“O catcher que espiava”: a incrível história de Moe Berg vai virar filme

por Almir Lima Jr.

Segunda Base
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10 min readNov 15, 2017

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Paul Rudd será o responsável por dar vida a Moe Berg, o ex-catcher dos Red Sox que virou espião americano na Segunda Guerra, nas telonas. (Foto: Reprodução)

A Segunda Guerra Mundial é um dos episódios históricos mais explorados pelo cinema, devido à sua intensa complexidade e toda a trama de histórias que se desenvolveu no decorrer deste episódio que mudou os rumos da humanidade. A conexão deste evento com o beisebol já havia sido explorada por “Uma Equipe Fora de Série”, filme de 1992 estrelado por Madonna e Tom Hanks, que levou para as telonas a história da criação da All-American Girls Professional League, uma liga feminina criada no meio da guerra para preencher o vazio que a MLB enfrentava após seus principais jogadores irem para o front. Agora, chegou a vez da história do ex-catcher Moe Berg, a quem o lendário Casey Stengel chamava de “a pessoa mais estranha a jogar beisebol na história”, ser contada nos cinemas.

Baseado no best seller homônimo de Nicholas Dawidoff, “The Catcher Was a Spy” (sem nome em português ainda) está em fase final de produção e deverá estrear no começo do próximo ano. A pré-estreia seria no Festival Internacional de Toronto deste ano, onde seria uma das principais atrações, mas acabou saindo do lineup após atrasos na conclusão do filme. Dirigido por Ben Lewin (o mesmo que reviveu a carreira de Helen Hunt em “As Sessões”, de 2012) e com roteiro assinado por Robert Kodak (que escreveu o brilhante “O Resgate do Soldado Ryan”, de 1998), o longa terá Paul Rudd (de “Homem Formiga”) no papel do protagonista, contando ainda com outros nomes de peso, como Jeff Daniels, Paul Giamatti, Mark Strong e Sienna Miller, e se dedicará a contar a história da transformação do catcher reserva do Boston Red Sox da década de 40 em um espião americano enviado no meio do furacão para descobrir os segredos dos ativos nucleares e atômicos da Alemanha nazista.

Moe Berg, a pessoa mais inteligente do beisebol

Morris “Moe” Berg, nascido em 1902 em Nova Iorque, filho de judeus e o mais novo de três, tinha duas paixões: o beisebol e a leitura. Seu amor pelo beisebol fez com que no high school ele inventasse um pseudônimo (Runt Wolfe) para “esconder” sua descendência e assim conseguir jogar numa escola católica, onde aos 16 anos conseguiu se tornar uma das principais promessas de Nova Jérsei e ganhou uma bolsa para estudar na Universidade de Nova Iorque.

Seu pai, dono de uma farmácia, tinha como principal desejo mandar seu filho para estudar Direito na faculdade, porém Moe sempre se interessou pela leitura; ele tinha uma obsessão por jornais: lia mais de 10 por dia desde criança e não deixava que ninguém os tocasse antes que tivesse os lido, segundo o livro de Dawidoff. Essa paixão o fez se interessar por outras línguas. Ele ficou apenas um ano na NYU antes de se transferir para Princeton, uma das universidades pertencentes à Ivy League, o seleto grupo das universidades mais renomadas do Nordeste americano, onde passou a estudar Linguagens Modernas. Na renomada universidade, ele estudou (e aprendeu) sete línguas (alemão, italiano, francês, espanhol, grego, latim e até sânscrito!) e se graduou com grande honra.

Berg também jogou beisebol em Princeton, onde virou capitão e referência. Sua sintonia com seus companheiros de time era tanta que quando jogava como shortstop, se comunicava com o segunda base em latim (!). Seu potente braço e sua enorme vontade de jogar (ele se revezava em várias posições na defesa) compensavam a sua falta de habilidade no bastão — rebater nunca foi seu forte — e lhe renderam uma chance no beisebol profissional após a sua formatura em 1923, quando o Brooklyn Dodgers o contratou. Entretanto, os números ofensivos não melhoraram e ele foi enviado para as ligas menores diversas vezes até ser trocado para o Chicago White Sox em 1926.

A troca fez com que Berg buscasse outro rumo no meio acadêmico e realizasse o desejo de seu pai ao se matricular no curso de Direito da Universidade de Columbia — ele concluiu a sua segunda graduação em 1930. Por isso, ele acabou perdendo grande parte da temporada de 26 e também seu espaço no time. Ele conseguiu uma licença de um ano na faculdade para retornar ao beisebol em 1928, onde virou catcher e mostrou-se como um ótimo defensor atrás do home plate, passando a ter um lugar cativo como reserva nos White Sox (até hoje, a grande maioria dos times leva no banco um catcher com características mais defensivas e que acabam tendo desempenhos ofensivos abaixo da média, o que era o caso de Berg).

