Agora pragmático, o Egito se reinventa nas mãos de Cúper

Caio César Nascimento
Sem Mundial
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5 min readJun 6, 2018

O Egito nunca foi longe numa Copa do Mundo. Em 1934, quando participou pela primeira vez, a equipe africana fora eliminada logo no primeiro jogo contra a Hungria. Naquela edição não houve fase de grupos, pois eram apenas 16 equipes lutando pela taça.

Apesar de ter sido a primeira nação africana a se qualificar para uma Copa do Mundo, o Egito manteve-se longe do principal torneio do esporte até retornar em 1990, quando foram eliminados na fase de grupos. Na ocasião, esteve no grupo F ao lado de Inglaterra, Irlanda e Holanda. Os africanos ficaram em último lugar com dois empates e uma derrota (para Inglaterra).

28 anos depois o Egito voltou a conquistar uma vaga na Copa. Outra coisa óbvia com relação à seleção egípcia é sobre o seu “rei”, ou “faraó”, Mohamed Salah, que dispensa apresentação. Todavia, o que poucos sabem é sobre a identidade ofensiva que o Egito manteve historicamente em sua seleção. Donos do continente, os egípcios sempre tiveram jogadores habilidosos e técnicos, além de equipes ofensivas que apresentavam ataques avassaladores.

Salah é o principal nome do esquema ofensivo egípcio, mas não o único (Foto: Reprodução/Internet)

Além dessa fixação pelo futebol ofensivo, outra coisa que custou caro para a seleção foi o sentimento extremamente nacionalista. Muitos atletas de grande nível técnico optam por permanecer em casa e não se aventurar em terras estrangeiras. Um dos maiores exemplos é Mohamed Aboutrika, que só foi sair do Egito para jogar nos Emirados Árabes Unidos por empréstimo de uma temporada.

No entanto, sob o comando do experiente Héctor Cúper, os faraós mudaram suas características e adotaram imediatamente o famigerado 4–2–3–1, que consagrou o argentino nos áureos tempos de Valencia e Internazionale. A equipe ganhou solidez defensiva com a linha de quatro defensores, que contam com dois laterais experientes e uma dupla de zaga alta. Fathi e El-Shafy devem ser os titulares nas alas. Devido à lesão de Rami Rabia, que não se recuperou a tempo para a convocação, Hegazy, muito provavelmente, fará dupla com o companheiro de West Brom, o promissor Ali Gabr.

Cúper implantou sua mentalidade equilibrada na seleção egípcia (Foto: Reuters)

O segredo para a diminuição do ímpeto ofensivo foi o desenho do meio-campo. Antes de Cúper, o Egito jogava apenas com um volante de origem. Agora, sob a batuta do argentino, são dois. Elneny, do Arsenal, e Hamed, do Zamalek, estiveram juntos desde o início da “Era Cúper” e deram muito certo.

Elneny é amigo de longa data de Salah, tendo sido revelado pela mesma equipe do atacante, o El-Moqawloon. Ambos também jogaram juntos no Basel. O volante é muito forte fisicamente, porém, sua grande qualidade não é justamente a marcação, papel que ele desempenha bem, mas sim os passes longos, que são seus grandes predicados. Hamed, 27 anos, é o grande ladrão de bolas da equipe, muitas vezes se desdobrando no gramado.

Apesar da presença de dois “cães de guarda”, a rocha defensiva de Cúper conta com a participação efetiva dos extremos, que atuam mais recuados dos que os pontas originais. De um lado está a grande estrela, Salah, que tem liberdade criativa para chegar ao ataque com mais frequência. Do outro lado está a arma secreta do treinador, que é um “patinho feio”.

Trata-se de Mahmoud “Trezeguet” Hassan. Não se assuste caso você o veja apenas como Trezeguet — mesmo não sendo o nome real do jogador -, porque é um apelido que ele gosta e o utiliza na camisa devido à semelhança com o famoso David Trezeguet, campeão do mundo com a França, em 1998. Ao contrário do “original”, o Trezeguet egípcio é um jogador extremamente tático, que gosta de fazer o trabalho sujo e é dotado de uma velocidade incrível. Ele, basicamente, tem a função de marcar pelos lados. Sua versatilidade permite que Cúper o escale tanto no lado esquerdo quanto no lado direito. Trezeguet não é muito técnico com a bola, mas compensa no papel tático e pelo vigor físico, podendo aguentar as ações de defender e atacar durante toda a partida.

