Quanto custa vender um mando?

Andre Vidiz
Sem Firulas
Published in
6 min readFeb 16, 2017

Das modernidades de nosso esporte bretão me incomoda especialmente essa história de vender mando de jogo. Futebol sempre foi um esporte local, com raízes nos bairros e grupos que se juntaram para formar um time — algo que uniu as pessoas presentes através do esforço coletivo em prol do bem comum e das histórias compartilhadas que dalí surgiram. Há uma certa mística em jogar na sua casa, que remete a um tempo medieval no qual um time não jogava apenas pelo resultado, mas para defender sua honra e seus domínios. Futebol é imposição e o terreno onde se dá essa luta tem papel fundamental na disputa.

Eu sei que os tempos mudaram, que um grupo que não liga pra esse tipo de coisa tomou conta do esporte e que a discussão é outra hoje em dia. Para esse grupo, o time que tiver mais dinheiro inexoravelmente sairá vencedor (alguns acreditam nisso, outros não se importam com nada enquanto estiverem lucrando) e, portanto, a verdadeira disputa é pra ver quem fatura mais. Por mais que times milionários estejam quebrando e que seus projetos estejam afundando as finanças — e o futebol — do clube, essa ainda parece ser a lógica vigente, pelo menos até a página 2.

No entanto, a venda do mando de campo traz consigo um custo que não pode ser ignorado nem por aqueles que acham que tradições, emoções e pertencimento são bobagens: a queda no rendimento do time que abandona sua casa. Isso é tão óbvio e escancarado que até é usado como punição pelo STJD, quando a torcida de um time invade o gramado, joga um chinelo em campo ou ousa se posicionar a respeito de qualquer assunto proibido (basicamente todos). Esse fato, no entanto, é rapidamente esquecido e raramente trazido à tona por cartolas e jornalistas quando um time decide abandonar sua casa em troca de dinheiro. Na esperança de mudar esse quadro fiz um levantamento do aproveitamento que os times tiveram nos jogos nos quais venderam seus mandos nesses últimos anos.

Com a ajuda do Google, Futpedia e diversas comunidades Facebook a fora, encontrei 35 jogos da Série A cujos mandantes decidiram jogar em outros estados que não o de nascença (alguns por imposição do STJD, outros em busca de maior bilheteria e por fim aqueles que venderam o mando para alguma empresa) nos anos de 2013 (10 jogos), 2014 (20) e 2015 (5). Dessas 35 partidas, em apenas 10 os “mandantes” saíram com a vitória, 13 empataram e 12 foram vencidos pelos visitantes. Um desempenho pífio (41%), como diria Mauro Cezar Pereira, pior do que o aproveitamento em casa de 18 times do último Brasileirão. Para tentar explicar este fato de outra maneira pode-se imaginar que os times que vendem seus mandos são times menores, que enxergam no confronto com um clube de maior torcida uma chance de tirar a barriga da miséria. Não é o caso: 8 desses 13 times vendidos são do famigerado G-12. Mas, para acabar com qualquer dúvida e mostrar não apenas que se perde desempenho, mas sim o quanto se perde, fui um passo além em minha análise.

No site Futpedia peguei o histórico dos últimos 20 anos (1995–2015) dos confrontos analisados e calculei quantos pontos em média o mandante ganhou. Por exemplo: Santos x Flamengo — o primeiro dos jogos nômades, um 0x0 em Brasília no dia 26/05/2013. O duelo ocorreu 20 vezes com mando santista de 1995 até hoje, tendo sido vencido 11 vezes pelos alvinegros (55%), 3 pelos cariocas (15%) e ficando na igualdade por 6 vezes (30%). Desta forma, em média, o Santos ganha 1,95 pontos a cada vez que recebe o Flamengo (0,55 * 3 + 0,30 * 1 = 1,95). Desta forma comparei a quantidade de pontos de fato conquistados pelos times que decidiram jogar fora de casa com o quanto se esperaria que eles ganhassem, dado o histórico mais ou menos recente dos confrontos. Se vocês soubessem o que descobri ficariam enojados.

Esperaria-se um aproveitamento dos mandantes de 55%, ou 1,66 pontos por partida. Não se trata de nenhum desempenho excepcional, muito pelo contrário: 14 times o bateram no último nacional quando jogaram em casa. No entanto, o aproveitameno observado foi de apenas 1,23 pontos por partida, ou 41%. Se compararmos os dois números chegaremos à conclusão que ao decidir vender o mando, o presidente do clube está, conscientemente, abrindo mão de 26% dos pontos que ganharia naquela partida*. Se fizesse isso em todos os jogos em casa, o time estaria abrindo mão de 3 posições na tabela de classificação!

O que aconteceria com o Santos se vendesse todos seus mandos?

Independentemente de qualquer outra coisa, isso é bizonho. O objetivo do time no campeonato é vencer os jogos e somar pontos: é pra isso que se contrata e treina jogadores, paga-se treinadores e, acima de tudo, é nisso que os torcedores passam a semana pensando (e passarão a seguinte vivendo as consequências de seu sucesso ou fracasso). Ao relegar essa meta a segunda, ou terceira, prioridade coloca-se em xeque todo o esporte, que se aproxima de um telecatch e se afasta do jogo que aprendemos a amar.

É interessante pensar que ao final do ano este mesmo presidente virá a público lamentar o erro do juiz que lhe custou uma vitória (mas se calará sobre aquele que lhe garantiu 3 pontos), prometerá reforços e provavelmente trocará de técnico, tudo em busca de melhores resultados na temporada seguinte. Se o clube ficar próximo do título ou do G-4, então, aparecerão reportagens mostrando quanto as finanças do clube deixarão de ganhar por tão pouco. Direitos de transmissão, exposição na mídia, bilheteria e patrocínio sofrem mudanças drásticas por causa de 1 ou 2 pontos. Se a questão for cair para a série B ou não, pode-se falar de um caminho sem volta. Mas raras serão as matérias questionando a decisão de vender pontos por dinheiro via mandos fora de casa, mostrando que mesmo ignorando as questões centrais do futebol o negócio foi ruim para o clube também na esfera financeira.

Em relação aos torcedores de outros estados, não acho que os clubes devam virar as costas para eles. É possível cultivar essa relação, separando uma cota de ingressos grátis para torcedores que comprovadamente venham de outro estado, por exemplo, ou fazendo pré-temporada Brasil a fora. Não acho que, assim, eles se sentirão abandonados, até porque, se forem torcedores de verdade não gostarão que seus times joguem pontos no lixo saindo de suas casas. Faz parte do torcedor se sacrificar em nome do clube e fazê-lo jogar fora de casa só para que seja possível vê-lo ao vivo é o exato oposto disso.

* As partidas com mando vendido trazem menos pontos até do que a média geral das partidas entre os dois times (considerando todos os jogos, independente de quem foi o mandante). Pegando o exemplo do Santos x Flamengo: de 1995 pra cá houveram 42 jogos entre eles, com 19V-11E-12D pros santistas. Assim, quando não se sabe onde será o jogo espera-se que o Santos ganhe, na média, 1,61 pontos por jogo contra o rubronegro. Fazendo essa conta para todos os confrontos estudados chega-se a 1,35 pontos por jogo, menor do que os 1,23 observados. Ou seja, jogando um jogo na Vila e outro no Maracanã o Santos tende a ganhar mais pontos do que jogando 2 jogos em Brasília, por exemplo.

A tabela com todos os jogos e resultados você pode ver no post original na Central3.

--

--