E se a Copa Africana de Nações fosse um torneio musical?

Guilherme Dorf
Sem Firulas
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10 min readFeb 8, 2017

Com nenhuma atenção das emissoras brasileiras, a Copa Africana de Nações terminou com a bela vitória de Camarões sobre o Egito. Em tempos em que nos enfiam goela abaixo o futebol estético da Champions League, acompanhar o torneio africano é um grande barato.

O processo de globalização futebolístico parece irreversível. Enquanto seleções espalhadas pelo mundo adotam esquemas táticos e planos de jogo muito similares entre si, o continente africano parece resistir bravamente à homogenização e preservar características próprias. Pelos lados de lá, o futebol ainda é marcado por ofensividade, improviso e irreverência.

Assim como no Brasil, é impossível dissociar a forma do africano jogar com os ritmos musicais disseminados no continente. Por isso, resgatando uma ideia do Impedimento, decidi projetar como seria uma Copa Africana de Nações Musicais (CAMN). Afinal de contas, a África é tão rica musicalmente que é quase um crime enfiar tudo dentro de um balaio que inventaram chamar de “World Music”.

Os participantes da 1 CANM 2017

Cuidado com o Kanu que ele é perigooooo. Opa, a Nigéria não se classificou!

Ausências sentidas

Nomes consagrados da música africana ficaram de fora. Como Nigéria, Cabo Verde e Etiópia não se classificaram para a Copa Africana de Nações, Fela Kuti, Mayra Andrade e Mulatu Astathke terão que assistir à 1 Copa Africana de Nações Musicais pela televisão.

Quem é Quem

Grupo A: Gabão, Burkina-Faso, Camarões e Guiné-Bissau.

Gabão — Pierre Akendengue

A participação do Gabão foi pouco memorável na Copa Africana de Nações. Mesmo com o protagonismo de Aubameyang, a seleção não venceu nenhuma partida da fase de grupos e ficou pelo caminho.

No âmbito musical, a nação será representada por Pierre Akendengue. Ele é um compositor veterano que saiu de uma ilha no Sul do Gabão para expandir seus conhecimentos musicais, estudar psicologia e hoje também atua como conselheiro cultural para o governo do seu país. A sua música é bastante comum ao universo africano trazendo vozes melodiosas, arranjos harmônicos que soam perfeitos para trilha de filme e bastante alegria.

Burkina Faso — Toussy La Paix

Com pouquíssima expressão no continente, a seleção burquinense alcançou o honroso e surpreendente terceiro lugar na Copa Africana das Nações 2017.

A nau comandada pelo português Jorge Duarte e pelo faro de gol apurado do jovem Bertrand Traoré deu mais trabalho do que muitos poderiam imaginar.

A narrativa de seleção desacreditada que pode surpreender parece funcionar também no plano musical. Toussy La Paix, uma das artistas mais obscuras da CANM é quase uma anônima no Brasil, mas seu ritmo é responsa. Com uma música que por vezes lembra o Axé, por vezes lembra uma baladinha dos anos 90, a artista promete chamar atenção nos próximos anos.

Camarões — Richard Bona

Alguns jogadores nascem predestinados a serem talismãs. O camaronês Vincent Aboubakar entrou no meio do emocionante jogo entre Camarões e Egito, marcou um golaço e foi o grande responsável pelo quinto título de Camarões na Copa Africana de Nações.

Em terra de cego quem tem um olho é rei, já dizia o outro. Dentro do grupo A, Camarões é a nação com maior experiência não apenas no campo futebolístico, como também na área musical. O país será representado por Richard Bona baixista experiente que nasceu em uma família de músicos e já levou o seu jazz para diversos cantos do mundo. Boatos dão conta que o seu show no Brasil foi uma experiência transcendental.

Menção honrosa: em um país tão dotado musicalmente, tivemos que deixar de fora Manu Dibango e o seu estilo meio jazz meio afrobeat.

