O no-hitter mais perfeito da história do beisebol

Segunda Base
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8 min readJun 1, 2015

Existem alguns feitos que podem ser alcançados apenas por um arremessador. Jogo completo, shutout complete game (o arremessador joga as nove entradas e não cede corrida), no-hitter (arremessador joga um jogo completo e não cede nenhuma rebatida) e o jogo perfeito que é quando o arremessador e sua defesa não cedem nada, sem erro e é o feito mais glorioso que um arremessador pode alcançar individualmente. Apenas 23 jogadores na história da MLB realizaram isso, e Kershaw ficou a um triz de colocar seu nome nessa seleta lista.

Clayton Edward Kershaw nasceu no dia 19 de março de 1988 em Dallas, no estado do Texas. No ano de 2006, foi draftado pelo Los Angeles Dodgers na sétima posição da primeira rodada. O canhoto chegou com boas credenciais. Ainda no high-school, postou uma temporada de 13–0 com ERA de 0.77. Foram 139 strikeouts em 64 entradas arremessadas e assim chamou atenção de todo o país. Ainda no nível amador um outro feito respeitável: conseguiu um jogo perfeito eliminando todos os quinze rebatedores que enfrentou via strikeout. Foram com essas credenciais que Kershaw rejeitou uma bolsa escolar na faculdade Texas A&M para assinar com os Dodgers.

Foi direcionado ao nível de novato em que teve performances dominantes e foi ranqueado como o segundo melhor prospecto da franquia ficando atrás de Andy LaRoche. Em 2007, foi chamado ao nível imediatamente superior (A) e não decepcionou. Deu continuidade ao seu desenvolvimento chamando atenção principalmente para sua bola de curva e bola rápida que ora congelavam os arremessadores e ora os faziam perseguir bolas que jamais conseguiriam chegar. Todo o cuidado é pouco com prospectos, mas Kershaw ia demonstrando todo o potencial que carregava consigo.

Ainda no ano de 2007 jogou o All-Star Game daquele nível e subiu ao Double-A. Continuou mostrando toda a sua dominância, principalmente com o número de strikeouts e com o comando excelente de arremessos e no mesmo ano foi chamado à Triple-A. Jogou o All-Star Futures Game e ao começo do ano de 2008 já era considerado o prospecto número um da franquia californiana. Os Dodgers sabiam que estavam lapidando muito bem o talento bruto que haviam draftado dois anos antes.

A essa altura o canhoto já fazia parte do elenco que participava do Spring Training com a organização e ganhava experiência. Em um certo jogo, contra o Boston Red Sox, mostrou todo o veneno da sua bola de curva que eliminou Sean Cassey. A bola de curva quebrou para a zona de strike antes que Cassey ameaçasse algum movimento. Continuou seu desenvolvimento na Triple A e sem se importar com seu “cartel” (em 2007 foi 1–2 com ERA de 3.65 e 2008 0–3 com ERA de 2.21). Toda preocupação estava voltada no desenvolvimento do jogador e era sabido que os resultados gerais não dependem só do arremessador.

Seu tempo nas grandes ligas chegou no ano de 2008. Toda a expectativa e antecipação da estreia do canhoto foi comparada a estreia de Hideo Nomo, em 1995. No dia 25 de maio daquele ano, com a camisa de número 54, Kershaw estava no montinho para sua estreia na MLB. Foi contra o Saint Louis Cardinals e o rebatedor de lead-off, Skip Schumaker, foi eliminado por strikeout. Foi o primeiro de sete que ele conseguiria no jogo. Em seis entradas permitiu duas corridas. À época foi o arremessador mais novo a fazer sua estreia, honra que ficou em seu nome durante um ano. Durante os anos de 2008 e 2010, Kershaw foi cimentando seu lugar como um abridor de respeito. Foi batendo recorde atrás de recorde na franquia, em função da sua pouca idade. Durante essas três temporadas nunca teve campanhas abaixo de 50% (5–5 em 2008 e 8–8 em 2009 e 13–10 em 2010). A antecipação em torno do prospecto e a calma no seu desenvolvimento se mostrou totalmente correta. Os Dodgers tinham em Kershaw um legítimo ace.

