Faixas, protesto, violência e censura: a artilharia pesada que mancha o futebol

Breiller Pires
Sem Firulas
Published in
4 min readMar 7, 2016

No último domingo, torcedores do tradicional Juventus, da Mooca, a exemplo da Gaviões da Fiel, fizeram um protesto contra a Federação Paulista de Futebol (FPF) e a máfia da merenda escolar, que atinge em cheio o alto escalão do Governo de São Paulo. Assim que as faixas foram expostas, no segundo tempo da partida contra o Mirassol, o policiamento presente na Rua Javari se apressou em recolher os materiais da torcida. O que também ocorreu durante a vitória do Botafogo-SP sobre o Mogi Mirim no estádio Santa Cruz, em Ribeirão Preto, quando torcedores tricolores ensaiaram manifestação semelhante.

Embora a FPF tenha divulgado nota afirmando que não veta protestos nos estádios, depois de confronto da polícia com integrantes da Gaviões na Arena Corinthians, a PM de São Paulo segue restringindo a liberdade de expressão em campos de menor visibilidade. Algo que deveria nos envergonhar como um inescrupuloso retrocesso, já que, na época da ditadura militar, os estádios de futebol eram um dos poucos espaços de transgressão ao regime, muito bem utilizados pela Democracia Corinthiana.

Em Ribeirão Preto, protesto “Cadê a merenda?” também foi reprimido pela PM

Da Arena Corinthians à Rua Javari, o autoritarismo da polícia é sintoma do despreparo de uma corporação, treinada de acordo com a lógica da guerra e o combate armado à criminalidade, que não sabe atender ao cidadão comum sem abrir mão da força. É inadmissível que a polícia que mascara assassinatos cometidos por policiais ocultando dados dos balanços, como faz deliberada e corriqueiramente a Secretaria de Segurança de São Paulo, seja a mesma que deveria zelar pela integridade e garantia de direitos das pessoas nas ruas e estádios.

Esse sintoma não é exclusivo a um só governo ou estado. Em 2015, no Rio Grande do Sul, por exemplo, a Brigada Militar entrou em confronto com torcedores xavantes durante o intervalo de Brasil de Pelotas x Internacional — em muitos casos de brigas envolvendo torcedores, a polícia, com sua habitual truculência, é quem costuma iniciar as confusões. Duas pessoas deixaram o estádio de ambulância, incluindo uma menina de 11 anos que inalou substâncias tóxicas de gás de pimenta e bombas de efeito moral arremessadas pelos policiais.

Em São Leopoldo, também no ano passado, o torcedor do Novo Hamburgo, Maicon Douglas de Lima, de 16 anos, morreu após ser atingido por um tiro nas costas. No hospital, agentes da Brigada manipularam as provas e substituíram o projétil alojado em seu corpo. Ainda assim, a Justiça ratificou a decisão que mantém os oito PMs indiciados pelo assassinato em liberdade até o fim do processo. Não há previsão para o julgamento. Enquanto isso, os policiais seguem trabalhando em funções administrativas. Detalhe: quatro agentes passaram um mês em prisão cautelar, mas foram libertados e recebidos com festa no batalhão da Brigada Militar.

Por essas e outras, a ONU denunciou o Brasil ao Conselho de Direitos Humanos por não punir policiais que cometem crimes, assassinatos e abuso de autoridade. Agora, imagine você, torcedor que frequenta os jogos de seu clube do coração em São Paulo, Rio Grande do Sul ou no Rio de Janeiro, onde a polícia é responsável por um em cada cinco assassinatos no estado: qual a garantia de que seus direitos serão devidamente respeitados sabendo que essa é a “autoridade”encarregada de sua segurança nos estádios?

A questão da violência entre torcidas é uma gota d’água perto do descalabro da PM no que diz respeito ao futebol. Não deveria ser assim. Em São Paulo, já foi provado que, quando a polícia prefere usar a cabeça em vez de bombas e cassetetes, é possível colher bons resultados em operações especiais de jogos de risco e no planejamento estratégico de inteligência para a acomodação das torcidas organizadas nos clássicos. Quando há destempero e violência gratuita, abre-se caminho para a perpetuação da barbárie.

Nem jogadores escapam da tirania policial nos estádios

Independentemente da causa, faixas de protesto não deveriam ser arrancadas à força nos estádios. Um negro não deveria ser abordado com tiros na periferia por mera suspeita de crime. Estudantes não merecem ser apeados das ruas com bombas e gás de pimenta ao exercerem o legítimo direito de defender suas escolas. O futebol, por sua vez, lança uma discussão urgente.

Por que a PM ainda prefere a cultura do medo à do respeito? Por que atende somente a seus próprios interesses e de seus superiores, não os da sociedade? Por quê? Até quando teremos medo de policiais, que, seja no estádio, na periferia ou nas manifestações, sob a suposta premissa de garantir nosso bem-estar, acabam violando os mais básicos dos direitos? Até quando cabos, sargentos e coronéis sanguinários continuarão à solta, impunes? Até quando?

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