Guiné-Bissau — Binham Quimor

Na primeira vez em que esteve presente na Copa Africana de Nações, Guiné Bissau foi o famoso saco de pancadas, tendo somado somente um ponto na competição. Se esportivamente a seleção não deixou saudades, Binham Quimor promete fazer justiça com suas próprias mãos, mostrando ao mundo que Guiné Bissau não é apenas o prefixo de Moçambique e Angola.

Sensibilidade é um termo que descreve precisamente a emoção que Binham Quimor emprega em suas canções. Quando jovem, o artista desenvolveu seu talento musical na igreja atraindo milhares de fiéis para os cultos com seu som quase hipnotizante. Logo, Binham também passou a introduzir a crítica social em suas letras, especificamente passou a criticar o comportamento das classes políticas e militares. Atualmente, o cantor excursiona por toda a Europa sem esquecer as suas raízes e origens.

Grupo B — Tunísia, Senegal, Zimbabue, Argélia

Tunísia — Myriath

A Tunísia foi eliminada nas quartas-de-final, tendo batido a Argélia, sensação da Copa do Mundo de 2014, no percurso. Com uma campanha irregular, a seleção não surpreendeu, mas também não passou vergonha. Não choveu, nem molhou.

A Tunísia também é definitivamente um país pouco conhecido por sua música. Uma das poucas bandas de relativa expressão global é a Myriath, que vem se apresentando em alguns festivais na Europa. Se parece estranho ouvir música da Tunísia, mais estranho ainda é conceber a existência de uma banda de heavy metal em continente africano. Só nos resta torcer.

Senegal — Youssou N’Dour

Parece que foi ontem, mas já faz 15 anos que a seleção de Senegal fez uma campanha maravilhosa na Copa do Mundo de 2002 com Diouf e Papa Diop tabelando em velocidade pra cima das potências europeias. Em 2017, Senegal foi páreo duro, tendo sido eliminado pelo campeão Camarões apenas nas penalidades. Quis o destino que o craque do time, Sadio Mané perdesse a última cobrança e logo em seguida nos lembrasse que apesar dos milhões, o futebol ainda é um jogo de caráter, alma e, sobretudo, dor.

Se você viveu a década de 90, chances são que em algum momento da sua vida, você já se deparou com o dueto de rara felicidade formado entre Youssou N´Dour e Neneh Cherry. A música 90 Seconds fala da intolerância e da eterna busca pela paz, temas recorrentes em músicas africanas até os dias de hoje. Em 98, o cantor senegalês também criou uma das músicas que virou hino das fases finais da Copa do Mundo. Senê, Senê, Senê, Senê, Senegaaaaal.

Zimbábue- The Cool Crooners of Bulawayo

A campanha de Zimbábue foi bastante previsível na Copa das Nações Africanas 2017. A seleção foi presa fácil para outras equipes mais tradicionais e acabou eliminada na primeira fase.

Se a CANM fosse uma competição para eleger os melhores nomes de banda ou escolher os intérpretes mais estilosos, já poderíamos entregar as taças para os Cool Crooners de Bulawayo. O conjunto é uma reunião de artistas mais velhos que amam a música como se fosse uma espécie de Buena Vista Social Club ou Skatallites. Às vezes pendendo para um jazz mais acelerado com resquícios de rock antigo, o Cool Crooners não chega a variar muito o estilo, mas o som é muito consistente sendo, acima de tudo, uma música feita com carinho para ouvintes de escuta mais apurada.

Argélia — Khaled

Depois de fazer uma Copa do Mundo 2014 surpreendente, tendo segurado a poderosa Alemanha até a prorrogação nas oitavas-de-final, a Argélia teve uma atuação decepcionante na Copa Africana das Nações. Apesar dos gols de Islam Slimani, a seleção voltou pra casa ainda na primeira fase.

