O dia em que o futebol paixão acabou

Luiz Paulo
Sem Firulas
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9 min readJul 2, 2017

Ou, por que o meu ano de torcedor já se foi, faltando quase 6 meses?

25 de junho de 2017. Odeio começar qualquer texto com números, fica esquisito no começo do parágrafo, mas esse é importante. Neste data o futebol morreu enquanto paixão para mim este ano. E só volta no ano que vem.

Até janeiro de 2018, não deixarei de acompanhar rodada por rodada a Série A do Campeonato Brasileiro, o começo da temporada 2018–19 da Premier e da Champions League, sem esquecer de ver os gols da Superleague chinesa ou de qualquer jogo, baba ou pelada, de qualquer parte do mundo. Mas até lá não terei motivos clubísticos para pisar em nenhum estádio.

Em tempo: sou torcedor do Club Sportivo Sergipe, maior clube do menor Estado da Federação. Quando fui levado para o estádio para saber o que era futebol, ganhamos logo seis títulos estaduais seguidos. Não dava para escolher destino diferente. E não me arrependo.

Fechem as cortinas*

Fazendo mezzo

O problema é que há tempos me acostumei, por incompetência mezzo dos cartolas do meu time, mezzo dos cartolas da Confederação Brasileira de Futebol, a só assistir e assistir o/ao meu clube do coração pela mezza parte do ano. Em 2014, graças ao calendário todo apertado pela Copa do Mundo, antes da estreia do Brasil eu já não teria time para torcer pelo resto do ano — já que a torcida pela seleção da CBF, canarinha e apenas pentacampeã, não se compara a paixão pelo meu time, rubro e hexa. Um luxo.

Vou começar falando dos problemas do “Brasil que deu certo”, segundo o ‘filósofo’ e ex-treinador, Carlos Alberto Parreira. Qualquer discussão sobre o calendário dos clubes de futebol brasileiro, que ainda se submetem aos devaneios da quadrilha da CBF, acaba caindo na briguinha infantil-cenas-lamentáveis-futebol-respira entre pontos corridos x mata-mata.

Não há clube que resista profissionalmente sem um calendário mínimo definido para o ano todo, e, emoções ou justiça à parte, a fórmula de pontos corridos é a única que garante isso. Longe dos holofotes da série A e B, no máximo, em que se diz que os clubes brigam montam os elencos para lutar contra um calendário extenso, das séries C para baixo a luta é para conseguir jogar mais de 4 meses por ano — a duração de um campeonato estadual. Querem se matar-matar, se matem da série A pra cima. A gente só quer jogar. Ou torcer, no caso.

Da minha conta

Dessa forma, brigar para manter os campeonatos estaduais do jeito que estão é uma grande panaceia. Um grande estorvo para os grandes e a última chance para os menores, que sabem que disputarão entre si as migalhas de jogos que garantirão a sobrevivência destes no ano.

Essa é a realidade da maioria dos 662 clubes profissionais que entraram em campo no começo deste ano. Tirando deste total os 40 clubes da série A e B, que com pontos corridos mantém o calendário até dezembro; os 20 da C, que com uma fórmula mista conseguem jogar no mínimo até o dia 10 de setembro, todos os outros 602 clubes jogam um verdadeiro mata-mata apenas para conseguir jogar — e dessa forma existir — por mais de 6 meses no ano.

Tal afunilamento violento do calendário acaba tornando todos os clubes que não se seguram entre as três primeiras divisões em clubes de aluguel, igualando clubes de tradição como o meu gipão e a Associação Portuguesa de Desportos-SP, com clubes formados por empresários.

O dia D da D

Mas voltemos ao fatídico 25 de junho de 2017. Neste dia, 36 dos 68 clubes da última divisão nacional do brasileiro jogaram a última rodada da 1a fase, em grupos de 4, e ficaram sem atividade para o resto do ano, com exceção de alguns torneios bem esporádicos como a Copa Paulista, para 22 clubes daquela federação.

Pensando de forma pragmática, até uma possível pré-temporada em dezembro, toda a estrutura física profissional da maioria dos clubes do país dará apenas prejuízo, sem atividade fim para gerar receita. Para um clube de aluguel, beleza, é até uma redução de gastos. Para os clubes de verdade não.

