Arte de Johnatan Marques.

O que as editoras brasileiras esperam da crise

Alfredo Neto
Sem spoiler
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5 min readApr 8, 2020

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Esta não é nem de longe a primeira crise a bater à porta do mercado editorial. Há tempos, notícias de que as livrarias Saraiva e Cultura estão em recuperação judicial, ou seja, tentando sair de uma crise financeira, estampam as principais manchetes do ramo. Mas, se essa situação com duas empresas de peso já acendia um alerta vermelho nas editoras brasileiras, a pandemia do novo coronavírus (Covid-19) deixou o clima ainda pior. Em matéria do final de março, o jornalista Maurício Meireles da Folha de S.Paulo diz que a crise no setor é “sem precedentes”, apontando no mesmo texto que o cenário, ainda incerto, pode significar queda de 50% no faturamento anual de algumas editoras.

Ainda em março, uma carta aberta assinada por pequenas e médias editoras contestava a decisão adotada por algumas livrarias de suspender o pagamento acerca dos livros vendidos. Como boa parte das vendas ainda acontece pela consignação, o que significa que a editora é paga somente após o consumidor final comprar o produto, os resultados do início do ano deveriam ser repassados somente agora. Com essa “quebra de confiança”, como é descrito no documento, o pagamento foi exigido, podendo até ser cobrado judicialmente caso não o seja feito.

O Sem Spoiler, maior perfil de atualizações literárias do Twitter, relata essa situação quase diariamente. As reações dos leitores demonstram preocupação, e uma delas, que perguntava se isso significaria o fim do mercado editorial, nos deixou muito curiosos e, consequentemente, intrigados. Por isso, nossa equipe procurou profissionais do mercado editorial para entender melhor o impacto dessa pandemia, quais são as medidas que estão sendo tomadas para lidar com a crise e, é claro, responder à pergunta citada acima.

CRISE

“Estamos vivendo uma crise diferente das que atravessamos no passado”, relatou Sônia Jardim, presidente e CEO do Grupo Editorial Record. Um dos maiores conglomerados editoriais da América Latina, o grupo lança aproximadamente 30 títulos por mês e reúne selos como Galera Record, Bertrand Brasil e José Olympio. “A Record com mais de 77 anos passou por inúmeras: planos econômicos, congelamento de poupança, inflação descontrolada, falência de clientes e distribuidores, recuperação judicial de livrarias. […] Esta crise, entretanto, não tem paralelo com nenhuma outra, dificultando nossas previsões para [o] futuro”. Jardim ainda disse que a empresa está trabalhando com vários cenários e prevê “impacto para todos os participantes da cadeia produtiva do livro à nível mundial”.

LANÇAMENTOS

A editora Companhia das Letras, outra gigante nacional, anunciou que todos os lançamentos que estavam previstos para o mês de abril foram adiados. Em nota à imprensa, o compromisso com a cadeia de produção e distribuição do livro foi reafirmado, garantindo que a colaboração com esta será frequente. Até o momento em que esse texto foi publicado, apenas “A Prometida”, de Kiera Cass, mesma autora de “A Seleção”, tem o lançamento confirmado para maio, seguindo o calendário mundial.

Essa decisão não é exclusiva da editora. Mauro Palermo, diretor da Globo Livros, fala que a redução nas vendas durante as próximas semanas pode acarretar no atraso do lançamento de alguns títulos, “sobretudo aqueles cujo leitor-alvo tem mais resistência a comprar pela internet”. Mas uma garantia foi feita para tranquilizar os leitores: nenhum título será cancelado.

Já na Plutão Livros, especializada em ficção científica, o impacto não foi sentido. “A situação da Plutão, felizmente, não mudou tanto assim. Somos uma editora pequena e exclusivamente digital, com títulos principalmente nacionais e preços mais acessíveis do que a média, tudo isso ajuda muito”, conta André Caniato, dono da editora.

