Por que os jogadores das ligas menores ganham abaixo da linha da pobreza americana?

por Rafael Guimarães

Segunda Base
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5 min readApr 21, 2018

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Tentando salvar o passatempo americano, Congresso foi atrás justamente de quem faz o jogo acontecer: os jogadores. (Foto: AP)

Imagine a situação: Um jogador jovem de baseball, recém saído da high school, comete uma besteira juvenil: um pequeno delito do tipo um furto de doces numa loja de conveniência. E ele é pego no meio da situação. O pai do jogador, famoso por também ser pai de um jogador que recentemente estreou com algum sucesso na MLB, decide tirar o filho que cometeu o delito do país e levá-lo para jogar em uma liga estrangeira até que todos esqueçam do delito e o filho possa entrar no draft.

Parece uma situação bizarra, porque seria. Mas se você trocar o esporte para o basquete e liga para a NBA, é exatamente o que aconteceu com os dois filhos mais jovens de LaVar Ball, LiAngelo e LaMelo. Enquanto visitavam a China com a UCLA, uma das universidades mais conhecidas dos Estados Unidos, os dois filhos mais novos do falastrão papai Ball se envolveram em um pequeno delito que acabou causando uma crise diplomática. Para que os filhos continuassem tendo alguma chance de eventualmente jogar na NBA, LaVar os levou para jogar na Lituânia.

“O que isso tem a ver com baseball?”, você pode estar se perguntando.

A resposta é que tem tudo a ver com baseball e com como a MLB conseguiu garantir a aprovação do Save America’s Pastime Act, um acordo com força de lei que aumenta uma quantia irrisória do valor que a liga paga aos jogadores das minor leagues, mas ainda assim serve para acabar com um processo coletivo que tentava provar que a organização não estava pagando o mínimo previsto por lei para qualquer trabalhador nos Estados Unidos.

A Jornada do Jogador Mediano

Muitos de nós, fãs brasileiros, ficamos sonhando acordados sobre como seria nossa vida se tivéssemos nascido em terras norte-americanas para podermos não apenas acompanhar nossos times mais de perto, como arriscar uma tentativa de ser jogador no esporte que amamos. Infelizmente, a vida real fica longe dos nossos sonhos.

Quando um aspirante a profissional de baseball busca alcançar uma carreira profissional, seu caminho em geral é pelas Minor Leagues, sendo assinado para desenvolvimento por algum time e alocado para as organizações afiliadas. Mesmo as maiores estrelas do esporte passam alguns anos amadurecendo nessas ligas, aprendendo o dia a dia do profissionalismo.

As estrelas com grande potencial já saindo da high school, no entanto, costumam assinar split contracts, contratos que pagam valores diferentes para os dias de trabalho do jogador dependendo se ele está jogando na MLB ou numa minor. Muitos desses contratos, para jogadores dos quais se espera algo grande, em especial os draftados cedo em cada ano, costumam vir com gordos pagamentos bônus que garantem o interesse do jogador em treinar com a equipe e esperar que seu pagamento chegue aos altos valores da liga principal.

Alguns contratos, entretanto, nunca chegam a esse valor. E dependendo da situação, o jogador draftado pode nem mesmo ter um bônus tão compensador assim. Para os jogadores mais medianos, com pouca esperança de chegar até a MLB, o sonho de jogar baseball reside exclusivamente com as minors, e a maioria deles sequer recebe 1160 dólares por mês durante a temporada, sem pagamentos durante os spring trainings, por um trabalho que dura cinco meses do ano. No restante do tempo? Eles tem que se virar como podem enquanto mantém o corpo em forma para o ano seguinte.

As minor leagues, entretanto, não são exclusividade da MLB. A NBA recentemente estabeleceu sua G-League, uma liga de desenvolvimento que no ano que vem irá pagar no mínimo 35 mil dólares anuais aos jogadores com contrato. O pagamento mínimo das minors do baseball roda perto dos 6 mil dólares anuais.

Mas os profissionais que realmente conseguem sobreviver e fazer carreira jogando em ligas menores são os do hóquei. As minors associadas à NHL pagam um mínimo de 47,5 mil dólares anuais, mais 75 por dia na estrada, despesas de realocação caso o jogador seja trocado e bônus de playoff (nenhum desses benefícios existe no baseball).

Porque a situação do passatempo americano chegou a estar assim, você deve estar se perguntando. Bem, é simples: falta de opção dos jogadores. Um jogador de basquete mediano tem altas chances de receber uma oferta de bolsa completa no College, onde pode passar os 4 anos de estudo sem gastos, sair com um diploma e, caso a NBA não chame, exercer uma profissão qualificada. Caso ele queira continuar jogando, entretanto, existe a possibilidade de se mudar para algum país com uma liga de basquete, das quais não faltam ofertas, como a NBB e as européias, que ostensivamente aceitam jogadores americanos em estágio de formação.

A possibilidade de ir para o College com bolsa é muito menor para um jogador de baseball. As universidades contam com apenas 11,5 bolsas para distribuir entre 27 jogadores em um elenco de 35. Ou seja: apenas os maiores talentos, aqueles que em geral já até foram chamados no draft da MLB em rounds posteriores mas gostariam de serem draftados novamente em um lugar melhor, conseguem arrancar uma bolsa completa.

A opção de ir para fora do país é quase nula: as únicas ligas que pagam valores bons para o padrão de vida americano são a própria MLB, a NPB e a KBO. E as ligas asiáticas não estão interessadas em pegar jogadores do estágio de desenvolvimento nos Estados Unidos, assim como tomam cuidado para não permitir que a MLB pegue suas promessas.

O resultado é que muitos jogadores que se perpetuam nas minor leagues para completar os times, levá-los a campeonatos e mentorar os jogadores em desenvolvimento quase sempre tem múltiplas carreiras, ou são jogadores no limite entre a juventude e o status de veterano vivendo de sanduíches. Enquanto isso os jogadores veteranos das minor leagues de hóquei recebem bons contratos de longo prazo e planos de carreira para se envolverem eventualmente na formação de jogadores.

O Save America’s Pastime Act é apenas o mais recente ato de ganância por parte da MLB, uma organização que tem seu monopólio protegido por lei. As principais vítimas da liberação do pagamento mínimo acabam sendo os jogadores estrangeiros, principalmente os hispânicos, que vão para os Estados Unidos perseguir seu sonho. Eles são a maioria dos jogadores pagos com o valor mínimo e raramente conseguem levar suas famílias para viver com eles.

Após polêmicas, Trump assinou novo projeto de gastos do governo em 22 de março; o Save America’s Pastime Act também estava incluído. (Foto: Reuters)

Para piorar, o projeto transformado em lei estipula como hora de trabalho os treinos e jogos, retirando a obrigação da liga de pagar salário durante as viagens e durante os treinos pessoais como musculação para fortalecimento. As associações de jogadores acreditam que a jornada semanal de um jogador das minors chega a 60 horas, enquanto a MLB e o governo americano reconhecem apenas 40 horas na lei.

E não, não é uma questão de tornar a prática das minor leagues impossível com um pagamento maior, uma vez que se estima que para subir o salário mínimo anual dos jogadores das minors para mais de 20 mil anuais a MLB gastaria menos do que 500 milhões, ou 5% do seu lucro anual atual. Os proprietários, na verdade, são apenas grandes pilantras. Agora, pilantras protegidos pela lei.

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Desde 2011, o Segunda Base traz conteúdo original e análises sobre a MLB, produzidos por uma equipe de apaixonados por beisebol