A Batalha de Nuremberg

João Maria Silva Neto
Sem Clubismo F.C.
Published in
6 min readMay 23, 2018

A cidade de Nuremberg, na Alemanha, foi palco de diversos acontecimentos de suma importância na história. A criação do primeiro relógio de bolso (conhecido como Ovo de Nuremberg), a histórica batalha de UFOs nos céus da cidade em 1561 e principalmente o Tribunal de Nuremberg — talvez o fato majoritário na história, que marcou o sentenciamento dos crimes nazistas do regime de Adolf Hitler e o começo da queda do Nazismo — são alguns fatos marcantes. E é impossível deixar de contar sobre um dos marcos recentes do futebol: A batalha de Nuremberg, nas oitavas de final da Copa do Mundo de 2006 entre as seleções de Portugal e Holanda.

“Foi um jogo intenso, disputado, difícil. Um jogo típico de Libertadores, que é uma guerra.

A frase acima foi proferida por Luiz Felipe Scolari, até então técnico (ou general de seu esquadrão, pode-se dizer assim) da seleção portuguesa após o final do jogo. Pelo teor da frase e de todo histórico envolvendo a competição sul-americana a qual foi comparada, dá para se imaginar o nível da partida, pois raramente se viu uma partida tão disputada, intensa e suja em solos europeus.

Para entendermos um pouco mais da importância dessa partida (principalmente para os portugueses), é necessário relembrar que desde a icônica seleção de 1966, considerada por muitos a geração de ouro de Portugal, com seu homem de frente Eusébio ‘O Pantera Negra’, Portugal não havia tido um desempenho tão satisfatório, caindo nas semi-finais para a seleção francesa. Além do mais, ambas as seleções apresentavam ótimas peças em campo: Figo, Deco, Pauleta de um lado e Van der Sar, Robin Van Persie e Snjeider do outro.

Entremos em campo!

Logo no começo do jogo, Cristiano Ronaldo, até então promessa portuguesa e uma das peças importantes do esquema de Felipão receberia uma entrada de Van Bommel por trás, este, recebendo o primeiro cartão amarelo. 5 minutos depois Boulahrouz entraria com a sola de sua chuteira, de forma brutal nas coxas de Cristiano, levando a estrela portuguesa ao chão. O gajo ainda seria alvo de severas faltas e seria substituído no fim do primeiro tempo. Portugal vendo a grosseria holandesa nas chegadas corpo a corpo também decidiu engrossar, disputando palmo a palmo as bolas e obviamente, ocasionando a série de faltas e cartões do jogo.

A falta causada por Boulahrouz, digna de um cartão vermelho e o qual não foi aplicado, levando Scolari a loucura!

Apesar da seleção holandesa martelar contra o gol português com Robben e van Persie, no minuto 22, Maniche, volante da seleção portuguesa, marcou o que seria o único gol da partida. Cristiano Ronaldo, ainda em campo, lançou Deco pela ponta direita que encontrou Pauleta dentro da área. Usando toda sua genialidade e esperteza, o português deixou para o compatriota Maniche tirar com o corpo 2 holandeses e bater para o gol, deixando o lendário goleiro holandês Van der Sar sem ter o que fazer.

Maniche partindo para a celebração após seu belo gol.

Após o gol, não faltou show de horrores; Costinha chegou dando carrinho em Cocu, recebendo o terceiro cartão amarelo da partida e o primeiro no lado português. No fim do primeiro tempo, Nunu Valente protagonizaria um dos lances mais polêmicos da partida: Uma voadora em Robben dentro da área, o que com certeza era uma situação de pênalti e passível de expulsão para o português… O resultado? Pé alto de Robben e posse de bola para Portugal. Ao fim do primeiro tempo, Costinha, que já figurava entre os personagens negativos da noite interceptou uma bola com a mão e assim ocasionou a primeira expulsão da partida.

Costinha já havia um amarelo e com a interceptação usando a mão, recebeu o segundo.

O segundo tempo guardava cenas ainda piores que as do primeiro no Frankenstadion. A Holanda seguiu atacando e através de Cocu, conseguiu acertar o travessão de Ricardo, goleiro português. Após o raro lance de futebol visto em campo, voltaríamos a ver uma série de brigas: Petit derrubou propositalmente o holandês van Bommel e levou amarelo. Minutos depois, Figo acertou uma cabeçada no mesmo holandês (coitado…) sem que o juiz não reparasse no lance. O mesmo acabou sendo alertado pelo bandeirinha e o resultado disso foi um simples amarelo para o lusitano. A bagunça era tão generalizada que os próprios árbitros não estavam sendo capazes de conter todos os acontecimentos dentro das quatro linhas.

