Um pai, um filho e um mesmo clube de coração

Marko Mello
Sem Firulas
Published in
5 min readMar 14, 2016
meu pai e eu, circa 1983

nota: este texto não se aplica a pais que pouco ligam para futebol, aqueles do 'tanto faz'
nota 2: isto é apenas a opinião de um pai amante de futebol, não necessariamente correspondendo à única forma correta de se criar filhos

'- Aê, nasceu mais um corintiano…'
‘- Esse aí tem cara de palmeirense, hein?’

Manja esse tipo de brincadeira que é feita sempre que nasce o/a filho/a de alguém que gosta muito de futebol? Então, jovem, ela não é legal.

Talvez até seja [e faça sentido] pra quem faz a ~piada~. Pode ser também uma maneira de tentar parabenizar o pai de uma maneira mais informal, com uma brincadeirinha singela, eu mesmo já fiz muito disso quando era mais novo [e bobo]. Mas para o pai da criança não é algo agradável, não é o que você quer escutar enquanto 'pai fresco'. E digo isso por experiência própria, enquanto pai de um menino de 2 anos e meio.

Você pode achar que estou sendo radical? Pode. Paranoico? Também. Mas é algo com que me preocupo quase que diariamente. E tentarei explicar o porque de tamanha aflição com algo, aparentemente, banal aos olhos da sociedade.

nota 3: que fique claro que essa talvez seja a única ~imposição psicológica~ que farei ao Antonio, meu filho. é algo maior que minha compreensão. por um lado eu sei que seria bom deixá-lo totalmente livre pra fazer suas escolhas. por outro lado eu apenas não consigo. a mãe dele tampouco concorda com esse meu comportamento quando o assunto é futebol. mas também sabe que apoio totalmente qualquer caminho que ele venha a escolher na vida, para ser o que bem entender, desde que o faça feliz.

Sempre fui são-paulino. Nunca passou pela minha cabeça ter/ser de outro time. E claro que foi total influência de meu pai, avôs [de ambos os lados] e meu tio Chico [além do meu irmão, mais novo, que também entrou nessa]. Antes mesmo do Brasileiro/86, Paulista/87 e os títulos da década de 90 eu já era um pequeno tricolor. E esse laço clubístico fez muito bem para que nossa relação familiar fosse melhor, de 'união por um mesmo fim'. E não é que somos uma ~família Doriana~, longe disso. Discordamos de quase tudo fora futebol, temos visões totalmente diferentes sobre os mais variados temas, mas esse laço, o futebolístico, é dos poucos que nos une de verdade. Aquela hora em que esquecemos todas as outras diferenças e sofremos juntos. Quantas lembranças boas [final do Mundial/93 na casa da minha vó, final da Libertadores/93 no Morumbi, os 3 títulos Brasileiros seguidos assistindo quase todos os jogos fora de casa no meu pai] e outras que doeram demais [final da Libertadores/94, final da Copa do Brasil/2000] que dividimos por igual. Juntos. Sem pensar nas diferenças.

vovô Paulo, Lelo e eu, circa 1984

E esse laço, o de sofrer/comemorar juntos, de se preocupar com quem será escalado no domingo com o titular suspenso, o de ligar antes/depois do jogo só pra comentar, de criar um hábito de convivência… esse laço eu julgo ser o mais importante no ato de um filho torcer pelo mesmo time do pai [esclarecendo sempre que isso caso o/a menino/a goste de futebol, se interesse pelo tema, senão não há sentido em nada disso]. Aí que acho que entra a grande sacanagem em pessoas de fora tentarem 'converter' o/a filho/a alheio/a para outro clube. Ou de piadinhas, ~pragas~ de que ele/a torcerá pelo rival ou coisa do gênero.

Chamo de sacanagem porque é uma intromissão pesada, algo que, se bem sucedido, pode mudar toda uma forma de relação entre pai e filho/a pelo resto da vida. Não consigo imaginar o Antonio torcendo por outro time, competindo comigo nas quartas a noite, me sacaneando quando da derrota do SPFC ou o contrário. Não me parece algo sadio e bacana numa relação pai e filho. Me faz mal só em pensar na possibilidade. Não que eu vá amá-lo menos por isso, não me entendam mal, por favor. Mas essa é a parte que mais me aflige nisso tudo.

Enfim, fiz todo este texto pra pedir pra você, que chegou até aqui, que pense duas vezes antes de fazer esse tipo de brincadeira, antes de tentar 'converter' o/a filhinho/a do amigo, porque uma criança não sabe discernir bem as coisas e é muito facilmente influenciável. Preste atenção na reação do pai do moleque/menina. Veja se é tranquilo, se não é algo que o aflige tanto quanto aflige a mim.

meu pequeno Antonio, 2015

Claro que existem N motivos para uma criança debandar pra outro clube [influência dos amigos, fases vitoriosas, ídolos incontestes tipo Neymar], mas como pai me vejo na obrigação de lutar para que o Antonio venha para o meu lado. O lado do ganhar [às vezes] e sofrer [quase sempre] juntos, independente da fase do time. E assim vivermos juntos essa maluquice chamada futebol.

E Antonio, meu filho, eu sei que pode parecer egoísta da minha parte tentar moldar uma escolha sua ao meu bel prazer, mas que fique claro que tudo que faço hoje é pro seu bem futuro.

Papai te ama mais que a vida.

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