Entre revoluções e traumas, o Faraó Salah busca a redenção com o Egito

Caio César Nascimento
Sem Mundial
Published in
3 min readMay 26, 2018

É terrivelmente irônico, mas o maior campeão africano no futebol tem uma tradição pequena no maior palco do esporte. Entretanto, a baixa frequência egípcia em Copas do Mundo deve-se muito aos problemas extracampo envolvendo as constantes mudanças políticas no país.

Antes da milagrosa classificação para a Copa de 2018, o Egito só havia disputado duas Copas do Mundo: ambas na Itália, em 1934 e 1990. Mesmo sendo um dos países mais fanáticos por futebol, o Egito falhou em retornar ao cenário mundial nas eliminatórias para as Copas de 2010 e 2014, onde caiu no jogo final contra Argélia e Gana, respectivamente.

O país do Rio Nilo é, historicamente, envolto em conflitos políticos pesados. A seleção, entretanto, também conta com episódios traumatizantes e algumas maldições que perseguiram os faraós em suas jornadas, porém, no meio desse caos todo, um homem sempre se destaca para guia-los ao sucesso.

Nas eliminatórias para a Copa do Mundo de 1990, o “Rei do Egito” era Hossam Hassan, que marcara o gol sobre a eterna rival Argélia, no famoso “Jogo do Ódio”, e classificara a seleção para o seu segundo Mundial. Hassan foi o primeiro ídolo cult do país, que tentava emplacar uma geração mais confiável no futebol. O atacante careca serviu como modelo para várias gerações que vieram a seguir, como a de Mohammad Aboutrika, por exemplo.

Todavia, apesar da gigantesca idolatria pelo habilidosíssimo meio-campista que sucedeu Hassan, Aboutrika falhou em levar o Egito a uma Copa. A maldição do “Jogo do Ódio” pegou forte. Após a famosa “Primavera Árabe”, que explodiu em 2011, durante a preparação para as eliminatórias da Copa do Mundo de 2014, quando o ditador Hosni Mubarak fora deposto, a geração que conquistou o tricampeonato da Copa Africana de Nações (CAN) caiu por terra.

No entanto, essa enorme decepção serviu para forjar um novo herói. Carregando o nome do profeta, Mohammed Salah, assim como o grande Hossam Hassan, conseguiu colocar o Egito num Mundial após 28 anos de espera.

Sensação da temporada europeia, Salah é o principal nome dos egípcios (Foto: Four Four Two)

A campanha egípcia foi praticamente intocável, tendo estreado na segunda eliminatória, contra Chade, onde perdera o primeiro jogo por 1x0 e vencera o segundo por 4x0 para assim chegar à fase de grupos.

No grupo E, os Faraós fizeram uma campanha de 13 pontos, sendo quatro vitórias, um empate e uma derrota. O perseguidor era Uganda, que foi até a penúltima rodada disputando cabeça a cabeça com o Egito por uma vaga. Até então, o Egito tinha 9 pontos e Uganda tinha 7. Uganda entrou em campo antes do Egito e acabou empatando com Gana por 0x0. Esse resultado significava que o Egito precisava vencer Congo, já eliminado, para conquistar antecipadamente a tão sonhada vaga para a Copa, pois Gana havia renascido na competição e a próxima partida seria entre eles, em Kumasi (Gana).

Os Faraós venciam Congo até os 42 minutos do segundo tempo, quando Moutou empatou o jogo. Uma confusão começou nas arquibancadas do Borg El Arab, em Alexandria, na primeira partida liberada para lotação máxima de um estádio de futebol pós-golpe militar em 2012. Devido ao entrevero, o arbitro deu cinco minutos de acréscimos. Aos 47 minutos do segundo tempo, Salah é derrubado na área e o juiz assinala o pênalti. Mais de 20 anos de fila nas costas do camisa 10. Cerca de 75 mil pessoas aflitas no estádio. O craque egípcio converteu a penalidade e alçou uma grandeza maior que a pirâmide de Giza.

Fã de Hassan e Aboutrika, Salah é chamado de Faraó pelos egípcios. O extremo do Liverpool tenta levar uma geração que viu vários fracassos e rebeliões de perto. Hector Cuper, treinador argentino que comanda a seleção desde a saída de Bob Bradley, em 2012, conta com outros nomes do calibre de Ahmed Hegazy (West Brom), Mohammed El-Neny (Arsenal), Ahmed Hassan (Braga), Ramadan Sobhi (Stoke), Ahmed Elmohamady (Aston Villa) e do lendário Essam El-Hadary, de 45 anos de idade.

O Egito está no grupo A, justamente na companhia da anfitriã Rússia, que ainda enfrentará Arábia Saudita e Uruguai. Existe uma luta bastante parelha entre os donos da casa, Egito e Uruguai, sendo os sul-americanos o primeiro adversário. Tecnicamente, os Faraós têm condições de passar de fase, sobretudo pelo fato de ter na figura de Mo Salah, um dos melhores jogadores do mundo atualmente, como o seu grande salvador.

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