O ano de 2011 foi especial na vida do canhoto. Foi seu primeiro como abridor da franquia no Openning Day após terminar muito bem 2010. Foram 33 jogos como titular, cinco jogos completos, dois desses shutouts na sua segunda temporada seguida arremessando mais de duzentas entradas. Foram 21 vitórias e 5 derrotas e ERA de 2.28. Compilou 248 strikeouts (até hoje a melhor marca da carreira) com WHIP de 0.977 e cedendo 6.7 rebatidas por nove entradas, em média. A temporada resultou no primeiro Cy Young ganho pelo canhoto em sua carreira. Além disso, foi eleito pela primeira vez All Star e ainda conseguiu o prêmio de Golden Glove. Conseguiu a tríplice coroa: liderou a Liga Nacional em vitórias, strikeouts e ERA. A temporada do canhoto de então 23 anos foi espetacular e ele queria muito mais.

Após a temporada monstruosa, Kershaw renovou o contrato por mais dois anos no processo de arbitragem e continuou dando seu show. Foi o primeiro arremessador, desde Randy Johnson, a liderar a Liga Nacional em dois anos seguidos em ERA. 14–9, 2.53 de ERA em 227.2 entradas arremessadas e terminou em segundo na votação para Cy Young, mas conseguiu sua segunda eleição para o jogo das estrelas. Kershaw aquela altura já havia demonstrado todo o seu potencial de ir longe nos jogos e sua dominância traduzida em strikeouts. Conseguia dois shutouts a cada ano e arremessando sempre para mais de 200 entradas (a exceção de 2014) e de 2010 a 2014 teve mais de 200 strikeouts por temporada.

Kershaw se estabeleceu como o melhor arremessador da sua geração. Dominante no jogo, dita o ritmo da partida e consegue controlar fortes lineups não encontrando dificuldades em eliminar destros ou canhotos via strikeouts. Durante os cinco anos de carreira como titular dos Dodgers, conseguiu os seguintes prêmios:

– 4 vezes selecionado All Star (2010–2014)
– 3 vezes Cy Young (2011, 2013–2014), sendo que em 2012 foi o segundo colocado.
– Golden Glove em 2011
– MVP em 2014.

18 de junho de 2014; a histórica noite do melhor arremessador da MLB

Chegando para o jogo em casa contra o rival de divisão Colorado Rockies, Kershaw tinha os seguintes dados: 6–2 com ERA de 2.93. Havia cedido 17 corridas (4 HRs) e 8 walks em 55.1 entradas arremessadas. Aquela altura já havia conseguido 71 strikeouts em 9 jogos começados com uma partida completa. Kershaw havia começado muito bem o que seria a melhor temporada da sua carreira e a noite especial era aquela.
Corey Dickerson foi a primeira vítima de Kershaw e numa contagem de 2–2 ficou parado olhando a bola rápida de Kershaw alcançar o alto da zona de strike. Flyout eliminou Brandon Barnes e Dee Gordon fez a assistência para eliminação de Troy Tulowitzki e a primeira entrada foi tranquila para o canhoto em 11 arremessos. Wilin Rosario ficou congelado vendo a bola de curva morrer no meio da zona de strike e Drew Stubbs tentou em vão acertar a bola rápida no canto da zona. Dee Gordon apareceu de novo para fazer a assistência para eliminação na primeira base de Josh Rutledge e em 28 arremessos e duas entradas, nada para o ataque dos Rockies. A terceira entrada veio e passou sem maiores dificuldades. Dois strikeouts contra Kyle Parker e DJ LeMathieu e lineout para eliminação do pitcher Jorge DeLa Rosa. Kershaw tinha passado perfeito por três entradas com uma contagem aceitável de 45 arremessos.

A segunda vez que enfrentou o topo do lineup dos Rockies foi bem tranquila. Foram nove arremessos para eliminar os três primeiros jogadores. Kershaw fez a assistência para a eliminação de Dickerson, strikeout em Barnes e Tulowitzki se foi em uma bola voadora para o campo esquerdo. E em mais nove arremessos eliminou o meio do lineup adversário. Rosario dessa vez tentou o swing e voltou com o segundo strikeout na conta. Hanley Ramirez, o então shortstop da equipe de Los Angeles, coletou a bola no campo interno e assistiu a eliminação de Stubbs e o contato fraco de Rutledge permitiu que Kershaw pegasse a bola pouco depois do montinho e mandasse para o 1B da sua equipe, Adrian Gonzalez que confirmou mais uma eliminação. Eram quinze rebatedores retirados de forma consecutiva por Kershaw. O canhoto já havia passado por situação semelhante: sua última tentativa de no-hitter parou na sétima entrada. Já haviam sido 64 arremessos para finalizar cinco entradas. O canhoto parecia estar em outra dimensão.