Disputa cabeça a cabeça entre van Bommel e Figo (Reprod: Getty Images)

Novamente Figo foi personagem das faltas e discussões. Ao receber a bola e vendo que o amarelado Boulahrouz vinha por trás, decidiu fazer corpo mole na jogada e valorizando a entrada do lateral holandês, levou sua mão ao rosto, ocasionando o segundo amarelo para a equipe dos países baixos e a primeira expulsão do mesmo lado. Descontente com a decisão do juiz, Boulahrouz conseguiu arrumar uma confusão generalizada de forma que até as comissões técnicas estavam dentro de campo para tentar conter (ou piorar) a briga. Tudo isso ainda no minuto 63 (17 do segundo tempo)…

Fair play pra quê?

A partida seguiu tenebrosa e em um dos ataques holandeses, o goleiro Ricardo sentiu e foi ao chão. A atitude normal e padrão — ainda mais em uma competição como a Copa do Mundo — seria a Holanda jogar a bola para fora porém não foi o que aconteceu. Heitinga puxou um contra ataque e Deco em uma tentativa desesperada tomada pela raiva de parar o jogo entrou com uma tesourada no zagueiro. Cartão amarelo. A decisão errônea do juiz desencadeou mais uma briga e mais dois nomes foram anotados no cartão amarelo: Sneijder e Van der Vaart.

Sneijder (ainda com cabelo) indo pra cima de Petit. (Reprod: Getty Images)

Pode parecer que a partida estava perto do fim. Errado. Ainda viria muita coisa pela frente, muita…

Do minuto 31 ao minuto 35 houveram uma série de acontecimentos negativos na partida. Ricardo levou amarelo após reclamar de um lance. No mesmo minuto, Nuno Valente (ele mesmo, deu voadora em Robben) recebeu o tão esperado amarelo após achar mais conveniente atingir a perna de van Persie do que a bola propriamente dita. No decorrer do lance, Deco quis atrasar o recomeço do jogo e logo foi expulso após receber o segundo cartão amarelo.

Com a Holanda completamente enfurecida e desorganizada, coube a Portugal suportar a pressão como um time brasileiro jogando em território argentino (para efeitos de comparação). Bola vai, bola vem e o tão sonhado gol não saía e assim o desespero holandês aumentava. Nos 5 minutos finais do tempo regulamentar, Portugal conseguiu pressionar, e nesse ato de tentar impor o jogo na reta final, ainda viu van Bronckhorst ser expulso.

Logo após a expulsão, van Bronckhorst sentou ao lado do seu então companheiro de clube no Barcelona Deco, e ficou conversando como se nada do que tivesse acontecido dentro das quatro linhas importasse algo.

Felipão estava no seu limite (bem como todos os jogadores e demais personagens envolvidos na batalha), queria apenas que o jogo acabasse. E após tentativa frustrada de Portugal de liquidar o jogo com Tiago, a Holanda foi para seu último ataque sem sucesso. Aos 51 minutos do segundo tempo, Portugal ganhava seu tiro de meta e assim, acabava uma das mais épicas partidas da história da Copa do Mundo.

Pós partida

Antes, vamos recapitular todas as estatísticas dessa partida, segundo a Wikipedia:

Dados do Datafolha presentes na página do Wikipedia sobre a histórica partida.

Não é novidade para ninguém que após a partida, não faltaram reclamações por parte das duas delegações sobre a arbitragem. Até o polêmico Joseph Blatter, na época presidente da FIFA afirmou que o” juiz mereceu um cartão amarelo por sua atuação e não esteve à altura da partida”.

A partida em questão registrou o recorde máximo de expulsões em Mundiais. Ao todo, foram 4 vermelhos (2 pra cada lado) além dos 16 cartões amarelos aplicados.

Foi sem dúvidas uma noite em que a violência dentro de campo ganhou os holofotes e se tornou protagonista do espetáculo enquanto o futebol virara coadjuvante.

A celebração lusitana no palco de guerra. (Reprod: Reuters)

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João Maria Silva Neto
Sem Clubismo F.C.

21. Designer e fundador do @SemClubismo_FC. Editor e escritor no mesmo.