Certas coisas valem mais do que os três pontos
Esse texto foi inspirado na leitura anterior do excelente artigo de Pedro Reinert para o Yahoo Esportes: https://esportes.yahoo.com/noticias/apoio-de-lucas-bolsonaro-vai-de-encontro-com-valores-tottenham-170649541.html
Lucas Moura se juntou à lista composta por Jadson, Roger e Felipe Melo e declarou publicamente seu apoio ao candidato Jair Bolsonaro, do PSL.
Em um cenário caótico, já não faz mais sentido explicar a incoerência de pregar valores democráticos para defender alguém que se orgulha de ser anti-democrático. Mas, ainda tenho a esperança de tentar explicar porque isso é também uma incoerência futebolística.
Que ama o futebol gosta de dizer que o esporte “Não é só um jogo”. Poucos times/torcidas ilustram tão bem esse mantra como o Tottenham.
Enquanto no Brasil os clubes costumam evitar tocar em feridas e se calam diante de assuntos como racismo, homofobia, igualdade de gêneros e afins, a equipe londrina construiu grande parte da sua cultura e história a partir da defesa de valores essenciais.
O clube é sediado em uma região cuja comunidade é composta por uma mistura de imigrantes, judeus, irlandeses, negros, brancos de classe média ou baixa. A história do clube se confunde com a história das minorias étnicas. O Tottenham foi o primeiro da divisão de elite da Inglaterra a contar com um jogador negro e pela sua ligação com a comunidade judaica, as torcidas adversárias costumavam imitar o barulho de câmeras de gás e entoar cânticos nazistas contra a torcida dos Spurs.
Apesar de não se taxar propriamente “de esquerda”, o time sempre se alinhou junto às pautas progressistas e bem distante do conservadorismo. A sua torcida se orgulha de apoiar a causa LGBT, por exemplo. De maneira similar, o St. Pauli da Alemanha é outro time que possui diversos fãs espalhados pelo mundo dada a sua tradição de envolver torcedores em questões humanitárias e o seu apoio aos refugiados e luta por diversas minorias.
O futebol no Brasil não desenvolve raízes tão fundamentais quanto essas. Não dá pra dizer que determinado clube é conservador, progressista, é de direita, é de esquerda. Todos são isentões. E talvez esse caminho até seja mais “limpo”.
A torcida corintiana, que se orgulha de cerrar os punhos em homenagem ao Sócrates, se cala diante da posição deliberada do atual camisa 10. O Roger é constantemente criticado, mas curiosamente, as pessoas costumam se lembrar mais do seu apoio ao Bolsonaro quando o centroavante perde gols fáceis.
Na Inglaterra, Lucas Moura teve que se explicar aos torcedores por suas declarações, mesmo tendo sido o jogador do mês na Premier League.
Com muito desgosto, eu já aprendi a aceitar o fato de que vai demorar uma eternidade para que os times brasileiros utilizem seu enorme poder para defender qualquer coisa que seja. Também vai demorar para que os torcedores passem a exigir que os seus clubes deixem um legado maior do que uma simples lista de títulos.
Independente da minha visão de mundo e do que eu acredito, é legal ver que existem times e torcidas fazendo valer o mantra de que futebol é muito mais que um jogo. E nesse contexto, os jogadores que representam a equipe são também embaixadores responsáveis por propagar essa visão.