Ele sabe falar sete línguas, mas não consegue rebater em nenhuma! (Dave Harris, outfielder do Washington Senators entre 1932 e 1934, quando perguntado sobre Berg, seu companheiro de time)

Berg em sua época no Boston Red Sox. (Foto: National Baseball Hall of Fame)

Berg ocupou a reserva dos White Sox por quatro anos, até que em 1931 o time decidiu dar lugar para outro e ele foi dispensado. Em 1932, ele retornou às Grandes Ligas como reserva do Washington Senators, onde acabou se tornando titular após uma série de lesões. Ele ficou no time até 1934, e nesse meio tempo, a MLB promoveu viagens para o Japão nas offseasons de 1932 e 1934 e Berg fez parte das comitivas; na primeira visita, se apaixonou pelo país e chegou a perder parte da temporada de 33 para viajar pela ilha, enquanto em 1934, foi como parte de um time de All-Stars que incluía nomes como Babe Ruth e Lou Gehrig, chegando até a falar (em japonês) como representante da delegação para a Dieta japonesa — esse foi um dos pontos que fizeram Berg depois se motivar a trabalhar no governo americano.

Em 1935, Berg assinou para ser o catcher reserva dos Red Sox, onde atuou por cinco temporadas. Embora não tenha contribuído muito dentro de campo, ele se tornou uma figura importante no vestiário, contribuindo para a ascensão de Joe Cronin como jogador-manager da equipe em 1935; Cronin ficou no comando dos meias vermelhas até 1947 e teve sucesso, sendo induzido ao Hall da Fama em 1956 e teve sua camisa 4 ser aposentada pela franquia de Boston em 1984. A relação entre Berg e Cronin será também abordada no filme.

Berg decidiu se aposentar em 1939 (com um aproveitamento de apenas 24,3% no bastão e apenas seis home runs em 15 anos de carreira) para fazer parte do coaching staff dos Red Sox e ficou na comissão até 1941, quando a guerra entrou em sua vida — para nunca mais sair.

O jogador vira espião

O atentado japonês à base americana de Pearl Harbor, em 1941, foi um dos pontos de virada da Segunda Guerra, marcando a entrada efetiva dos Estados Unidos no conflito ao lado dos Aliados. O episódio mexeu com o orgulho dos americanos e fez com que a população se mobilizasse para participar efetivamente da luta contra os países do Eixo. Com Berg, não foi diferente; em 1942, ele entrou para o Escritório para Relações Intra-Americanas (OCIAA), um órgão que se dedicava a restringir a propaganda nazista em países da América do Sul, Central e Caribe.

Berg ficou por seis meses em serviço no Caribe como supervisor das tropas americanas, até que em agosto de 1943 ele foi enviado de volta para casa para se dedicar a “algo mais importante”, já que as Américas não representavam uma ameaça para os EUA. Ele assumiu um posto no Escritório de Serviços Estratégicos (OSS), o órgão precursor da Agência Central de Inteligência (CIA), e posteriormente foi enviado para a região dos Balcãs, onde sua contribuição para a guerra começou a ser relevante. Sua missão no Sudeste europeu era determinar quais dos grupos da região aliados à resistência tinha a maior força para combater os nazistas; seu parecer foi determinante para que os Aliados ajudassem a financiar os Partizans, grupo liderado pelo marechal Tito, no resto da guerra.

Berg em seu escritório na OCIAA, seu primeiro trabalho durante a Guerra. (Foto: AP)

Ao ser bem sucedido nos Balcãs, Berg chamou a atenção do alto escalão da OSS e foi escalado para fazer parte de uma missão especial, criada para analisar o estado de Itália e Alemanha no que tangia a ameaças atômicas e nucleares. Ele usaria seus talentos linguísticos e intelectuais para entrar em contato com cientistas europeus, recrutar quem estivesse incomodado com a situação no continente para continuarem seus trabalhos nos Estados Unidos e, o principal: reunir informações sobre Werner Heisenberg, que era o encarregado de Hitler para o projeto nuclear nazista. Assim, Berg iria entrar direto no olho do furacão. A guerra agora era para valer. Ele havia virado um espião americano.

Em sua infiltração como espião, ajudou a desmantelar uma planta aquática que fazia parte do projeto atômico nazista na Noruega (e que acabou deixando o projeto do país no setor enfraquecido) e descobriu que Heisenberg estaria em Zurique como palestrante em dezembro de 1944, sendo encarregado a assistir o evento. Caso o alemão indicasse alguma proximidade com a criação de uma bomba nazista, ele tinha ordens expressas para matar o cientista. Porém, não foi o caso; Berg, com a ajuda do renomado físico Paul Scherrer, um dos fundadores do Conselho Europeu para Pesquisas Nucleares (CERN), determinou que os alemães ainda estavam longe de chegarem à bomba atômica e acabou dando informações importantes para o governo americano basear sua estratégia no restante da guerra.

