O beisebol deve voltar a ser olímpico em 2020, mas é bom ser cético sobre o futuro nos Jogos

Segunda Base
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11 min readJul 20, 2016

[tw-divider]Por Rafael Rafic[/tw-divider]

Todos nós fãs de beisebol ficamos felizes quando saiu recentemente a notícia de que o beisebol deverá voltar aos Jogos Olímpicos de 2020, em Tóquio. Como ocorreu esse retorno? Ele será duradouro? O Comitê Olímpico Internacional (COI) estará feliz em ter o beisebol nos jogos sem que a MLB libere seus jogadores? E quanto ao anti-doping, haverá problemas? São muitas questões envolvendo o retorno aos Jogos Olímpicos, e várias delas causam polêmica mesmo dentro do movimento olímpico

Antes de começar, vou me apresentar rapidamente. Sou Rafael Rafic, carioca, fã de beisebol, torcedor inveterado do Yankees há 15 anos e desde sempre um apaixonado pelos esportes que não se chamam futebol, especialmente os Olímpicos, sobre os quais tenho escrito com frequência na minha coluna dentro do Blog Ouro de Tolo, a Made in USA (claro que o nome é por causa do beisebol). Será justamente combinando meu conhecimento do beisebol com meu amor pelos Jogos Olímpicos que tentarei explicar a situação atual da relação entre o beisebol e os Esportes Olímpicos.

O primeiro ponto que deve ser esclarecido é que, mesmo que ela ocorra oficialmente, a volta aos Jogos Olímpicos não é permanente, será uma exceção válida apenas a edição de 2020 em Tóquio.

Qual o motivo disso? E por que uma decisão tomada tão próxima a edição dos Jogos Olímpicos?

Tóquio foi eleita sede dos Jogos de 2020 na Sessão do COI de 2013. Três dias após a eleição, o COI elegeu o seu novo presidente, o alemão Thomas Bach, que substituiu o suíço Jacques Rogge após esse ter estourado o limite de 12 anos como presidente do Comitê.

Assim que Bach entrou, ele apresentou uma proposta com 40 itens para modificar profundamente a organização do COI e dos Jogos Olímpicos. Tal pacote, batizado de Agenda 2020, foi votado e aprovado em uma Sessão Extraordinária ocorrida ainda no fim de 2013.

Entre essas 40 propostas aprovadas estava uma que permite que cada cidade-sede dos Jogos Olímpicos apresente uma lista de esportes para serem disputadas apenas naquela edição dos Jogos Olímpicos, que os organizadores acreditam que possa impulsionar aquela edição.

A ideia de Bach é que tal regra especial fosse aplicada apenas a partir de 2024, já que Tóquio não teria se preparado para tal mudança em sua candidatura. Porém, fazer Jogos Olímpicos no Japão sem beisebol é o mesmo que fazer Jogos Olímpicos no Brasil sem futebol. Como o esporte nacional não será disputado na Terra do Sol Nascente?

Aproveitando-se da brecha aberta na Carta Olímpica após a aprovação da Agenda 2020, já visando a inclusão do beisebol, o Comitê Organizados dos Jogos de 2020 solicitou a Bach que o início de tal permissão fosse antecipado para 2020 e ele prontamente concordou com isso.

Após um burocrático processo de escolha, Tóquio apresentou no início do ano sua lista de esportes a serem incluídos apenas para a edição de 2020: beisebol, softbol, surf, skate, escalada e karatê. Tal lista recebeu a recomendação de aprovação completa pelo Comitê Executivo do COI em junho.

Porém, tais inclusões ainda não estão sacramentadas. De acordo com a regra 45 da Carta Olímpica (a Constituição do COI), a inclusão de qualquer esporte precisa ser aprovada pelo plenário dos membros em uma Sessão do COI. A votação do beisebol, assim como de todos os outros esportes da lista ocorrerá na Sessão no Rio de Janeiro entre os dias 1 e 4 de agosto, logo antes da abertura dos Jogos deste ano.

Normalmente, as recomendações do Comitê Executivo do COI são aprovadas pelo plenário sem discussão. Porém, como se trata de um assunto sensível e este é um procedimento novo, não é possível ter certeza que essa recomendação será seguida — mesmo que temporária. O caso do beisebol e do softbol são especialmente críticos por motivos que comentarei abaixo.

