O 7 a 1 da Copa de 1950

O tempo fez questão de embaçar algumas memórias daquele Mundial

Fábio Felice
Sem Firulas
5 min readFeb 7, 2018

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Barbosa, Augusto, Danilo, Juvenal, Bauer e Bigode. Johnson (massagista) Friaça, Zizinho, Ademir, Jair, Chico e Mário Américo (massagista).

A Copa do Mundo de 1950 não teve Final. Diferentemente do que te contaram e seguem contando, o Brasil x Uruguai não foi A DECISÃO daquele Mundial. O jogo, de fato, decidiu o campeão, mas isso ocorreu por um acaso, fruto de um regulamento inédito. Pela primeira e única vez na história, a Copa foi decidida num quadrangular. Um curto pontos corridos para coroar o campeão. Que começou com um parrudo 7x1, feliz para nós.

Cartaz do Copa de 1950

Ninguém queria sediar uma Copa do Mundo depois da Segunda Guerra Mundial, o que fez a edição de 1950 cair no colo do Brasil. A fim de deixar o torneio mais atrativo para países que não desejavam pensar em futebol depois de uma década mundialmente sangrenta, os organizadores tupiniquins propuseram à FIFA que a peleja fosse disputada em duas fases com grupos. As Copas de 30, 34 e 38 já começavam em duelos de mata-mata, o que obrigava os perdedores do primeiro jogo a retornarem precocemente para suas casas. Com a nova regra, a Copa teria quatro grupos na primeira fase e um quadrangular final para definir o campeão. Mais jogos, mais público, mais renda. Essa era a ideia central. Pois é, a FIFA aprendeu a lucrar com a gente, veja só.

Depois de uma razoável bagunça para definir os participantes, o que fez a primeira fase contar com dois grupos de quatro seleções, um de três e um de duas, a Copa de 50 pegou no tranco com jogos em São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte, Curitiba, Rio de Janeiro e Recife. O primeiro de cada grupo classificava-se para o quadrangular final.

Flávio Costa, treinador brasileiro, no banco do Maracanã | Revista O Cruzeiro

A base da Seleção Brasileira vinha do Vasco, assim como o treinador. Flávio Costa chegou ao posto depois de encantar o país com o Expresso da Vitória, esquadrão vascaíno que também tinha Barbosa, Augusto, Danilo, Chico e Ademir de Menezes, todos titulares do Brasil em 1950. Zizinho, comprado do Bangu pelo Flamengo antes da Copa, era o maior nome da Seleção, que ainda tinha Jair Rosa Pinto, do Palmeiras, e Bauer, do São Paulo, como destaques.

Na primeira fase, duas vitórias contra México e Iugoslávia no Rio e um empate contra a Suíça em São Paulo, marcado pelas já tradicionais vaias paulistas, garantiram a classificação brasileira. Dos outros grupo vieram Espanha, Suécia e Uruguai.

O Brasil, então, abriu o quadrangular final da Copa de 1950 num confronto contra a Suécia. E sapecou o 7x1 menos famoso da história das Copas.

Reportagem do jornal Esporte Ilustrado depois da vitória brasileira contra a Suécia.

Os suecos eram os atuais campeões olímpicos e haviam eliminado na primeira fase a poderosa e então campeã mundial Itália. E levaram de sete no Maracanã. Ademir de Menezes (quatro vezes), Chico (duas vezes) e Maneca foram os autores dos gols dessa que é a maior goleada brasileira em Copas do Mundo:

Os gols do 7 a 1. Narração de Antonio Cordeiro pela Rádio Nacional.
Matéria da Revista O Cruzeiro sobre Brasil 7 x 1 Suécia
O chute de Ademir fez a pelota passar entre o "keeper" e a trave, como contou a Revista O Cruzeiro. O primeiro gol do Brasil contra a Suécia.

Depois de usar 17 jogadores na primeira fase, Flávio Costa finalmente conseguiu repetir a escalação do Brasil. E isso surtiu efeito contra a Suécia. A Seleção fez sua melhor partida na Copa de 1950 e o resultado só não foi ainda mais elástico por conta do juiz inglês Arthur Ellis, que anulou sem grandes motivos um gol de Zizinho, ainda no primeiro tempo, e marcou um pênalti inexistente para a Suécia (é possível ver no vídeo que Bigode fez falta fora da área). 7 a 1 foi pouco, mesmo.

Manchete empolgada do jornal Esporte Ilustrado após o 7 a 1

A sensação de que ninguém poderia parar a Seleção Brasileira tomou conta do país e do mundo. Jornais brasileiros, que antes cobravam melhores apresentações, embarcaram na onda de que o nosso primeiro título mundial estava próximo. E a mesma sensação foi percebida pela imprensa internacional, que passou a rasgar elogios para os jogadores.

Até o cônsul sueco foi prestigiar Zizinho depois do jogo | Revista O Cruzeiro

Depois do 7 a 1, o jornalista inglês Brian Glanville definiu nosso jogo como “o futebol do futuro, quase surrealista”. Willy Meisl, inglês do World Sport, classificou Zizinho como “um gênio próximo da perfeição”. Giordano Fattori, periodista italiano da Gazzetta Dello Sport, também derreteu-se pelo brasileiro, comparando-o a Leonardo Da Vinci: “Zizinho cria obras-primas com os pés na imensa tela do gramado do Maracanã”.

Ademir de Menezes. O artilheiro da Copa de 50 fez 4 gols contra a Suécia. | Revista O Cruzeiro

Quem também arrancava suspiros era Ademir de Menezes. Com as quatro bolas na rede contra a Suécia, o camisa nove estabeleceu o recorde brasileiro de gols marcados por um jogador numa só partida de Copa do Mundo. Ele chegaria a nove ao final do Mundial, quantia que também jamais foi superada por nenhum brasileiro numa única edição de Copa.

No jogo seguinte, pela segunda rodada do quadrangular, mais um atropelo: 6x1 na Espanha. O Brasil sobrava enquanto os adversários mostravam equilíbrio entre si: empate no Espanha x Uruguai e sofrida vitória celeste sobre os suecos por 3x2, com a virada saindo a cinco do minutos do fim.

Assim, o Brasil, repleto de confiança, foi enfrentar o Uruguai. E o resto dessa história você conhece. O empate nos dava a taça, naquela que não foi a final, mas sim uma das duas partidas da última rodada do quadrangular decisivo. O que, no fundo, pouco importa. Passam-se as décadas e ninguém se mostra muito disposto a falar racionalmente sobre aquele jogo, aquele mês, aquela Copa.

“O trauma de 50, de tão grande e inesperado, ficou como uma espécie de castigo exemplar — valendo para todas as presunções e vaidades, não apenas a do futebol.”

Luiz Fernando Veríssimo.

Não se muda um regulamento de Copa do Mundo sem enfrentar as consequências do tempo. Ninguém vai se lembrar dele anos depois e você corre o risco de ver sua maior goleada em Mundiais ser abafada para sempre.

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