Poéticas&Resistência

Maria Clara Oliveria Bertúlio
seloitan
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3 min readApr 23, 2021

No panorama da produção literária brasileira, nos deparamos com uma miríade de linguagens e segmentos que compõe a identidade literária nacional, cujas expressões e/ou características variam de acordo com a concepção literária das realidades onde estão inseridas. Ao longo da historiografia oficial, passamos por uma série de vertentes literárias que marcaram seus tempos e contribuíram para uma leitura crítica dos contextos de cada época, algumas ainda vigentes na atualidade.

Apesar dessa abertura, há uma resistência deliberada que sustenta-se na dinâmica clássica do racismo estrutural, e que ainda insiste em invisibilizar as falas que estão fora do contexto do discurso branco hegemônico, especialmente quando se trata das vozes das periferias. Ora, se a Literatura hegemônica reconhece classificações como Literatura Infantil e Infanto-juvenil à Literatura Estrangeira, por que não a Literatura criada e protagonizada por sujeitos negros?

Trata-se, sobretudo, de contextualizar esse sujeitos que falam, pois constroem suas poéticas a partir de um lugar específico, diferenciando-se e abrindo espaço para a criação de uma outra semântica, que traduz um modo diferente de interpretar a realidade, um outro olhar.

Assim, este movimento desenvolve-se no caminho da disputa de narrativas, em embate (nas palavras da escritora nigeriana Chimamanda Ngozi) com a ameaça histórica e permanente do “perigo da história única”. Em Miriam Alves, escritora da Literatura Afro-brasileira, “não se trata de dar voz aos que nunca tiveram voz, mas de fazer ecoá-las”, vozes cujas expressões foram caladas na violência da história da afro-diáspora no Brasil e que se atualiza de outras formas nos tempos posteriores e atuais.

Neste cenário, a iniciativa da criação de um Selo Literário como espaço para publicação de escritoras/escritores negras/negros tem a função de estimular, acolher, desenvolver e criar condições de circulação dessas produções. Desta forma, a palavra torna-se arena e instrumento de luta e resistência contra o apagamento de uma memória em comum, compartilhada por sujeitos nas condições de diáspora interna mais violenta e dolorida.

Aqui fala-se por um grupo, por uma ideia, pelo coletivo, pois sabemos qual é o nosso espaço e o centro de nossas conquistas e enfrentamento.

Portanto, adentrar esse território significa mais do que uma busca por representatividade, mas a luta pela possibilidade concreta de protagonismo. Ou seja, da construção de narrativas a partir de uma ótica identitária e autoral, na perspectiva de rearticulação das bases referenciais de uma coletividade. Assim, deslocamo-nos da condição de objeto para sermos sujeitos das nossas próprias histórias e narrativas, combatendo estereótipos e propondo novas formas de representação para os nossos, sob um ponto de vista e olhar crítico.

Por fim, cabe destacar que essas palavras estão aí, na boca de seus atores, em seus modos de vida, em suas memórias e tradições. Precisam de acolhimento, e que essas vozes reboem em nosso horizonte de luta por afirmação. Aí entra uma questão: quem dá legitimidade para isso não é o outro, somos nós, nos reconhecendo nessa esfera. Isso é revolucionário! Chamando para os versos eternizados na voz da cantora Virgínia Rodrigues, “vou aprender a ler para ensinar meu camaradas(…)”, sabemos quais são os nossos caminhos. Este é o caminho que queremos seguir.

Publicação na 1ª edição da revisa. Fonte: Revista Itan, Edição 1 (2020). Disponível em: https://bit.ly/revistaitan1ed

As inscrições já estão abertas e seguem até o dia 06 de junho. A 2ª Edição irá aceitar poemas autorais e inéditos que abordam o tema Política, ambiente e subjetividade. Para saber mais, você pode ler na íntegra o Edital 01/2021 aqui.

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Maria Clara Oliveria Bertúlio
seloitan
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Artista Multidisciplinar. Entre o Teatro, a Literatura e a Militância antirracista.