Cúper também conta com Kahraba, 24 anos, e Shikabala, 32 anos, para dar opção de verticalidade. Entretanto, o grande nome é Ramadan Sobhi, candidato a “novo Salah”. O jovem de 21 anos atua com a camisa do Stoke City, da Inglaterra. Sobhi é rápido, habilidoso e possui faro de gol. Para orquestrar o meio-campo, Abdullah Said, 32 anos, é o candidato mais provável. O veterano também sabe jogar de extremo-direito, mas o seu forte é atuar mais pelo centro.

No ataque, as opções mais utilizadas pelo argentino são Ahmed “Kouka” Hassan e Marwan Mohsen. O primeiro foi mais vezes titular com Héctor Cúper, especialmente por ter 1,90m de altura e ser ótimo no pivô. Hassan também sabe jogar com a bola nos pés, sendo um pouco mais técnico do que Mohsen, que também é alto (1,86m).

Dependendo do adversário ou das circunstâncias do jogo, o esquema tático de Cúper pode mudar do 4–2–3–1 para o 4–1–4–1 com Hamed sendo o único volante e Elneny mais adiantado. O time base, levando em consideração os jogos nas eliminatórias e nos amistosos, deve ser: El-Hadary, Fathi, Hegazy, Gabr e El-Shafy; Hamed, Elneny, Trezeguet, Said e Salah (Sobhi); Hassan.

Entretanto, todos esses detalhes estiveram perto do abismo no dia 26 de maio, durante a decisão da Champions League entre Real Madrid e Liverpool, quando Sergio Ramos lesionou Mohamed Salah no ombro numa jogada completamente desnecessária. O “Rei do Egito” tentou voltar para a partida, mas o atleta havia deslocado o ombro esquerdo. Instantaneamente pipocaram notícias de que Salah perderia a Copa do Mundo, chocando não apenas o Egito como o planeta inteiro.

A trajetória mais bonita da temporada ficou envolta numa neblina de dúvidas, porém, horas depois a federação egípcia confirmou a presença de Salah na Copa graças ao rápido diagnóstico do médico do Liverpool, que havia constatado apenas uma luxação. Após os exames, a positividade quanto a situação de Salah foi confirmada: apenas 3 semanas de molho. Peça-chave no esquema de Cúper, o “Rei do Egito” estará clinicamente apto para os dois últimos jogos da fase de grupos (Rússia e Arábia Saudita), mas existe a possibilidade de Salah participar da estréia contra o Uruguai, no dia 15 de junho. Caso o prognóstico não seja acelerado, Ramadan Sobhi deverá ganhar a vaga do craque.

O pragmático e perigoso Egito de Cúper tem material humano para avançar de fase. Uma equipe que possui um “rei” também é capaz de ganhar jogos apenas com seus “súditos”.

Os convocados:

Goleiros: Essam El Hadary (Al Taawoun), Mohamed El-Shennawy (Al Ahly) e Sherif Ekramy (Al Ahly).

Defensores: Ahmed Fathi, Saad Samir, Ayman Ashraf (Al Ahly), Mahmoud Hamdy (Zamalek), Mohamed Abdel-Shafy (Al Fateh), Ahmed Hegazi (West Bromwich), Ali Gabr (West Bromwich), Ahmed Elmohamady (Aston Villa) e Omar Gaber (Los Angeles FC).

Meio-campistas: Tarek Hamed, (Al Raed), Shikabala (Zamalek), Abdallah Said (Al Ahli), Sam Morsy (Wigan Athletic), Mohamed Elneny (Arsenal), Mahmoud Kahraba (Ittihad Jeddah), Ramadan Sobhi (Stoke City), Mahmoud Hassan (Kasimpasa) e Amr Warda (Atromitos Athens).

Atacantes: Marwan Mohsen (Al Ahly) e Mohamed Salah (Liverpool)

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