Sem competições próximas, os elencos são totalmente desfeitos e os jogadores — a maioria dos profissionais no país — começam a peregrinar pelo país buscando a sorte em divisões menores semiprofissionais ou ainda se juntar a grande massa de desempregados do país. Para quem sabe voltar a atuar no próximo ano, numa próxima equipe. (Sobre isso inclusive, um desabafo do presidente Federação Nacional dos Atletas Profissionais de Futebol — “Dia Triste” )

O fim da segunda-feira

Agora, se há uma chiadeira geral entre os grandes clubes brasileiros por estarem perdendo torcedores para os clubes estrangeiros — que tem os melhores jogadores e disputam campeonatos muito mais organizados — imagine para os clubes médios e pequenos do país. Como semear uma paixão de torcedor de estádio por times que só existem metade do ano?

Com tudo isso na cabeça, chego ao estádio Lourival Baptista, o Batistão, para o meu último domingo de futebol in loco no ano. No rádio, o locutor faz questão de ressaltar de que não esperava que fossem muitos torcedores naquele dia e que só estava ali por questões profissionais. Eu, trouxa, por paixão.

O jogo de fato já não valia nada para o Sergipe, que mesmo ganhando não alcançaria a pontuação necessária para se classificar nem entre os melhores segundos colocados da fase de grupos da série D. O clube inclusive estava devendo salários, havia dispensado 10 jogadores durante a semana, estava no 3o treinador do ano e sem presidente.

Garoto acompanha o último jogo do seu time no ano. Em junho.*

Ídolos desconhecidos

Dessa forma, do time que entrou em campo eu só conhecia bem mesmo o tradicional uniforme rubro e o capitão Ramalho — AQUELE — bom volante revelado pelo Santo André e com passagens por Vitória/BA e São Paulo, que mesmo com seus 37 anos conseguia se destacar na 4a divisão. O resto do time e o banco eram compostos por jogadores remanescentes do recente desmanche e atletas da base.

Aqui é Ramalho, meu! Diria Murici Trabalho, na época áurea do SPFC. (Arquivo CSSergipe)

Do outro lado, precisando apenas do empate, vinha a equipe baiana do Jacobina Esporte Clube, orgulhosa da sua primeira participação na Série D do Brasileiro, com vitórias sobre América/RN e Sergipe. Não sei se por superstição, provocação ou aleatoriedade, mas o “Jegue da Chapada” entrou em campo todo de azul — cor dos maiores rivais históricos locais do Sergipe, nesta ordem: Cotinguiba (hoje sem futebol profissional) e Confiança (na série C).

Descubro no momento em que chego ao Batistão que, em virtude da baixa procura por ingressos do jogo (que além de tudo tinha sido marcado justamente entre o dia de São João e o de São Pedro, no Estado que é conhecido como “O País do Forró” e das festas juninas), apenas a entrada das cadeiras centrais especiais estava liberada para o jogo. Cerca de 1.000 lugares entre os 15.000 possíveis, em que eu e mais 261 torcedores, entre eles a torcida Jegue de Ouro do Jacobina, ocupamos confortavelmente a preço de arquibancada.

A orgulhosa Jegue de Ouro esteve presente no último domingo de C.S.Sergipe em 2017*

O JOGO

No primeiro tempo, sem ter nada a perder, foi o clube da casa que teve mais posse de bola e criou as poucas e boas chances — mesmo com muitos jogadores estando ali jogando pela primeira vez juntos. O Jegue veio pra empatar e cozinhava o jogo em banho-maria, no inverno chuvoso de Aracaju. Fora de campo, a torcida só se aquecia com algum lance duvidoso marcado pelo árbitro da Federação do Acre, ou pelas apostas feitas no Sportnet — espécie de loteria esportiva não legalizada que faz bastante sucesso por aqui.

(Aliás, das minhas diversões preferidas em estádio está a catalogação informal dos xingamentos. Boneco de Olinda aposentado e Tripa Seca do Chapolin Colorado foram os mais bacanas que eu e a equipe de arbitragem ouvimos desta vez)

O sentimento geral dos torcedores era de quase nostalgia pelo fim de temporada precoce. Não que o nosso zagueiro, que parecia estar forma de fora desde o início do jogo, tenha sido poupado das críticas, nem mesmo quando saiu antes do final do 1o tempo. Mas havia um sentimento ali de quase saudades já, mesmo numa temporada em que ganhamos muito pouco. Aplaudimos o 0x0.

