Que saudade da Época das Vacas Magras!

Anderson Neco
Sem Firulas
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5 min readAug 10, 2017

Eu nasci em Teresina, Piauí, em 1989. Engraçado. Desde que eu comecei a ter uma memória mais construída, concreta, lá pelo fim da primeira metade dos anos 1990, me percebi um apaixonado por futebol. No meu estado de nascença, naquela época, os dois times de maior torcida eram Flamengo e São Paulo. Eu, influenciado por boa parte dos outros Necos, me tornei são-paulino. A família Neco é, em sua esmagadora maioria, São Paulo. Mesmo no Piauí.

Eu, como disse no parágrafo anterior, começo a me entender por gente perto do fim da primeira metade dos saudosos anos 1990. Logo, não vivi a era Telê Santana no São Paulo. Diversos títulos, com destaque para duas Libertadores da América e dois Mundiais vencidos de maneira consecutiva, em 1992 e 1993, respectivamente. O São Paulo Futebol Clube começava a se tornar um clube de massa. Eu me orgulhava de ser são-paulino e bi-mundial, mesmo sem memória real destes momentos.

Me mudei para São Paulo em março de 1996, com seis anos. Lembro de pensar “Nossa, eu torço para o São Paulo e vou morar em São Paulo. Que legal!”. No ano da minha mudança de estado, o meu time do coração já amargava um pequeno jejum de títulos e uma fase conturbada que se fazia presente desde a saída de Telê Santana do clube por questões médicas. Naquele ano, o Palmeiras se sagrou Campeão Paulista e o Grêmio Campeão Brasileiro, numa final eletrizante com a Portuguesa, que surpreendeu o país com uma campanha consistente e uniu as torcidas do estado.

O São Paulo, por outro lado, patinava. Vivia anos de poucos investimentos em jogadores por conta de uma importante reforma no Estádio do Morumbi, que precisou ter sua estrutura toda reconstituída para evitar maiores tremores. Entre os são-paulinos, esse tempo é conhecido como a “Época das Vacas Magras”.

O zagueiro “Paulão Desmaio”, que apagou durante sua apresentação em 1999, é o símbolo de um São Paulo que não existe mais / Imagem: Marko Mello

Lembro de ver meus rivais da capital ganharem títulos de expressão enquanto o São Paulo minguava. O Corinthians foi bi-campeão brasileiro em 1998 e 1999 e o Palmeiras, com a ajuda da Parmalat na época, levou a Copa do Brasil em 1998 e o até então inédito título da Libertadores da América em 1999. E o São Paulo? Bom, a gente faturou o Paulistão de 1998.

Que saudades do Paulistão de 1998! Título muito festejado por são-paulinos noventistas como eu, esse caneco marcou a volta de Raí ao time que o projetou após algumas temporadas atuando no Paris Saint Germain, além de ser a despedida do craque Denilson, vendido por valor estratosférico ao Real Betis, da Espanha. Ainda contávamos com França em fase excepcional e um jovem goleiro que despontava como novo ídolo, Rogério Ceni. O Corinthians não foi páreo para esse timaço.

O Paulistão de 1998, por mais prazeroso que tenha sido, é um ponto fora da curva nessa época de vacas magras. Era diferente ser são-paulino na fase pré-soberana. Eu lembro de agonizar no final dos anos 1990 ao lado do meu clube do coração enquanto os torcedores rivais tripudiavam de mim. Mas eu tinha orgulho do meu time e sabia que dias melhores viriam. E, como a história recente prova, eles vieram. Mas a gente ainda sofreu um pouquinho antes, claro.

A final da Copa do Brasil de 2000, perdida no apagar das luzes para o Cruzeiro, foi o mais duro golpe que um torcedor são-paulino da minha faixa etária já recebeu. Eu chorei copiosamente aos 10 anos de idade ao ver aquela falta do Geovanni passar por debaixo da barreira e entrar mansa no gol do Rogério. Eu lembro que quase pulei da sacada de casa de desgosto. Sério.

Esse gol do Geovanni provocou a derrota mais doída que um são-paulino noventista como eu já sofreu

Um novo milênio surge. Novas decepções e eliminações consecutivas para o nosso maior rival também acontecem. Foi duro? Ô se foi. Mas a fé em dias melhores se fazia presente e o sentimento de que o futebol é cíclico e que a vez do São Paulo chegaria se fazia presente na minha cabeça.

Eu me lembro de sofrer calado com o São Paulo até 2005. O são-paulino era o mais contido entre os torcedores dos três grandes da capital por motivos óbvios. Viveu os últimos 10 anos tomando pancada atrás de pancada. Para mim, que tinha 15 anos na época, o bi-mundial era uma coisa distante, vaga. Eu tinha a impressão que a “Época das Vacas Magras” não passaria nunca. Mas ela passou.

E que pena que essa época passou. Porque a bonanza da segunda metade dos anos 2000 — onde o São Paulo conquistou Paulista, Libertadores, Mundial e três Brasileiros entre 2005 e 2008 — fez emergir um torcedor que destruiu o prazer que eu tinha de torcer pelo meu clube do coração. A arrogância passou a ser o melhor termo para definir o são-paulino padrão. Eu sabia que, cedo ou tarde, pagaríamos por essa postura. E pagamos.

O São Paulo Futebol Clube vive, hoje, a fase mais sombria de sua história tão gloriosa. A aura soberana autoproclamada fez ruir todo o orgulho proporcionado pelas conquistas recentes. Gestões horrorosas, perpetuação no poder, desvios milionários. O time do meu coração, já presidido pelo saudoso Marcelo Portugal Gouvêa, responsável pela reconstrução do clube na segunda metade dos anos 2000, viu figuras como Juvenal Juvêncio e Carlos Miguel Aidar destruírem um imagem de vanguarda e busca pela excelência. Parados no tempo e arrotando caviar enquanto comíamos pão com ovo, vimos nossos rivais crescerem exponencialmente.

O ex-presidente do São Paulo Carlos Miguel Aidar, um dos principais responsáveis pela fase mais sombria da história do clube do Morumbi

Já são cinco anos sem um título de expressão. A última conquista, a Copa Sulamericana de 2012, foi um feliz acaso em meio ao caos que o São Paulo Futebol Clube se tornou nos últimos anos. Em 2013, flertamos com a zona de rebaixamento. Em 2017, o filme se repete. E o torcedor são-paulino ainda se vangloria de conquistas recentes e não percebe que, há tempos, somos a quarta força do estado.

Que a humildade da Época das Vacas Magras novamente se faça presente no Morumbi. Eu, que penso positivo sempre, percebo o início — ainda bem embrionário, claro — de uma perspectiva de mudança no são-paulino padrão. Acho que o torcedor tricolor começará a viver, em breve, uma fase Pós-Soberana. E essa mudança de postura, meu amigo, é o verdadeiro início de uma nova era para o São Paulo Futebol Clube.

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