Beisebol tem grandes adversidades que contam muito

Assumindo que essa votação seja favorável e o beisebol entre temporariamente nos Jogos de 2020, é possível que ele seja incluso oficialmente na programação olímpica permanente a partir de 2024? É possível, porém, não é nada provável.

O COI fará uma revisão da programação permanente para 2024 durante a Sessão de 2017. Para um esporte/federação entrar, outro tem que sair. Depois da debandada em massa dos principais golfistas da Rio 2016, é quase certo que o golfe saia da programação permanente, abrindo uma vaga. Também não é impossível que o hóquei na grama saia, abrindo outra; mas existem vários esportes que estão se preparando para disputar tais lugares.

O beisebol, apesar dos intensos esforços da Federação Internacional de Beisebol e Softbol, tem muitos pontos fracos, o que dificulta bastante sua campanha e o coloca em posição deteriorada na corrida pela vaga com outros esportes, especialmente o squash e o karatê.

O 1º ponto fraco do beisebol é justamente o fato dele ser um esporte coletivo, o que vai na contramão do objetivo do movimento olímpico atual e da Agenda 2020, que é facilitar a organização dos Jogos, não estourar a cota de 10.500 atletas por edição e aumentar a quantidade de países participantes em cada modalidade. Para piorar, não basta ser um esporte coletivo, ele exige uma quota de 25 atletas por time, algo gigantesco.

Apenas para se ter uma ideia, atualmente o esporte que exige a maior cota de atletas por time é o futebol, com 18 atletas por time. Mesmo assim, como o futebol é o único esporte cuja realização é feita em várias cidades diferentes além da cidade-sede dos Jogos Olímpicos, o impacto desses 540 atletas (16 times no masculino e 12 no feminino) é bem pequeno na organização da cidade-sede. Dos esportes que ficam na cidade sede, a maior cota por time é justamente do hóquei na grama, com 16 atletas por time e 384 atletas (12 times em cada gênero).

Ou seja, o beisebol, mesmo que venha com apenas oito equipes no masculino e feminino, a menor quantidade de todos os esportes nos Jogos, já ocupará a cota de 400 atletas — sem contar comissão técnica. Também não adianta dizer que não precisa trazer o beisebol feminino pois o COI, conforme sua forte posição de igualdade de gêneros, não aceitará incluir um esporte misógino em sua concorridíssima lista de esportes olímpicos permanentes. Se até o boxe teve que ceder ao boxe feminino, não será o beisebol que conseguirá reimplantar a misoginia nos Jogos.

Não fosse isso já uma tragédia completa, por questões políticas oriundas da fusão das federações de beisebol e de softbol, a entrada do primeiro terá que ser acompanhada do segundo. Ou seja, a inclusão de uma mera federação na programação, incharia os Jogos Olímpicos em nada menos que 800 atletas! Quase 1/10 da cota máxima considerada ideal pelo COI e aproximadamente a cota de atletas reservadas para a natação, 900 atletas, o 2º esporte mais importante nos Jogos Olímpicos.

Isso tudo para classificar apenas 32 seleções, que pela falta de popularidade e competitividade mundiais dos esportes dificilmente representarão mais do que 15 ou 16 países diferentes. Comparando com a mesma natação, com sua cota de 900 atletas tem espaço reservado para qualquer dos 206 Comitês Olímpicos que queriam enviar ao menos 1 convidado para os Jogos (mesmo sem índice olímpico).

Outro problema do beisebol esbarra exatamente na falta de popularidade, capilarização e nível de competição do esporte. É verdade que ele é um dos esportes nacionais de duas das três maiores economias do mundo, EUA e Japão; além de ser o esporte nacional da maior parte da região do Caribe, América Central, Venezuela e Coréia do Sul. Mas fora disso, a representatividade do beisebol no mundo é quase nula. Na Europa, a Holanda ainda tem um time forte graças as suas possessões caribenhas e a Itália pelos jogadores de dupla nacionalidade ítalo-americana. Mas, mesmo para a grande população desses países, o interesse pelo jogo é próximo da nulidade.

Na Ásia, o beisebol também pouco interessa fora do eixo Japão-Coréia do Sul. Na Oceania, apesar da Austrália ter uma liga razoável, o beisebol perde interesse comparado com a natação e o rugby. Na África, fora da África do Sul, mal há conhecimento do esporte.