Clássico é clássico e vice-e-versa. Enquanto a maioria das nações chegam à I Copa Africana de Nações Musicais renovadas e apostando em artistas mais jovens, a Argélia decide colocar todas suas fichas em um veterano bastante conhecido por aqui. Quem tem por volta de 30 anos certamente já entoou os versos: Yana il arbi weld il ghama wajil dellali, Dellali dellaliiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii. Khaled é a prova viva de que além de estar ligada à estilos mais rítmicos, percussão e metais, o continente africano também pode entregar um belíssimo pop capaz de esquentar pistas de dança do mundo inteiro.

Grupo C — Costa do Marfim, Congo, Marrocos e Togo

Costa do Marfim — Dobet Gnahoré

Sem Drogba que estava ocupado recebendo homenagens do Corinthians, a atual campeã pastou em um grupo relativamente tranquilo. Após dois empates com Togo e Congo, a Costa do Marfim jogou sua vida contra Marrocos, perdeu e foi eliminada na primeira fase. Os marfinenses acreditam que a vingança virá à cavalo e estão confiantes no talento de sua joia musical rara.

A escolha de Dobet Gnahoré para representar a Costa do Marfim foi cercada de polêmicas e acusações levianas por parte da imprensa. O nome preferido dos torcedores era o de Alpha Blondy que embalou gerações com o seu reggae suave. No entanto, o técnico parece estar fechado com Gnanoré, uma das cantoras mais aclamadas na África atualmente. A voz melodiosa, a dança e a percussão embalados em um afrobeat calmo com influências do pop já renderam um Grammy para a marfinense.

Menções honrosas: Com uma geração repleta de dom, a Costa do Marfim não poderá contar com Alpha Blondy, Magic System, Les Aiglons, e Farka Toure.

Congo-Papa Wemba

O Congo foi a surpresa do Grupo C, chegando bastante longe. Nas quartas-de-finais, a República Democrática do Congo foi batida pela experiente Gana e deixou a competição.

Infelizmente, o artista escolhido para representar Congo, o Papa Wemba também já nos deixou. Dono de um carreira intensa, o cantor começou a se destacar em 77 e obteve reconhecimento mundial posteriormente. Em 90, ele excursionou ao lado de Peter Gabriel, gravou com Sting e foi apelidado de “Rei da Rumba no Congo”. Em 2016, Papa Wemba desmaiou durante uma apresentação e não resistiu.

Marrocos — Barzakh

Faz tempo que Marrocos não aparece com destaque nos gramados e nessa Copa Africana de Nações, não foi difente.

Após uma boa campanha na primeira fase, a equipe marroquina sucumbiu ao Egito. No campo musical, o país virá com uma surpresa para a CANM. Para bater de frente com as grandes esquadras musicais, Marrocos, assim como a Tunísia, contará com uma banda de som feroz, vozes agudas e guitarras distorcidas. O heavy-metal do Barzakh pode surpreender se essa for a sua praia.

Togo-ELINAM

Togo foi dono de uma campanha nada empolgante. Com dois gols marcados, a equipe foi eliminada ainda na primeira frase. Sabe o que é mais empolgante do que a seleção de Togo? A história da banda ELINAM.

Dois garotos Marc e Elias, se apaixonam pela mesma menina na Universidade. Apesar de estarem em concorrência, os dois se aproximam por causa da sua paixão em comum: o violão. Eles começam a trabalhar suas composições pessoais, até que um dia, eles descobrem que aquela menina que mexe com seus corações, não apenas é linda como tem uma voz maravilhosa. Da amizade entre os três, surge o ELINAM que briga para conquistar o seu lugar ao céu com uma música simples, mas nunca entendiante.

Grupo D — Gana, Mali, Egito e Uganda

Gana — Marijata

Os irmãos Ayew foram responsáveis por levar Gana até as semi-finais, mas a seleção foi derrotada por Camarões e em sequência por Burkina-Faso ficando em quarto lugar. O resultado em campo foi digno, mas musicalmente o povo ganês está confiante e espera ainda mais.