Virtualmente classificado, o Jacobina “ousou” vir todo de azul para Aracaju. Melhor pedir perdão pelo vacilo.*

INTERVALO

Como numa retrospectiva de 2017, aquela apresentação aceitável fazia lembrar aos torcedores dos primeiros tempos bem jogados do início do ano, na época de Betinho, primeiro treinador da temporada. O problema é que o time jogava com um “falso 9”, e sempre acabava faltando alguém para fazer o gol. No 2o tempo geralmente tomávamos um gol. E só então um 9 verdadeiro entrava.

Foi dessa forma que classificamos para a segunda fase da Copa do Nordeste e do Campeonato Estadual. Falhamos em quase tudo o que veio a seguir, inclusive na contratação de outro treinador, que durou apenas 6 jogos. A 3a posição chorada no Estadual, que garantiu a vaga na série D de 2018 e um calendário mínimo para o ano que vem, acabou sendo o máximo merecido.

A situação ficou tão feia que até o presidente e outros cartolas pediram o boné antes do fim da série D. Sobrou para uma figura histórica do clube pegar o time nos últimos 4 jogos da temporada. Ribeiro Neto, ou Popó da Gávea (alcunha que recebeu por ter jogado com Zico nos tempos de Flamengo/RJ), começou o ano como treinador quase aposentado e radialista que também espinafrava o modo de jogar do Sergipe. Acabou voltando ao clube que ajudou a ter a maior de suas conquistas — quatro dos seis títulos do hexacampeonato seguido nos anos 90.

O que restou de torcida aplaudiu o primeiro tempo do que restou de elenco.*

2o TEMPO

Mas voltando ao século XXI, o segundo tempo começou e, só para contrariar, o Sergipe continuou bem no jogo. Tanto que numa falta cobrada direta ao gol, aos 11 minutos, a bola esbarra caprichosamente no pé da trave e volta só para Ramalho empurrar para o gol, num dos poucos momentos de sua existência em que o futebol fez questão de ser justo.

O Sergipe de Ribeiro Neto não esperava o 2o tempo para ter um camisa 9 — Lopeu, reforço do clube para a série D após fazer um bom estadual pelo Amadense — brigava mais do que jogava e errava alguns passes (o que o fez ser acusado maldosamente de ser daltônico), mas segurava a bola e dois zagueiros com ele no ataque.

Até que de repente os tambores da Bahia saíram do silêncio (e isso não foi uma metáfora),pelo aviso do locutor do estádio de que o América potiguar estava vencendo o Murici/Al e classificava o Jegue, que empacava em Aracaju. Time e torcida do Sergipe, enquanto isso aproveitavam o que sobrava de 2017 e o bom desempenho.

Ônibus da prefeitura de Jacobina, que fica num dos muitos pés da Chapada Diamantina na Bahia, ajudou a trazer o elenco.*

Tanto que aos 47, o camisa 11 Netinho teve gás para aproveitar o rebote do goleiro, fazer o gol, sair correndo, jogar a camisa pro alto, ir sambar com o treinador, correr para o lado, ensaiar uma sarrada no ar com um companheiro de equipe, recuperar a camisa e tomar o maldito cartão amarelo obrigatório. Mesmo com o juiz acabando o jogo no movimento seguinte.

Dona Gisélia realiza o seu sonho, no último domingo do ano.*

Naquele momento, esquecemos todo o fracasso da temporada, as vitórias desperdiçadas, as derrotas acachapantes, e aplaudimos de pé aqueles jogadores e comissão técnica. Dona Gisélia, vovó colorada, que num dia não muito distante declarara ter vontade de pular da arquibancada e abraçar a todos os jogadores a cada gol (vídeo abaixo), decidiu satisfazer o seu desejo e foi atendida. Amanhã estaremos felizes e invictos até 2018. Ganhamos.

Luiz Paulo C. Teixeira é mestre em Psicologia Social, social media, torcedor do Club Sportivo Sergipe e ainda resiste como jornalista (neste caso, sem clubismo).

*Todas as fotos por Luiz Paulo C. Teixeira

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