E a sexta entrada passou com treze arremessos. Foram três strikeouts consecutivos: Parker, LeMahieu e o PH Ryan Wheeler. Nenhum deles conseguiu contatos sólidos com a bolinha e nem ficaram à frente de Kershaw na contagem dos duelos. O canhoto doutrinava. Já eram 10 strikeouts e 18 rebatedores eliminados.

No topo da sétima, o anticlímax total no Dodgers Stadium. A contagem estava 2–1 a favor de Dickerson, algo raro no jogo. O LF conseguiu um contato fraco com a bola e ela quicou no infield. Novamente Hanley Ramirez, o shortstop conseguiu coletar a bola e o que parecia ser uma eliminação rotineira se transformou num erro. Ramirez mandou um canhão pra primeira base e a bola foi muito baixa, ficando fora do alcance de Gonzalez. Dickerson chegou à segunda base e foi creditado o erro ao dominicano.

Kershaw já havia perdido um no-hitter na sétima entrada, mas dessa vez foi diferente. Perdeu o seu jogo perfeito e tinha tudo para desabar psicologicamente. Se desmotivar ou algo parecido, mas nada disso aconteceu. Strikeout em Barnes e um momento tenso logo em seguida. Com 2–2 na contagem, Tulowitzki conseguiu rebater uma bola de curva para a direção do terceira base Miguel Rojas. Totalmente ligado no jogo, Rojas pegou a bola pouco depois da sua posição e a lançou, cruzando o diamante para eliminar o shortstop adversário. Após isso, Kershaw se recuperou de um aparente nervosismo com uma entrada mais turbulenta que o habitual e a bola de curva marcou o 11º strikeout da noite, terceiro contra Rosario.

Kershaw voltou com o seu foco totalmente recuperado. Os Dodgers já lideravam o jogo com folga (8–0) desde a 4ª entrada, mas parecia que o atual detentor do prêmio Cy Young nem se importava com isso. Dois impiedosos strikeouts e uma eliminação feita por Adrian Gonzalez em contato fraco pro lado direito do campo fizeram a oitava entrada passar sem nenhum susto. O clímax então estava todo armado de novo. Nunca se duvidou da capacidade e do talento de Kershaw. Porém, o canhoto estava a três eliminações de um feito histórico e era só isso que passava em sua cabeça.

A essa altura, todo o Dodgers Stadium já estava de pé e a câmera não parava de focalizar a esposa do arremessador que estava nas arquibancadas. LeMahieu e Culberson (outro PH) tentaram a rebatida no primeiro arremesso que viram do canhoto. Em vão, duas eliminações fáceis para a defesa da equipe azul. O último duelo foi contra Dickerson e o adversário não viu a bola. Com a contagem de 0–2, o swing foi no vazio e Kershaw, em 105 arremessos completava o no-hitter mais perfeito da história do jogo.

Apenas um rebatedor conseguiu a vantagem de 3–2 na contagem do jogo: Rutledge, na segunda entrada. 11 vezes a contagem chegou a 2–2. Em todas as outras, Kershaw dominou o jogo com sua mistura de arremessos e o efeito impressionante da sua bola de curva. Após a complicada eliminação de Tulowitzki na sétima entrada, Kershaw não lançou mais nenhuma bola fora da zona de strike. Ele disse que se tocou da possibilidade do no-hitter após a sétima entrada e que procurou manter seu foco. A preocupação maior era ganhar o jogo para sua equipe. Do lineup que enfrentou, a exceção do arremessador, a menor porcentagem de ocupação de base naquela temporada era de Rosário com 26,1%.

E Kershaw assim o fez. E ano passado fez vinte e uma vezes. Liderou a liga em ERA 1,77 (!!!!), FIP de 1,80 (!!!!), 239 strikeouts e WAR 7,2. É o primeiro a ganhar três vezes o prêmio Cy Young antes dos 27 anos. Kershaw diz não se importar tanto com os feitos individuais e prefere que suas atuações levem seu time a um título de série mundial. A fama de amarelão em outubro é balela e não diminui o baita jogador que é. Ainda novo e tem muito que alcançar na sua carreira. Kershaw é o melhor arremessador desta geração e fique de olho porque o canhoto tem potencial de arremessar mais jogos como este.

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