[tw-button size=”medium” background=”” color=”” target=”_self”] A primeira aparição do beisebol nas Olimpíadas aconteceu em 1904 (EUA), como esporte demonstração. Houve um amistoso para promover a modalidade[/tw-button]

Então, qual será o interesse do COI e de seus membros em reincluir o beisebol no programa olímpico permanente? Comercialmente nenhum, já que nem EUA e Japão prestam atenção no torneio olímpico de beisebol. Esportivamente, também não há nenhum, pois em nada o beisebol agrega ao produto “Jogos Olímpicos” nem há qualquer interesse em possibilidades de medalha de seu país na ampla maioria dos membros do COI.

Esse problema da falta de popularização também acaba refletindo na problemática do local de jogo e no legado que ele gerará após o fim daquela edição dos Jogos. Por não ser popular, raras são as cidades que tem um campo apresentável para sediar o beisebol e o softbol olímpicos. Para piorar, como os dois esportes exigem muitas partidas para se chegar no campeão, é impossível se fazer os quatro torneios em apenas 17 dias com um campo apenas e um segundo se faz necessário. Logo, como quase não há campos espalhados pelo mundo, a maioria das cidades-sedes precisaria gastar uma boa quantidade de milhões de dólares construindo os dois campos.

Qual será a utilidade desses campos após os Jogos Olímpicos? Não adianta muito usar para a prática de beisebol e softbol, já que dificilmente esses esportes serão usados na cidade-sede em quantidade suficiente para sustentar a manutenção deles após o fim da edição. A transformação de um campo de beisebol em alguma outra utilidade também não é fácil e consumiria mais alguns milhões de dólares.

A solução é fazer uma construção temporária para os Jogos Olímpicos, para evitar desperdícios com manutenções inúteis após o fim da competição. Só que tais construções temporárias também custam milhões de dólares que, mais absurdamente ainda, seriam jogados literalmente no lixo após o fim dos Jogos Olímpicos. Até desmontar para construir em outro lugar é uma tarefa hercúlea quando se trata de um campo de beisebol.

Até Tóquio está com problemas nesse ponto. Ainda não está certo onde ocorrerão as partidas de beisebol e softbol. Inicialmente, aproveitando a popularidade do esporte no Japão e baixando a pressão na Vila Olímpica de Tóquio, o Comitê Organizador pensou em espalhar as competições em quatro ou cinco campos em todo país, nos moldes do que o futebol já faz hoje. Só que justamente o fato dos times jogarem todos os dias no sistema todos-contra-todos impossibilitou até esta ideia.

Se até o Japão, o país do beisebol, está passando por dificuldades para sua realização, imaginem o que os outros países não passariam?

Ou seja, a realização do esporte também é contraproducente em relação aos benefícios que ele deixará para a cidade-sede após os Jogos Olímpicos. Só que tais benefícios também são uma das principais metas perseguidas pela Agenda 2020.

Falta de interesse da MLB e NPB é a cereja no bolo

Para estraçalhar de vez qualquer chance do beisebol, ainda há questão da não liberação dos jogadores da MLB e da NPB (a liga japonesa).

Cada edição dos Jogos Olímpicos é o maior evento esportivo do planeta e todos os esportes mandam seus principais atletas no Planeta Terra para a competição. Tanto é que uma das propagandas dos Jogos Olímpicos é dizer que elas são, na prática, a realização de 28 mundiais diferentes, de forma conjunta na mesma cidade. Para isso ela exige que todos os esportes enviem a nata de seus atletas para cada edição.

O próprio golfe já deve ser excluído após seus principais nomes se recusarem a vir na volta do esporte aos Jogos Olímpicos em 2016, após mais de 100 anos de ausência. Não esperem que tenham essa complacência com o beisebol. O único esporte no qual isso é tolerado é o futebol, apenas porque é o futebol, o esporte mais popular do mundo, e que aceita que suas sedes sejam espalhadas em várias cidades fora da cidade-sede sem reclamar, com as finais na cidade-sede.

Para não complicar o calendário das diversas modalidades esportivas, o COI exige as edições dos Jogos Olímpicos sejam feitas entre o dias 15 de julho e 31 de agosto. Nesses 45 dias, tanto a MLB como a NPB estão com suas temporadas a todo vapor e por isso, elas não permitem que seus jogadores saiam de seus times para jogarem os Jogos Olímpicos por suas seleções nacionais.

