Todo torcedor deve comprar a nova camisa do Grêmio, fabricada pela Umbro

Guilherme Dorf
Sem Firulas
Published in
6 min readApr 27, 2016
Belos uniformes do Grêmio. Fonte: Trivela

O contexto

Na semana passada, a Umbro anunciou uma iniciativa inédita no futebol brasileiro: em breve, os uniformes do Grêmio não contarão com o patrocínio na omoplata (no português comum, no ombro) não por falta de patrocinadores, mas por opção. Enquanto a maioria dos clubes brasileiros se contorce para encontrar novos parceiros, o Grêmio e a Umbro remam no sentido contrário, intensificando o elo construído entre os dois.

Pouco a pouco, a Umbro vêm conquistando o coração dos torcedores brasileiros cansados da mesmice imposta pela Nike e Adidas que há anos produzem uniformes enfadonhos e sem criatividade. Seja no peito da Chapecoense, Grêmio, Remo, Vasco ou outra agremiação, a Umbro demonstrou que é possível criar camisas bonitas respeitando as cores e tradições.

Uniformes da Umbro geralmente são bonitos, desde 94 até os dias de hoje.

Recentemente, a empresa inglesa deu um passo controverso ao criar a coleção de chuteiras pretas Blackpack. Com uma publicidade agressiva, a companhia atraiu amantes e detratores ao posicionar uma família de produtos para os contrários ao futebol moderno.

Com muitos acertos e poucos erros, com muita coragem e pouca acomodação, a Umbro vêm chamando atenção e a proposta do "não patrocínio" na camisa do Grêmio talvez seja o movimento mais interessante nessa seara.

A simbologia de uma camisa

A camisa de um time de futebol representa mais do que uma camiseta comum. Não raro, encontramos torcedores com armários abarrotados de uniformes, cada um com uma história diferente por trás. Uniformes são passados de pai para filho como legado, colecionadores se tornam amigos mais facilmente e as peitas tornam-se a lembrança material de algo intangível. A relação do torcedor com o uniforme do seu time é algo metafórico, metonímico e repleta de significados.

Não me estenderei nesse tópico, mas é fácil perceber o quanto os mantos foram imaculados nos últimos anos seja pela incorporação de novas cores ao pantone outrora restrito das equipes seja pela exploração de todo e qualquer centímetro na camisa que comporte o logo de uma nova empresa. Alguns dizem que o dinheiro justifica a contrapartida, eu discordo.

Luiz Estevão entupindo o uniforme do Brasiliense de patrocinadores before it was cool.

Em 2002, o Corinthians enfrentou o Brasiliense pela final da Copa do Brasil. Além do magnífico futebol de Wellington Dias e a arbitragem questionável de Símon, outra coisa me vêm claramente à memória quando me recordo dessa final: o fato de que o uniforme do Brasiliense ter um número excessivo de patrocinadores ser sinônimo de pequenez frente ao poderoso Corinthians que podia se dar ao luxo de contar com somente um patrocinador-máster.

Ironicamente, em 2016, o jogo virou. Não ter patrocinadores dispostos a preencher o uniforme é motivo para desespero de dirigentes e tristeza de torcedores, ainda que os valores pagos pelos parceiros hoje seja mais de dez vezes maior do que em 2002, em média.

Uma nova ideia para um mercado desgastado

O excesso de patrocinadores sempre me incomodou, não somente do ponto de vista estético, como também pelo aspecto mercadológico. A abundância de marcas estampadas em uniformes esportivos é prejudicial para todos os lados envolvidos: o clube desvaloriza o seu uniforme como propriedade, o patrocinador precisa dividir espaço com outras marcas perdendo valor e o torcedor possivelmente compra menos camisetas.

Nunca compreendi como as empresas que patrocinam uniformes esportivos não adicionam cláusulas que automaticamente reduzem o montante pago a cada nova marca que aparece no uniforme, já que a sua própria marca se torna menos visível. Mais difícil ainda é entender que tipo de retorno empresas como a TIM esperam ao veicular suas marcas em espaços tão ínfimos como dentro dos números das camisas!

Em 2009, o excesso de marcas na camisa do Corinthians de Ronaldo fez a Batavo cogitar a rescisão de contrato.

Especulações à parte, o fato é que o modelo "abadá-ambulante" já não satisfaz às empresas. Os clubes necessitam sair da zona de conforto e testar novas soluções.

Em 2009, o Racing Club da Argentina, clube notório por ter um departamento de marketing inovador, fechou um patrocínio ainda mais corajoso do que o Não-Patrocínio do Grêmio. O Banco Hipotecario idealizou o conceito de dar a camisa ao torcedor e se recusou a colocar o logo na camisa da equipe argentina, apesar de pagá-la para tal.

Apesar disso, o banco não deixou de investir em ativações, colocando sua marca em placas de publicidade, backdrops, cheerleaders e outras propriedade, deixando somente o uniforme totalmente limpo.

A aposta da Umbro depende do torcedor

A iniciativa do Grêmio parece uma loucura se considerarmos o estágio prematuro do patrocínio esportivo no Brasil. Empresas e clubes ainda insistem em enxergar o futebol somente como mídia barata, como um meio para a empresa somente aparecer às custas da massiva audiência espontânea proporcionada. Nesse sentido, quando a Umbro paga para que uma outra empresa não patrocine a omoplata do Grêmio, nos soa insano.

No entanto, a estratégia Umbro-Grêmio têm uma fundamentação lógica. A partir de uma pesquisa com o torcedor, verificou-se que o patrocínio no ombro é, especificamente, um fator que incomoda demais o torcedor gremista

Em troca do valor pago, a Umbro receberá o valor integral das camisas oficiais vendidas nas lojas do Grêmio, ao invés de somente os royalties como é a praxe executada pelos clubes.

A conta é simples, mas arriscada: o Grêmio precisa vender em torno de 16 mil camisas extras para retornar o valor pago pela Umbro para não poluir a manga da camisa. Essa conta não é tão literal, pois exclui o valor intangível que a marca ostentará por ter mais espaço na camisa, mas em uma conta de padaria, podemos considerar essa quantia.

É difícil encontrar uma pessoa que admire ver o seu manto sagrado poluído com marcas de todos os tamanhos, cores e propósitos. Na realidade, nós sempre clamamos por algum tipo de alternativa e ela finalmente chegou.

O uniforme do Grêmio precisa ser vendido aos montes. Caso isso ocorra, damos um sinal positivo ao mercado e dizemos que mais empresas podem se arriscar não poluindo os uniformes que tanto gostamos. Hoje, é o Grêmio e a Umbro, mas amanhã pode ser o uniforme do seu time com menos poluição visual.

Se o número de vendas não aumentar significativamente, dizemos implicitamente que o excesso de marcas não nos incomoda tanto assim e convidamos as empresas e dirigentes a apostar em velhas fórmulas que afirmamos odiar.

Essa é a hora em que nós, como torcedores, precisamos sair do discurso e partir para a prática.

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