“Esse ano vai ser difícil ganhar da gente” teria dito um dirigente ganês no desembarque do aeroporto do Gabão. A empolgação da delegação ganesa é visível e justificada, uma vez que o afro-funk composto por baixo, sopros e arranjos de metais bem executados do grupo Marijata promete tomar a competição de assalto e projetar Gana para o mundo.

Menções honrosas: Ebo Taylor, City Boys Band, African Brothers Band, Blitz The Ambassador.

Mali — Amadou et Mariam

Tendo marcado apenas um gol na fase de grupos contra Uganda, Mali será apenas uma nota de rodapé na Copa Africana de Nações 2017, mas o cenário se transforma completamente quando estamos falando da musica que o país é capaz de produzir.

Os malinenses, Amadou et Mariam trazem todos os predicados que possibilitam o sucesso para bandas africanas: violinos sírios, trompetes cubanos e percussões egípcias e indianas em uma mestiçagem que eles apelidaram de afro-blues. Seu CD mais conhecido foi produzido sob o olhar cuidadoso de Manu Chao que também empresta sua voz para algumas canções. Amadou e Mariam, além de serem um casal, apresentam outra característica curiosa: são cegos.

Menção honrosa: Uma pena ter que deixar Tinariwen no Mali. Os guitarristas do deserto que acompanharam Santana nos anos 70 fazem um som bastante potente e interessante.

Uganda — Winnie “Nakanwagi” Nwagi

Uganda foi eliminada pelo Egito na primeira fase da Copa Africana de Nações e espera ter mais sucesso na Copa Africana de Nações Musicais com o talento de Nwagi.

A carreira de Winnie Nwagi é recente, mas já estrondosa. Após conquistar o segundo lugar em uma competição promovida pela Coca-Cola, ela conseguiu seu primeiro contrato e lançou diversos singles de sucesso. Musawo, está nas rádios e televisões de todo o continente e soa exatamente como uma música pop-balada global que gruda como chiclete.

Egito — Aya Metwalli

Com uma seleção experiente composta por diversos jogadores que atuam na Europa, o Egito conquistou o vice-campeonato. Triste sina da equipe que tem Héctor Cuper, o técnico que carrega consigo uma grande zica, em seu banco de reservas.

O certame musical egípcio é bem mais tímido. Aya Metwalli é um dos poucos expoentes da cena com um leve e belo equilíbrio entre voz e violão calmo que coloca até o mais hiperativo dos cidadãos para dormir como um bebê.

Estão definidas as equipes!

Depois de muita pesquisa e estudo, foram definidos os artistas que representarão cada seleção:

Gabão — Pierre Akendengue
Burkina Faso — Toussy La Paix
Camarões — Richard Bona
Guiné-Bissau — Binham Quimor

Tunísia — Myriath
Senegal — Youssou N’Dour
Zimbábue- The Cool Crooners of Bulawayo
Argélia — Khaled

Costa do Marfim — Dobet Gnahoré
Congo-Papa Wemba
Marrocos — Barzakh
Togo-ELINAM

Gana — Marijata
Mali — Amadou et Mariam
Uganda — Winnie “Nakanwagi” Nwagi
Egito — Aya Metwalli

E aí? Se a Copa Africana de Nações fosse um torneio musical, quem levaria a melhor?

Esse texto jamais poderia ter sido escrito sem o apoio dos queridos: Pedro de Luna, Gabriela Souto Andrade, Márcio Gonçalves, Nicolas Henriques, Guilherme Piropo, Eduardo Loureiro, Renan Hassan Mendes, Vinicius Hijano, Marko Mello, Henrique Portes, Lucas Pelegrino, Leandro Stein, Gabriel Vargas, Paulo Torres e dos canais Nexo, Conexão África e claro, Wikipedia.

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