso, desfizeram o melhor outfield da liga, trocando Giancarlo Stanton, Marcell Ozuna e Christian Yelich (os últimos dois em contratos de valores bem abaixo do mercado) por retornos que geraram pouco impacto nas listas de prospectos — um preço a se pagar quando você grita desesperadamente para que alguém te salve.

Veja só: não estamos falando de pessoas que não tem dinheiro. Estamos falando de milionários que tem como passatempo a missão de operar um time esportivo. Em um mundo ideal, eles querem gastar o mínimo possível E ao mesmo tempo lucrar com isso. Os Astros de 2013, que perderam 102 jogos (bom para a pior campanha da liga naquela temporada), registraram um lucro de US$ 99 milhões, recorde para a liga até o momento, de acordo com a Forbes.

Dois anos depois, o time voltou aos playoffs e no ano passado, ganhou o primeiro título de sua história. A grande diferença é que na hora em que o time precisava da grana para ir atrás dos jogadores que faltavam para o time brigar com seriedade, Jim Crane abriu a carteira. Sim, ele supriu a base formada nas ligas menores com aquisições feitas na free agency e no mercado de trocas. Porém, na última deadline, os Orioles desistiram de trocar seu fechador Zach Britton para Houston na última hora após perceberem problemas nos exames médicos dos seus prospectos e Crane relutar em enviar outros nomes (e o canhoto era a figura perfeita para o bullpen de Houston). O proprietário depois remendou a situação pagando o contrato quase impalatável de Justin Verlander no final de agosto para o ter ancorando a sua rotação, com toda sua experiência. Imagine o quão difícil mais seria a tarefa de Altuve, Correa, Springer e companhia se um bulldog como Verlander não estivesse na rotação dos playoffs.

Sobre Crane, no final das contas, ele estava disposto a pagar o preço da vitória. Então, você já deve estar pensando, “no final das contas, perder vale a pena”. O problema é que o tal do preço da vitória é relativo. No caso de Crane, ele só tomou forma clara depois de muito criticismo pós-fiasco de Britton. Nos casos de Pirates e Marlins, o retrospecto de seus proprietários abrem mais dúvidas do que certezas. Nessa moda de tanking e reconstrução, quem perde mais é o beisebol. Os fãs perdem com seus times indo a campo visando a derrota; e o pior de tudo: a ideia da reconstrução é tão bem vendida que o perder constante vira tolerável. Ao mesmo tempo, a competitividade da liga toma um tombo com times muito fortes enfrentando times muito fracos mais frequentemente do que o aceitável.

Por isso que a atitude de Mark Attanasio, o proprietário do Milwaukee Brewers, é de se elogiar nesse cenário macroeconômico da Major League Baseball. Veja, o torcedor dos Cervejeiros, time do menor mercado da liga, não está acostumado a ver o seu time no topo por muito tempo (em 49 temporadas, o time só conseguiu ir aos playoffs quatro vezes), então, esse cenário de reconstrução já é um velho amigo. David Stearns (a quem eu particularmente penso ser uma das futuras estrelas no mundo dos general managers) conseguiu dar uma guinada no processo desde sua chegada ao time em 2015 e o resultado deu tão certo que o time passou a competir cedo mais cedo do que esperava. Por apenas um jogo, os Brewers não foram para o jogo de Wild Card da Liga Nacional na última temporada. Stearns então vendeu para Attanasio que agora era a hora certa de levar o time para outro nível — e agiu.

A troca de Yelich é sublime em vários aspectos. Se não fosse pela mediocridade constante que habita a franquia Marlins há tanto tempo (e merecidamente, dado os desmandos e delírios consumistas de seu último proprietário, Jeffrey Loria), ele provavelmente teria ascendido a um patamar de estrela da liga — embora seus números já o coloquem nesse nível. O seu contrato é um dos mais amigáveis da liga, ao mesmo momento em que os free agents parece atingir um ponto onde os jogadores pedem mais do que nunca antes pediram e travam o mercado. Com o desmanche total do esqueleto dos Marlins, ele era o grande prêmio a ser disputado; os Brewers tinham os prospectos para seduzir o time da Flórida e conseguiram fechar o acordo na última semana. O preço foi alto, mas por um jogador que ainda vai chegar ao seu auge e que tem tudo para se favorecer de um campo que historicamente favorece rebatedores no Miller Park, valeu a pena.

Logo depois, Stearns agiu e foi atrás de Lorenzo Cain em um contrato de cinco anos custando US$ 80 milhões para a equipe, o maior dado até agora nesta offseason. O time não precisava de mais um outfielder depois de ter conseguido Yelich, mas Cain veio mesmo assim. Ele é conhecido por ser um ótimo rebatedor, que chega bastante em base, e também por ser um ótimo defensor no campo central, mas aos 30 anos, daqui pra frente os números tendem a regredir. Ainda por cima, o time teve de se desfazer de uma escolha de segunda rodada no próximo draft e também US$ 500 mil no budget da próxima janela internacional de prospectos. Ao mesmo tempo, é um movimento inteligente pois solidifica o alinhamento dos Brewers com um dos melhores rebatedores de leadoff da liga, dá coesão no vestiário com esse veterano que está de volta ao time que o draftou e, acima de tudo, ainda passa a mensagem de que a franquia vai brigar pelo título. Com a base que o time tem agora, um movimento de impacto era necessário para fazer a liga levar o time a sério de novo. No final das contas, a dinâmica do mercado é essa. Você paga pelo que precisa, sim. Mas ao mesmo tempo, quer pagar para que seja temido.

Os Brewers ainda tem muito a fazer. O bom reliever Matt Albers, que veio em ótimo contrato de US$ 5 milhões em dois anos após ter a melhor temporada de sua carreira no Washington Nationals, faz parte da solidificação do projeto de Stearns e Attanasio. Para fechar a offseason, o time sonha com Yu Darvish ou Jake Arrieta para solidificar a rotação, e, para falar a verdade, é difícil não ver o apelo para ambos não considerarem o pacato time de Milwaukee como uma opção viável, já que o time oferece um bom plano de sucesso no presente e no futuro. De qualquer forma, identificar janelas onde o time possa ser uma força e gastar para que isso aconteça é uma coisa que não é automática. É um alívio ver que em Milwaukee, pelo menos, isso acontece.

Para fechar, eu concordo com Twellman. Essa mediocridade do incentivo à derrota não é benéfico para os torcedores, e no fringir dos ovos, o bem mais precioso do esporte é o seu fã, é ele quem deve ser valorizado. Você não pode tratar o seu fã sem levá-lo a sério. Ninguém quer perder nem no par ou ímpar, imagine quando a sua paixão, o seu time, está em jogo. E como já deu pra perceber, a reconstrução é parte de um esquema cíclico das grandes ligas americanas, porém essa glorificação das derrotas causa um dano irreparável no coração do esporte. E o pior de tudo: não é garantia de nada, vide exemplos do San Diego Padres, Cincinnati Reds, Oakland A’s e Tampa Bay Rays, que há muito não conseguem trazer a campo times que consigam competir em um nível aceitável para os padrões da liga. Hoje, mais times querem perder do que ganhar. Isso não é saudável para o beisebol.

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