Com o final do conflito em 1945, Berg se demitiu da OSS e voltou para casa. O presidente Harry Truman lhe ofereceu uma Medalha da Liberdade por suas contribuições, mas ele a recusou (ela foi postumamente aceita pela irmã de Berg em 1973). Na década de 50, com a criação do Estado de Israel, tentou retornar à ativa na CIA para ajudar no país devido à sua herança étnica, porém acabou sendo rejeitado; entretanto, um ano depois, foi recontratado para voltar à espionagem, desta vez se infiltrando na União Soviética para avaliar os avanços do país no conflito atômico. Porém, após não conseguir nada em retorno e se envolver em conflitos internos, se tornou uma pessoa não confiável na agência e em 1954 foi dispensado após o final de seu contrato.

A saída da CIA se provou como um transtorno para Berg, pois, sem espaço no ramo, acabou ficando desempregado pelo restante de sua vida, se recusando a retornar à advocacia. Ele passou então a se dedicou à sua paixão pela leitura e solteiro, foi viver com os seus irmãos em Nova Jérsei. Aos setenta anos, em 1972, Moe Berg faleceu dentro de casa.

Moe Berg é apenas um dos personagens da Grande Guerra com uma história fascinante e cheia de detalhes. Suas contribuições na espionagem atômica foram obviamente muito mais relevantes que sua carreira esforçada no beisebol e ajudaram os Estados Unidos e os Aliados a vencerem a guerra. Berg, o jogador mais inteligente do beisebol, era muito bom para ficar só no esporte.

Eu preferiria ser um jogador do que ser um juiz da Suprema Corte (Moe Berg, ao ser perguntado se havia “desperdiçado sua inteligência jogando beisebol”)

Paul Rudd, o Moe Berg dos cinemas

Você provavelmente deve conhecê-lo pela sua interpretação do Homem Formiga no Universo Cinematográfico da Marvel. Paul Rudd, de 48 anos, é um dos atores mais versáteis de Hollywood com sua forte veia cômica que fica evidente em seus filmes, e “The Catcher Was a Spy” se mostra como um grande desafio para a sua carreira, já que Moe Berg se apresenta como um personagem complexo e cheio de nuances diferentes (e sem falar que antes dele ser escolhido, George Clooney era cotado para ser o personagem, o que por si já representa uma grande responsabilidade). Porém, não é disso que falaremos agora.

“Ligeiramente Grávidos”, de 2007, se tornou uma das comédias românticas que mais arrecadaram na história de Hollywood e foi um sucesso de crítica. Rudd fez parte do elenco em um papel secundário como genro da protagonista (Katherine Heigl) e sua boa performance ao lado de Leslie Mann, sua esposa na telinha, lhe rendeu um spin off em “Bem-vindo aos 40”. Tá certo, e o que isso tem a ver com este post? Vamos lá então. Uma das cenas mais famosas do filme é esta aqui, onde a personagem de Mann, desconfiada que o marido está a traindo, o segue e o encontra… no draft de sua liga de fantasy baseball!

Esse era o nosso gancho para falar do amor de Rudd pelo beisebol (e por fantasy — ele já disse em várias entrevistas ser obcecado pelas ligas virtuais). Ele literalmente ama o esporte — e o Kansas City Royals. Quando o time foi aos playoffs em 2014, acabando com um jejum de quase 32 anos sem ir à pós-temporada, o ator foi à loucura e, no meio das gravações de “Homem Formiga”, foi junto com o time durante toda a jornada nas fases finais, que culminou na equipe ficando com o vice-campeonato da World Series.

Eu estava aqui há 29 anos [quando os Royals disputaram — e ganharam — a World Series de 1985] e por quase 30 anos nós viramos um time das Menores pro resto da liga, em que todo mundo saia, tem sido muito difícil. Isso é incrível, eu virei um menino de 15 anos de novo! (Paul Rudd, após os Royals ganharem a Liga Americana e garantirem sua primeira ida à World Series desde 1985)

Em 2015, os Royals repetiram a dose e foram para a World Series pelo segundo ano consecutivo, para enfrentarem os Mets. Desta vez, o time conseguiu levar o título e Rudd estava lá mais uma vez, agora para comemorar junto com os jogadores.

“The Catcher Was a Spy” ainda não tem data de estreia confirmada, mas deve chegar às telonas no primeiro semestre do próximo ano. Dado que já está em fase final de produção, em breve já poderemos ter novidades em relações à novas informações e aos trailers do filme. A história de Berg tem tudo para render um ótimo filme (e nós não vemos a hora de vê-lo no cinema!).

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