Harvey e seus demônios

por Almir Lima Jr.

Segunda Base
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5 min readMay 12, 2017

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Ao ser suspenso pelos Mets, Harvey enfrentou a reprovação pública e agora terá de mostrar que o beisebol é a sua prioridade. (Foto: Getty Images)

Quando subir ao montinho do Miller Park na noite desta sexta (12), Matt Harvey provavelmente vai estar prestes a realizar o maior jogo de sua carreira. Sim, eu sei que ele já jogou em World Series, em playoffs, e tudo mais. Porém, após se envolver em mais uma polêmica, a sua carreira está por um fio. É a sua última chance de ressurgir como o atleta do potencial que ele tem. É a sua última chance de conquistar de volta a confiança dos seus companheiros, dos seus técnicos e dos torcedores dos Mets e de toda a liga antes de jogar a sua carreira no ralo. Então, sim, hoje é um big deal para Harvey.

Harvey nunca esteve acostumado com o fracasso. No high school já era uma grande promessa, porém, ouvindo os conselhos de seu até então conselheiro Scott Boras, decidiu recusar a oferta de US$ 1 milhão dos Angels em 2007 para ir à Universidade de North Carolina e tentar ganhar mais dinheiro dois anos mais tarde, quando recebeu cinco vezes mais ao assinar com os Mets. Logo os Mets, o pobre primo dos Yankees na Grande Maçã, que viviam o pior momento de sua história, afundado em dívidas até o talo e um dos alvos de um escândalo de fraude financeira. Ele virou a esperança de um futuro melhor. E ele foi.

Quando chegou, finalmente, à Nova Iorque, Harvey tomou para si todos os holofotes de um time que não iria a qualquer lugar. Logo em seus primeiros dias, mostrou que não iria levar desaforo pra casa. Enfrentou o reliever Jon Rauch, um gigante de 2,11 que tinha zero talento arremessando, quando ele quis realizar um trote com o novato, o que levou a torcida à loucura. Será que havia chegado um cara diferente num tempo de vacas magras? Um novo prodígio que iria levar os Mets de volta ao topo, seja no talento, seja no tapa? Óbvio que suas primeiras atuações também fizeram o ânimo dos torcedores ir para o teto. Ele seria o ace que o time precisava. O substituto de David Wright como franchise player.

2013 chegou e com ele a melhor fase da carreira de Harvey. Ele foi absolutamente dominante na primeira metade da temporada. Quase arremessou um jogo perfeito com o nariz sangrando, inclusive. As boas atuações renderam a vaga de abridor da Liga Nacional no All-Star Game em pleno Citi Field. E então, o primeiro obstáculo. Seu cotovelo não aguentou. A cirurgia Tommy John acabou sendo inevitável e Harvey iria ficar de fora de toda a temporada de 2014. Justamente no seu melhor momento. E aí começaram os problemas com os Mets. Ele se colocou acima do time. Enquanto a direção queria que ele fosse se tratar na Flórida, ele quis ficar em Nova Iorque, pra continuar vivendo sua vida. Que obviamente, incluía baladas, bebidas. Afinal, ele era jovem, tinha que aproveitar a vida. O time não quis comprar a briga. Os holofotes continuaram focados em Harvey.

Muita expectativa cresceu em relação ao seu retorno em 2015. Harvey já não era mais a única esperança. Jacob deGrom estreou em sua ausência e ganhou o Novato do Ano. Noah Syndergaard e Steven Matz estavam quase prontos na Triple-A. Então, Harvey chegaria para ser o tutor dos mais jovens. Entretanto, não foi isso que aconteceu. Ele voltou bem, mas não no nível de 2013. Não se mostrou um jogador do time quando quis aparecer no melhor momento do time na temporada e implorou para a imprensa para que o time estabelecesse um limite de entradas pós-cirurgia, influenciado por seu agente Boras. Entretanto, quando a vaga para a pós-temporada foi celada, ele rapidamente rechaçou qualquer ideia de terminar sua temporada antes do tempo. Iria pra guerra de qualquer jeito. E foi.

E foi bem, aliás. Se não fosse aquele jogo 5 da World Series, talvez a história teria o colocado em outro nível, quem sabe. Mas pegou mal ter batido de frente com seu manager Terry Collins na nona entrada de um jogo tão importante. Collins ficou impactado com o momento, com as câmeras e decidiu colocá-lo já com uma contagem elevada pra fechar uma atuação brilhante ao invés do bom fechador Jeurys Familia. Deu errado. Deu muito errado. Harvey e Collins foram pra história como vilões. E os Royals ganharam o título.

Depois disso, parecia que Harvey e Mets viviam no mesmo lugar, mas a distância. Pela primeira vez na carreira, o destro enfrentou dificuldades. Batia na parede e voltava. Seu ano de 2016 foi o pior de sua vida, com um desempenho ruim dentro do campo, problemas fora e uma lesão que pôs seu futuro no esporte em risco. A cirurgia do desfiladeiro toráxico pode ser traiçoeira, muitos não conseguiram voltar. Mas ele persistiu e foi. Voltou neste ano pra tentar participar ativamente de um time que tentaria chegar pela terceira vez seguida aos playoffs, um fato inédito para a franquia novaiorquina.

Os números de Harvey este ano foram medianos, mas principalmente pois o time acabou sofrendo com lesões e em duas vezes ele atuou sem o descanso necessário. De qualquer forma, tinha tudo pra se recuperar. Até que a última sexta-feira veio e a polêmica começou. Harvey iria festejar até tarde, virar a noite e ir jogar golfe. Obviamente, não tem corpo que aguente. Porém, ele tinha de ir trabalhar no sábado. Era hora de ir apoiar seus companheiros que iriam atuar no mesmo dia. Era só bater o ponto. Mas a enxaqueca foi grande e ele não quis ir. Pior, ele nem avisou que não iria. Por isso, os Mets tomaram a drástica medida de suspendê-lo.

Harvey não é santo. Nem é demônio. Vivendo um momento difícil em sua vida amorosa, com a sua namorada, a supermodelo brasileira Adriana Lima, aparecendo publicamente com outro homem, o wide receiver Julian Edelman, do New England Patriots, ele quis extravasar. Bebeu sim. Fumou sim. Ué, ele quis encontrar afago nessas coisas, assim como vários fazem. Entretanto, esqueceu de suas obrigações e pagou por isso.

Quando a suspensão saiu, questionou-se a paixão de Harvey pelo esporte. Será que ele estava perdendo a vontade de jogar? A vida de festa tinha o seduzido tanto até esse ponto? Talvez. Mas se lembre que o beisebol é o ganha-pão dele desde a adolescência. Ele gosta de jogar. Por isso, não vai desistir agora. Porém, seu talento é absurdo. Por isso, hoje é o seu maior jogo. É a hora dele mostrar que o beisebol é o seu trabalho e que ele vai lutar por ele.

Tantos outros talentos do beisebol foram perdidos por razões emocionais. Na era de ouro dos Mets mesmo, na parte final da década de 1980, o time viu Dwight Gooden e Darryl Strawberry sucumbirem à bebida e às drogas. Chegou a hora e a vez de Harvey se mostrar diferente. Veremos o futuro.

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