Entrevista: Jonathan Wilson

Andre Vidiz
Sem Firulas
Published in
5 min readOct 5, 2018

Se os inventores do futebol não cuidaram apropriadamente de sua cria, privilegiando um jogo pouco técnico e vendo sulamericanos e demais europeus rapidamente os superarem em seu próprio esporte, há pelo menos um nome na Inglaterra que mantém a primazia do futebol na terra da rainha: Jonathan Wilson.

O jornalista inglês joga em várias posições: periodista em sua coluna no The Guardian, onde também é âncora de um podcast, editor da revista Blizzard, fundada por ele próprio, e autor do conhecido “Invertendo a Pirâmide”. De estilo socrático, levantando questões e apenas especulando potenciais soluções, é daqueles analistas táticos que encaram o futebol como um enigma, dispensando as verdades e certezas que insistem em aparecer nesse tipo de análise.

Nessa entrevista para o site Fúlbo fala de como vê o futebol hoje em dia e do que espera para os próximos anos

Fúlbo: Se você fizesse uma continuação do seu livro “Invertendo a Pirâmide”, que times, táticas, técnicos e jogadores estariam presentes?

Jonathan Wilson: Há uma edição deste ano para o Reino Unido que se atualiza sobre o Guardiola e sua dificuldade nas fases finais da Champions, além de falar do Klopp e do renascimento alemão

No seu livro você fala que no início (ao redor de 1880) se jogava com apenas 2 defensores (2–3–5 ou 2–2–6) e que times defensivos eram mal vistos. Por que você acha que isso mudou?

Em parte é uma mudança de mentalidade. Quando o futebol começou (antes até de 1880) só os ricos jogavam e isso queria dizer que ganhar era menos importante do que fazer as coisas “certas”. Assim que o esporte se profissionalizou as pessoas se organizaram muito mais e começaram a pensar em como ganhar. Mas, mesmo assim, eu não acho que devemos encarar o 2–2–6 como necessariamente ofensivo. O jogo era muito diferente, praticamente só consistia em carregar a bola e driblar, então o posicionamento (como o entendemos hoje) era muito menos importante.

A evolução é como um círculo que sempre volta ao mesmo ponto? Ou é como uma espiral que volta ao passado para melhorá-lo?

Eu acho que a espiral é uma boa analogia: há um aspecto circular, no sentido em que sempre se vê velhas idéias sendo adotadas depois que se esqueceu de como combatê-las, mas ao mesmo tempo há um ímpeto de evolução com s preparo físico melhorando, as análises de aprofundando, etc.

Quais você acha que serão os próximos avanços táticos?

Quem sabe? Na Premier League começamos a ver alguns times jogando com dois centroavantes juntos de novo, incomodando os zagueiros, uma vez que assim ambos tem que marcar e um não pode ficar na sobra do outro como quando jogam contra um único centroavante. Atacantes de lado parecem ser uma tendência e os 3 zagueiros tiveram uma rápida reaparição e sumiram novamente.

A evolução tática traz diversas vantagens. Os times super ricos se beneficiam mais delas do que os pequenos ou o contrário?

Se apenas se colocassem jogadores no campo sem organização o time mais rico ganharia toda vez, então acho que os times menores. Mas o super rico pode comprar um jogador que se encaixe perfeitamente em sua filosofia — como o Manchester City fez — e isso é uma vantagem enorme.

Hoje vemos times lotados de super estrelas graças a donos que investem milhões e milhões no clube (PSG / Manchester City). Você acha que isso influencia o jogo e a tática?

Claro, em diversas formas. O City mostra como gastar bem, contratando jogadores que encaixam em seu estilo. O PSG mostra como gastar mal, contratando super estrelas sem pensar no equilíbrio. Um problema para esses super times é dominar tanto sua liga nacional e se esquecer de como se defende, tendo dificuldades quando enfrentam outras super equipes na Champions League.

Você acha que há uma mudança na característica do futebol inglês?

Sim, com certeza. Técnicos e jogadores estrangeiros fazem uma grande diferença. E também, o futebol inglês praticamente abandonou seu estilo. Desde 1990 estamos perseguindo o estilo de outros países.

Qual sua opinião sobre a enorme importância que se dá à tática hoje em dia? Você acha que estamos analisando demais o jogo?

É um risco, com certeza, e me parece que o surgimento (na Inglaterra, pelo menos) de tantos blog amadores sobre o assunto é um pouco estranho na medida em que a visão deles é totalmente diferente das dos técnicos e do que eles falam. E claramente há jogadores que se frustram quando se pede que pensem taticamente durante todo o tempo. Mas isso também faz parte da tática: quando há um jogador como o Hazard, que precisa de certa liberdade pra desenvolver todo seu potencial, um bom técnico encaixa o resto do time para que isso seja possível. Mas há jogadores como o Neymar, que se transforma num fardo tático tão grande que compromete o resto da equipe.

No futebol atual você vê alguma posição como mais importante do que outra?

Não muito. No momento me parece que os laterais estão sendo mais importantes do que costumavam ser, mas isso varia muito. Você não pode mais dizer que o mais importante é o 10 ou o 5.

Você acha que o VAR vai mudar o jogo e sua tática?

Acho que na Copa se viu como a Inglaterra provocou faltas a partir de escanteios. Não sei o que pode acontecer além disso, mas já é uma mudança.

Jonathan Wilson não é apenas um analista tático, mas também um pensador do futebol em todas as suas esferas. Pensando no aspecto afetivo do futebol: como este jogo toca, altera e marca a vida dos envolvidos, lançou a revista Blizzard. Para aqueles que lêem em inglês recomendamos fortemente uma visita (com calma!) ao seu site, onde há artigos gratuitos e a possibilidade de uma assinatura virtual ou física do periódico.

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