Entre a tática, o físico e o imponderável: a Croácia passou. Passou e nada mais importa

henrique salmaso
Sem Mundial
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4 min readJul 7, 2018
Foto: EFE

Muito tem se falado, principalmente após a eliminação da Seleção Brasileira, sobre justiça no futebol. Sobre sorte, azar, merecimento e o poder do imponderável. O nosso esporte bretão, assim como tudo na vida, não pode ser levado para dois extremos que não dialogam. A disputa entre o tatiquês x boleirês, se levada ao pé da letra, só tem a diminuir a riqueza do esporte, uma vez que, aquele que assume um lado, usa um discurso pronto para provar que está no rumo certo da conversa. Bom, e o que isso tem a ver com a classificação da Croácia?

A Croácia está na semi da Copa do Mundo. Depois da independência do país, que ainda pertencia à Iugoslávia até o começo dos anos 90, isso só havia acontecido uma vez, na Copa de 1998. A equipe de Dalic está fazendo história e, nesse caminho, teve que passar por duas prorrogações e duas disputas de pênaltis. Exatamente 10 pênaltis batidos, mais 10 contra a meta de Subasic, além de um perdido pelo capitão Modric, no final da prorrogação nas oitavas de finais. O tático é legal e foi fundamental para a chegada da Croácia até aqui, mas se um dos vários pênaltis não tivesse entrado, talvez este texto abordasse a eliminação dos ex-jugoslavos. Se Subasic, que jogou mais de meia hora no sacrifício, tivesse sido substituído, talvez a história seria outra.

Talvez. Esse é o imponderável. Isso foge da frieza do 4–1–4–1 e dos campinhos táticos. E essa é a graça do futebol.

Então, vamos falar do jogo? Nas frequentes mudanças no 11 inicial de Dalic, o treinador optou por sacar Brozovic e colocar Kramaric, recuando Modric e Rakitic e contando com quatro “atacantes”. Ainda que a equipe tenha encontrado dificuldades para furar o bloqueio russo, isso deu certo, tendo em vista que seus homens de frente foram bem mais acionados que nas oitavas contra a Dinamarca.

Mas o jogo físico da Rússia, principalmente de Dzyuba, somado ao talento de Cheryshev, colocou os anfitriões na frente, com 30 minutos de jogo. Após ganhar a famosa disputa pela segunda bola, o atacante russo fez a parede para Chery acertar um balaço no ângulo de Subasic. A Croácia reagiu mal ao gol, sentiu a desvantagem e, em três minutos, tomou dois cartões amarelos. Quando parecia desnorteada, aproveitou uma (rara) falha da defesa russa e Mandzukic veio da esquerda da área, chamando Kramaric para empatar de cabeça. Fim de primeiro tempo.

Foto: Getty Images

Na segunda etapa, em meio a muita tensão, a Croácia conseguiu pressionar mais, pisar na área e ainda contou com um lance inacreditável em que Perisic, na pequena área, finalizou na trave e, de maneira charmosa, a bola rolou em cima da linha, teimando em não entrar. O imponderável agindo de novo.

Dalic quis, enfim, colocar Brozovic no lugar de Perisic, para fechar o meio e liberar seu camisa 10. A Croácia martelou, mas não conseguiu sair do empate. Nos últimos lances do tempo normal, o físico pesou, afinal os croatas (e também os russos) já haviam disputado 120 minutos em níveis de tensão altíssimos na fase anterior. Subasic sentiu algo na coxa aos 85 minutos e Dalic já havia feito as três substituições. Tendo em vista que é permitida uma mudança a mais quando o jogo vai para o tempo extra, o goleiro continuou em campo e o reserva Kalinic já se preparava para entrar.

Fim de jogo. Prorrogação.

A Croácia voltou com seu goleiro titular sob aviso, mas Vrsaljko também sentiu a coxa logo aos seis minutos e pediu para sair imediatamente. Ou ele ou Subasic teria que atuar praticamente toda a etapa no sacrifício. O lateral do Atlético de Madrid foi substituído e, alguns minutos depois, o zagueiro Vida (devolva minhas fantasias!!) desempatou para a Croácia em um lance de escanteio. Explosão total na comemoração. Depois disso, a equipe se segurou na valentia de Mandzukic, no fôlego interminável de Luka Modric e na calma de Rakitic. Ambas as esquadras, com o peso da segunda prorrogação seguida, já jogavam na base da superação. Aos 115 minutos, após falta boba, o brasileiro Mario Fernandes empatou para os anfitriões de cabeça.

Pênaltis. De novo. E com Subasic já se arrastando.

Subasic. Ele que chegou à semi da Champions League 2016–17 com o simpático Monaco de Mbappe; ele que tomou um gol defensável no primeiro minuto contra a Dinamarca na fase anterior e depois salvou três de cinco pênaltis na disputa; ele que poderia ter sido substituído ainda no tempo normal nessas quartas. Ele que tinha a responsabilidade de classificar seu país novamente. Subasic, que salvou o primeiro pênalti russo, vindo dos pés de Smolov.

Em meio à batida de Luka Modric que demorou uma eternidade para entrar e o chute para fora de Mario Fernandes, responsável pelo empate russo, a Croácia passou.

Neste momento, eu não quero saber da compactação, das linhas de quatro ou da gravidade da lesão do Vrsaljko. Pouco me importa o que aconteceria se Kalinic entrasse no lugar do Subasic. Não estou nem aí para o 4–1–4–1 que vira 4–4–2 na fase defensiva. Estou ligando menos ainda para a Inglaterra de Harry Kane que espera os croatas. Depois de 20 anos, a Croácia passou para as semi-finais. Passou e nada mais importa. Pelo menos até quarta que vem.

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