PROFISSIONAIS AUTÔNOMOS

Além dos funcionários da própria editora, é comum que freelancers façam trabalhos de revisão, tradução, copidesque e preparação de livros. Eles “são a ponta mais vulnerável da cadeia”, descreve Giovana Bomentre, que trabalha como editora na Morro Branco. Ela também aponta que esses profissionais “já estão tendo sua renda afetada pela diminuição drástica de lançamentos que as editoras se viram obrigadas a fazer”.

Isa Prospero, responsável pela tradução de livros como “Circe” e pela preparação de “Darkdawn”, já começou a ver o reflexo da crise em seus trabalhos: um deles foi cancelado sem previsão de retorno, outro foi adiado. Ela conta que, nas últimas semanas, não recebeu nenhum contato a respeito de novos serviços. “Mesmo com certa normalização no segundo semestre, recebemos o pagamento apenas após a entrega dos trabalhos, que especialmente no caso de traduções podem levar vários meses para serem concluídas”, disse ainda.

SOLUÇÕES

Não há muito a se fazer além de apostar ainda mais no digital. Luara França, editora na Companhia das Letras, citou as ações do departamento de divulgação, como a campanha #LeiaEmCasa e “newsletters, lives no Instagram, um diário de escritores na quarentena, listas de indicação de livros, eBooks gratuitos ou com bastante desconto”. Ela acredita que, nos próximos meses, o foco será em eBooks, audiolivros e conteúdo digital.

Já Bomentre citou o Projeto Cápsula, que desde 2019 lança mensal e gratuitamente textos curtos de escritores como Octavia Butler e Nnedi Okorafor. Ela também alertou que “o momento exigirá que os profissionais do livro conscientizem o público geral dos problemas da pirataria”, tendo em vista que o download gratuito fora de canais oficiais, como Amazon, Play Livros e Kobo, representa um prejuízo grande para as editoras e autores independentes em qualquer circunstância. Ainda que o site garanta que os direitos estão reservados aos respectivos autores e editoras, é importante desconfiar e denunciar em caso de pirataria.

É O FIM?

Mas, então, podemos esperar que a crise signifique o fim do mercado editorial brasileiro? André Caniato acredita que não. “Não vejo chances reais de isso acontecer — mudar, se adaptar, diminuir, sofrer, minguar, talvez uma ou todas essas coisas, mas acabar? Pode me chamar de otimista, mas não acredito que chegará a isso”, ele disse. “Não só porque temos editoras grandes o suficiente para resistir ao baque, apoiadas por multinacionais gigantes, mas também porque pessoas não vão simplesmente parar de consumir livros, então livros não vão parar de ser vendidos.”

É o que outros profissionais acreditam também. Mauro Palermo afirmou que o mercado editorial sairá diferente após a crise, sobretudo o varejo, mas que o livro está mais forte e presente do que nunca. Já Luara França tranquilizou-nos dizendo que, mesmo com a decisão de adiar lançamentos, “[…] é importante lembrar que estamos pensando nos autores (que não teriam espaço em livrarias, já que estão fechadas, e nem poderiam fazer eventos, coisa fundamental para autores nacionais) e nos colaboradores.” Os próximos meses serão duros e difíceis para todos, isso é fato, mas ela ressalta que “é importante que ninguém soe o alarme de incêndio antes da hora.”

Para Sônia Jardim, o cenário mais crítico está relacionado às médias e pequenas editoras, que possivelmente não têm a mesma estrutura financeira que a Record. Ela fala que esse não é o fim do mercado editorial e pensa que “[…] no futuro muitos livros serão escritos sobre estes tempos, da mesma maneira que existem inúmeros livros sobre a Segunda Guerra Mundial”.

Giovana Bomentre deixa uma mensagem final de esperança, porque para ela “[…] a literatura oferece alento e ferramentas para que o atravessemos fortalecidos. É a arte que nos permite ver o mundo por outras perspectivas; não é à toa que sempre me repito dizendo que o superpoder da literatura é a empatia.”

Texto de Alfredo Neto. Edição e revisão de João Rodrigues. Arte de Johnatan Marques.

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Alfredo Neto
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Criador do Sem Spoiler. Leitor. Universitário. Compartilho textos pessoais sobre experiência de leitura.