Amor pela Roma - Por Francesco Totti

Guilherme Dorf
Sem Firulas
Published in
5 min readSep 30, 2016

Texto originalmente publicado por Totti no Players Tribune e traduzido livremente pela equipe Sem Firulas.

27 anos atrás ouvi alguém bater na porta do nosso apartamento em Roma. Fiorella, minha mãe, atendeu. O encontro definiria minha carreira futebolística.

Quando minha mãe abriu a porta, um grupo de homens se apresentou como diretores de futebol, mas eles não eram da Roma e trajavam roupas vermelhas e pretas. Eles eram do Milan e queriam que eu fosse jogar por lá. A qualquer custo.

Minha mãe ficou chocada. O que você acha que ela respondeu aos cavalheiros?

Quando você é uma criança em Roma só existem duas opções: ou você é vermelho ou azul, Roma ou Lazio. Mas na nossa família, só existia uma opção.

Infelizmente não pude conhecer meu avô porque ele faleceu quando eu era criança, mas ele me deixou um grande presente. Por sorte, meu avô Gianluca era um torcedor fanático da Roma e ele passou esse amor para o meu pai que então passou para meu irmão e para mim. Nosso amor pela Roma foi algo que levamos para a vida. A Roma foi mais do que um clube de futebol, foi parte da nossa família, nosso sangue, nossas almas.

Totti entre a sua mãe e pai

Nos anos 80, as emissoras não transmitiam muitos jogos e nós raramente conseguimos assistir uma partida. Quando eu tinha 7 anos de idade, meu pai finalmente me levou ao Stadio Olimpico e eu pude ver I Lupi, os Lobos.

Eu posso fechar os olhos e me lembrar do sentimento. As cores, os cantos, o fumaceiro. Eu era uma criança vívida e só por estar no estádio ao lado de outros torcedores da Roma sentia algo dentro de mim. Não sei como descrever a experiência. Bellissimo. Essa é única palavra que consigo pensar.

No nosso bairro, San Giovanni, eu acho que ninguém nunca me viu sem uma bola de futebol nas mãos ou nos pés. Nós jogávamos futebol nas ruas, perto das catedrais, nos becos, em qualquer lugar.

Mesmo como um garoto, já sabia que futebol era mais do que um amor para mim. Eu já tinha ambição de me tornar jogador profissional. Comecei jogando por clubes juvenis e tinha posters e jornais de Giannini, o capitão da Roma na parede do meu quarto. Ele era um ícone, um ídolo. Ele foi uma criança de Roma, assim como nós.

E então, quando tinha 13 anos, ouvi aquela batida na nossa porta.

Os homens do Milan estavam me convidando para juntar me ao time, uma oportunidade para triunfar em um gigante clube italiano. Qual seria minha escolha?

Bem, a escolha não era minha, é claro.

Minha mamma era, e ainda é, a chefe. E ela era muito apegada aos seus meninos. Como qualquer mãe italiana, ela era um pouco superprotetora. Ela não queria que eu saísse de casa com medo que algo pudesse acontecer.

No, no,” ela disse aos diretores.“Mi dispiace. No, no.

Era o fim. Minha primeira transferência recusada pela chefe.

Meu pai levava meu irmão e eu aos jogos no final de semana, mas de segunda à sexta, mamma estava no comando. Foi difícil dizer não ao Milan. A oferta traria muito dinheiro para a nossa família. Mas minha mãe me ensinou uma lição naquele dia: o lar é a coisa mais importante na vida.

Algumas semanas depois, após ser observado em uma partida na qual joguei bem, a Roma me fez uma oferta. Eu vestiria amarelo e vermelho.

Mamma sabia. Ela ajudou minha carreira de tantas formas. Sim, ela era protetora e ainda é!, mas ela fez muitos sacrifícios para se assegurar que eu pudesse jogar todos os dias. Eu sei que esse início foi difícil para ela.

Era a minha mãe quem me levava de carro aos treinos e esperava. Ao lado do gramado, ela esperava duas, três, até quatro horas enquanto eu treinava, mesmo no frio ou na chuva.

Ela esperava para que eu pudesse realizar meu sonho.

Eu não sabia que estrearia pela Roma jogando no Stadio Olimpico até 90 minutos antes da partida. No caminho do ônibus até os vestiários, minha imaginação corria solta. Os torcedores da Roma são diferentes de qualquer outro. Existe uma expectativa alta quando você coloca o manto da Roma. Você precisa provar o seu valor e não existe muita margem para erros.

Quando eu pisei no gramado para o meu primeiro jogo, eu estava cheio de orgulho por jogar pelo meu lar, meu avô, minha família. E durante 25 anos, a pressão e o privilégio de jogar pela Roma nunca mudara.

É claro que houve alguns percalços. Houve até um momento 12 anos atrás quando cogitei trocar a Roma pelo Real Madrid. Quando um time bem-sucedido, talvez o mais forte do mundo, te deseja, você começa a pensar como seria a vida em outro lugar. Eu conversei com o presidente da Roma e isso fez toda a diferença. Além disso, a conversa que eu tive com minha família me relembrou sobre os valores da vida.

O lar é tudo.

Por 39 anos, Roma foi o meu lar. Por 25 anos como futebolista, a Roma foi meu lar. Seja ganhando o Scudetto ou jogando a Champions League, eu espero ter representado as cores da Roma da melhor maneira possível. Eu espero ter deixado os fãs orgulhosos.

Pode-se dizer que eu sou um homem conservador. Eu não me mudei da casa dos meus pais até me casar com minha mulher, Ilary. Então quando olho para o tempo que passei aqui e o que sentirei falta, sei que será a rotina, as coisas cotidianas. As muitas horas treinando, as conversas no vestiário. Acho que sentirei muito falta de tomar um café com meus colegas de time todos os dias. Talvez, se eu voltar como diretor algum dia, esses momentos voltarão.

As pessoas me perguntam: Por que você passou toda a sua vida em Roma?

Roma é minha família, meus amigos, as pessoas que eu amo. Roma é o mar, as montanhas, os monumentos. Roma, é claro, é os romanos.

Roma é amarelo e vermelho.

Roma, para mim, é o mundo.

Esse clube, essa cidade, têm sido minha vida.

Sempre.

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