Quantas vezes você é capaz de se reinventar

Sandra Mara Selleste
Selleste Economia Criativa
5 min readMar 9, 2017

Saber ao certo quanto tempo viveremos não está ao nosso alcance, isso é fato. Mas, e se ficarmos por aqui muitos anos, encontraremos em nossa trajetória vários cenários. Durante esse período quantas vezes seremos capazes de nos reinventar?

Venho observando esse curioso comportamento humano. Tenho lido textos sobre o assunto e concluí que a maioria de nós quer uma vida longa, mas envelhecer ainda é um tabu.

Essa obsessão pela juventude nos coloca em uma condição de extrema ansiedade, quando buscamos a fonte nas diversas formas possíveis e impossíveis.

Até pouco tempo atrás, coisa de duas décadas, muitas mulheres escondiam a idade. Hoje, com a popularização das redes sociais, o quesito “ano de nascimento” entrou em uso, não necessariamente porque resolvemos o tabu, mas porque, na maioria das vezes não sabemos como esconder.

Olhando por esse lado, esbarramos num paradoxo: não queremos envelhecer e não queremos parecer velhos. Ora, mas para não ser velho, precisaríamos morrer jovem! Já parou para pensar nisso?

Arquivo pessoal das famílias Moreira, Costa Furtado e Haddad — Make Monica Souza.

Esta é a foto mais recente da Dona Margarida, minha avó. Foi tirada em seu aniversário de 93 anos e, me inspirou a escrever sobre o assunto. Me surpreendi com a imagem e na hora pensei: nossa, ela está maquiada! Isso é tão peculiar… ela nunca gostou de se maquiar. Nunca pensei que ela gostasse. Nesse momento, tive um insight: ela se reinventou! Novamente.

O que leva uma pessoa de 93 anos a se reinventar? Hipoteticamente, ela poderia ter morrido cedo, num acidente, ou doente… talvez pega por uma depressão e cometido um suicídio. Mas não, ela está viva, escolheu viver e lutou por isso.

Minha avó Margarida nasceu no século passado. Natural de Laranja da Terra e família católica, nunca foi rica, mas também nunca foi privada de necessidades básicas. Para os que gostam de números a data é instigante: 24/02/1924.

Viveu seus anos de juventude sob as verdades sociais das décadas de 1930, 1940 e 1950. A sociedade patriarcal da época era a lei e o machismo imperava em todos os aspectos. Era praticamente impossível, para uma mulher, fazer diferente. Ela cumpriu a trajetória de uma moça “de família”. Estudou pouco, fez todos os cursos para as “belas, recatadas e do lar”: bordado, modelagem, culinária etc.

Casou-se aos 17 anos. Seu marido, 10 anos mais velho, já era viúvo. Mãe de 10, teve o primeiro filho aos 18 anos.

Em 1939, provavelmente ouviu pelo rádio as noticias da segunda guerra, pensou em escassez mas teve que manter a sanidade e continuar a viver.

Por volta de 1940, mudou-se com o marido para uma cidade no nordeste do Espírito Santo. Eram terras fora da faixa litorânea brasileira. Terras “sem dono” (apesar dos indígenas que a ocupavam), terras para serem desbravadas. Sempre firme e guerreira, Dona Margarida esteve ao lado do seu marido (como uma boa esposa), presenciando lutas e verdades que hoje já não fazem mais sentido.

Conviveu com tropeiros, mascates e boiadeiros. Viu a derrubada das matas nativas, a venda de madeira e a abertura de estradas. Fico imaginando que ao 30 anos, já estava se sentido velha. Será?

Arquivo pessoal — Panorâmica da região.

De repente (foi o que pareceu para quem vivia no campo), entre os anos de 1955 e 1960, vovó acreditou que as coisas mudariam para melhor. Com Juscelino Kubitschek na presidência e a promessa de fazer o Brasil crescer e se desenvolver “cinquenta anos em cinco”, o PIB subiu em média 7% ao ano, a renda per capita aumentou e houve a construção de Brasília. Consigo até imaginar as notícias no rádio e a esperança de um mundo melhor se instalando nos sonhos desta mulher que, fiel as convicções do marido, deve ter se reinventado.

E lá vai ela, cumprindo seu papel, pelo menos o que lhe foi concedido: ser uma boa esposa, cuidar dos filhos, da casa, das roupas. Preparar grandes almoços, ajudar a criar os netos. Ela já era avó, mas ainda com filhos adolescentes e jovens.

Na década de 1970, ela testemunhou o desmatamento de sua região para se transformar em pasto. Toda madeira virou carvão e a terra serviria para a criação de gado. Para a época, isso era o que tinha que ser feito. Era o correto.

No dia 3 de agosto de 1980, meu avô morreu. Foi uma data marcante e que trouxe novos desafios. Dona Margarida, acostumada a ser coadjuvante, teve que virar protagonista: uma mulher de negócios. O termo atual seria empreendedora do agronegócio.

Sem preparo para administrar o patrimônio e com 10 filhos herdeiros para conciliar interesses, certamente algumas noites mal dormidas devem ter feito parte da sua rotina. Mas isso ela não conta e disfarça. Talvez não tenha nem consciência de como foi forte. Uau!!!

Ainda na década de 1980, quanto tudo era possibilidade no Brasil do futuro, certamente ela deve ter pensando em se mudar. Poderia sair do país, ir para os Estados Unidos ou mandar algum filho para lá. Poderia ir para Rondônia ou Tocantins — estados em pleno crescimento e com promessas de riqueza. Mas, não teve coragem, fincou raiz na terra herdada por direito e decretou: eu nunca sairei daqui.

Em 1990 e 2000, provavelmente estranhou quando os bancos apresentaram os caixas eletrônicos a sua pequena cidade. “Como assim, máquina que cospe dinheiro?” E o tempo foi passando e as novidades tecnológicas fazendo, cada vez mais, parte do dia-a-dia: o vídeo cassete, vídeo game, telefone celular, carros modernos etc. Isso sem falar das revoluções culturais como a queda da virgindade antes do casamento, a separação e o divórcio e os gays.

Aos 89 teve um câncer, fez mastectomia e após a operação quando alguém questionou como ela estava, disse serenamente: Muito bem!!! E completa explicando que curou seu câncer com água benta. E ninguém ousa questionar. Como duvidar da capacidade e fé desta mulher?

Em 24 de fevereiro de 2017, completou 93 anos. Está feliz, cheia de vontade em chegar aos 100. Já solicitou aos filhos, netos e bisnetos que preparem as comemorações.

Em sua festa deste ano, ela quis comemorar sua vida. E com a atitude de uma garota de 17 anos, ela sorri ingenuamente e acha muito engraçado passar batom e blush. Que força empreendedora de vida! Que exemplo!

E eu? E nós? Quantas vezes seremos capaz de nos reinventar, caso tenhamos uma vida longa como a da Dona Margarida?

Meus agradecimentos aos que me ajudaram na construção deste texto.

Em especial:

A Sônia Lisa Schwartz do Baruk Editorial por sua contribuição na edição do texto.

A visão sobre a mulher atual e empreendedora de Simone Marques na Benvindoria.

A futurista Lala Deheinzelin com a inspiradora Fluxonomia 4D

História Legais

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Sandra Mara Selleste
Selleste Economia Criativa

Sou empreendedora na Selleste, Consultora no desenvolvimento de empreendedores para as Novas Economias, Fluxonomista4D, produtora cultural e atriz.