La storia vivente del Calcio
A memória do futebol italiano em pessoa
* texto originalmente publicado na Revista Corner #9
Pouco mais de um minuto depois da campainha tocar, um senhor de andar cadenciado, com um chapéu-panamá na cabeça e um par de óculos com lentes quadradas surge para abrir o portão na rua. A alguns quilômetros do centro de Florença, na Itália, ele toma conta do Museo del Calcio. Este senhor é Fino Fini, nove décadas de vida, a maioria delas dedicadas ao futebol.
Florença é a capital da Toscana e a casa de algumas das mais relevantes obras de arte de toda a humanidade. O berço do Renascimento também abriga o único museu italiano inteiramente dedicado ao futebol. Michelangelo estaria orgulhoso do acervo que hoje é exposto na construção amarela localizada ao lado dos campos de treinamento da FIGC, a Federação Italiana de Futebol. Lá estão camisas, bolas, taças, flâmulas, medalhas, ingressos e muito da história do futebol mundial, não só italiano. E é o simpático Fino Fini quem toma conta de tudo.
Dr. Fini foi médico da Seleção Italiana entre 1962 e 1982, o que significa que ele sentou no banco de reservas da Azzurra em seis Copas do Mundo e cinco Eurocopas. Nesse período, os italianos ganharam um mundial (1982), um torneio europeu (1968) e viram o surgimentos de lendas como Luigi Riva, Giacinto Facchetti, Gianni Rivera, Dino Zoffi, Bruno Conti, Marco Tardelli e Paolo Rossi. Fino Fini estava lá, colecionando bons amigos e acumulando uma enormidade de relíquias que contam a história do futebol. Entre os amigos, Pelé. Entre as relíquias, a camisa usada pelo maior jogador de todos os tempos na final da Copa do Mundo de 1970.
Em 1996, Dr. Fini virou diretor da Fondazione Museo del Calcio (um centro de documentação histórica e cultural do futebol italiano) e passou a mostrar tudo o que juntou — e a receber ainda mais presentes. São centenas de itens expostos no Museo, alguns bem curiosos como os óculos escuros que Arrigo Sacchi usou durante a Copa de 1994, e verdadeiras preciosidades, como uma camisa usada por Di Stefano em 1958, as chuteiras calçadas por Roberto Baggio na Copa de 1990 e o uniforme que o capitão Fabio Cannavaro vestiu na final que deu à Itália o tetracampeonato mundial em 2006.
A Copa de 1982 é a que mais rendeu lembranças materiais ao museu. Camisas dos jogadores italianos, ternos da comissão técnica, flâmulas das seleções participantes, medalhas dos campeões e réplicas da taça estão lá representando o mundial vencido pela Itália do então medicinale Fino Fini. Depois de mais um dia de trabalho e já perto de trancar as portas do museu, o nonagenário italiano reflete com calma, em silêncio, antes de responder sobre como foi estar no gramado da mais icônica partida daquela Copa (e uma das maiores de toda a história), o Brasil x Itália no Estádio Sarriá, em Barcelona. Ele relembra que ao Brasil bastava empatar para avançar. E sacramenta, de maneira simples, com a serenidade de quem é a própria memória do futebol mundial: “Però vinciamo noi. Solo questo”.