Só que elas são as únicas ligas profissionais realmente importante do mundo. Todos os melhores jogadores e mais famosos jogadores de beisebol no mundo, a exceção dos cubanos, estão jogando ou em uma ou em outra liga. O resultado é o que já se viu quando o beisebol ainda era um esporte olímpico. Os EUA escalam uma equipe mambembe de ligas menores, o Japão escala uma equipe melhorzinha, mas também mambembe, a Holanda convoca uma garotada recém-saída das high schools de Curaçao entre outras equipes bem fracas com jogadores completamente desconhecidos, pelo menos até aquele momento.

Por que o COI escolheria o beisebol com seus jogadores quase amadores se o squash, o karatê, a sinuca, o surf, o skate, a patinação, o boliche e até o xadrez estão com seus jogadores principais ávidos por poderem ir disputar Jogos Olímpicos em locais de competição mais baratos e de maior legado posterior?

Por todos esses problemas, há até um “zum-zum-zum” rolando nos bastidores do COI de que haverá uma tentativa de barrar apenas o beisebol e o softbol na votação de agosto que definirá definitivamente a lista de esportes específicos para os Jogos de 2020. Particularmente, não creio que tais “rebeldes” tenham número suficiente para barrar uma votação recomendada pelo Comitê Executivo, mas é prudente que acompanhemos o resultado final dessa votação.

Justamente percebendo tal movimento, o Comitê Organizador dos Jogos de 2020 já organizou uma contra-ofensiva e conseguiu um acordo com a NPB para que ela pare o seu campeonato durante os Jogos Olímpicos e libere os seus jogadores para 2020. Com isso, caso tenhamos o beisebol nos Jogos Olímpicos, é certo que os jogadores da liga japonesa serão liberados para jogarem por seus países, o que já será de grande ajuda para aumentar o nível de competitividade e o interesse pelo beisebol nos Jogos Olímpicos. Mas tal acordo vale apenas para 2020 e não há nada que indique que a NPB estenderá tal permissão para outras edições, mesmo que Los Angeles ganhe a sede de 2024 e também peça a inclusão do beisebol.

[tw-button size=”medium” background=”” color=”” target=”_self”] Jogos em que o beisebol esteve presente como competição: 1992 (Barcelona); 1996 (EUA); 2000 (Sydney); 2004 (Atenas) e 2008 (Pequim)[/tw-button]

Tóquio 2020 também tentou fazer tratativas com a MLB no mesmo sentido, mas até o momento foram infrutíferas e pelas declarações públicas do atual comissário da liga, Rob Manfred, não resultarão em lugar algum. A MLB até concorda em ceder os seus jogadores, mas fora da temporada, por que ela não aceitará uma paralisação em sua temporada regular.

Cabe lembrar que nem em 1996, quando os Jogos Olímpicos foram dentro dos EUA, a MLB parou sua temporada. Como já foi mostrado que a janela dos Jogos Olímpicos fica toda dentro da temporada da MLB, a esperança é quase nula.

Se o beisebol não consegue ter paz sequer para ser votado para entrar apenas nos Jogos de 2020 sendo o esporte nacional do país-sede, a entrada no programa permanente dos Jogos Olímpicos é algo praticamente impossível.

A única boa notícia neste tópico é quanto ao doping. Depois de muitos anos de desleixo, na última década a MLB se voltou fortemente contra o doping e possui hoje um respeitado programa anti-doping, o melhor de todas as ligas independentes americanas (MLB, NBA, NHL, NFL e PGA).

Ele não é perfeito, como já demonstrou o “escândalo A-Rod”, que partiu de trabalhos de investigações extra-laboratoriais e não de um resultado positivo de doping; nem tem o mesmo nível do feito pela WADA e pelo COI, mas sem dúvidas já não compromete mais a imagem do esporte e nem deve haver tantos atletas da MLB que seriam pegos em um exame oficial da WADA.

Creio que a única conclusão que se pode chegar ao final da leitura deste texto é que devemos aproveitar cada minuto do beisebol olímpico em 2020 caso ele se concretize, pois deverá ser um momento único em, pelo menos, algumas décadas.

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