A maior final de Champions League do século?

Sem Clubismo F.C.
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10 min readJun 13, 2020
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Se você pudesse montar uma final de futebol épica, quais elementos colocaria? Talvez grandes equipes, muitas chances de gol, defesas incríveis… Até pênalti perdido poderia entrar na conta. Mas mesmo com toda a liberdade pra imaginar a melhor final da história, é difícil construir um jogo tão memorável quanto a final da Champions League de 2005, em Istambul.

A disputa seria entre dois dos maiores vencedores da competição até então: o Milan tinha 6 conquistas e o Liverpool, 4. Só o Real Madrid estava na frente. Pra se ter uma ideia: o Barcelona, hoje com 5, tinha só UM título na época. A final seria disputada entre gigantes do continente.

Mas esse equilíbrio não se refletia no papel: enquanto o Liverpool, bem à sua maneira, se classificou no sufoco da última rodada, em um confronto direto com o Olympiakos, o Milan foi líder de uma chave que tinha o Barcelona de Ronaldinho no auge. No mata-mata, os Reds passaram por Leverkusen, Juventus e Chelsea, já o time o italiano eliminou United, Inter de Milão e PSV.

Apesar de ter vencido grandes equipes, como um milionário Chelsea que estava flertando com a compra do Gerrard, porém, o Liverpool chegou como azarão à final. Pra entender, basta olhar o time titular dos dois finalistas.

Será que se o Lucas Lima tivesse ficado no Santos teria ganhado uma Libertadores com o Peixe?

O Milan entrou em campo com Dida; Cafu, Stam, Nesta e Maldini; Pirlo, Gattuso, Seedorf e Kaká; Shevchenko e Crespo. O treinador era Carlo Ancelotti, que já empilhava títulos pelos rossoneros. O Liverpool iniciou a final com Dudek; Finnan, Carragher, Hyypiä e Traoré; Xabi Alonso, Luis Garcia, Gerrard e Riise; Kewell e Baros. Era treinado por Rafa Benítez, que, a despeito de suas qualidades como treinador, tem um gosto especial por perder Mundiais de Clubes para times paulistas com o jogador ZIDANILO no time titular.

O zagueiro Carragher, ídolo do time inglês, já afirmou que “o Milan tinha não só os melhores jogadores da época, mas alguns dos melhores jogadores da história”. Foi nesse contexto que o jogo começou: tendo o Milan como franco favorito. E esse favoritismo ganhou forma no primeiro minuto de partida. Depois de falta lateral cobrada pelo Pirlo, Maldini acertou uma espécie de voleio pra abrir o placar.

Quando é acrescentada uma característica ao voleio (meio voleio, espécie de voleio) geralmente é porque não foi tão bonito assim. Mas o gol do Maldini tem seu charme.

Até aquele momento, só uma vez na história uma equipe havia aberto o placar tão cedo numa final de Liga dos Campeões. Curiosamente, 14 anos depois, o próprio Liverpool faria o primeiro gol da final também no começo de jogo, aos 2 minutos, com Salah.

“Foi uma das melhores partidas que um time meu já fez”, disse Carlo Ancelotti, se referindo ao primeiro tempo. Foi avassalador. Quer dizer, o placar de 1 a 0 até que durou muito tempo e o Milan não agredia tanto, mas sempre que chegava perto da meta defendida pelo Dudek, levava muito perigo.

E a maioria das jogadas saíam dos pés de Pirlo e Kaká. O brasileiro, apesar de não ter marcado gol, foi o melhor jogador do primeiro tempo. Com arrancadas sublimes e enfiadas de bola milimétricas, foi dele o passe para o gol anulado de Shevchenko, que estava impedido. Ele também deu a pré-assistência — o passe que quebra a defesa adversária — para o segundo gol do Milan e um lançamento absurdo pro Crespo fechar o placar do primeiro tempo em 3 a 0, tendo marcado dois gols no final da etapa. O zagueiro Carragher, em entrevista, já disse que o Kaká era mais rápido com a bola do que sem ela.

A Champions League do Kaká seria outra, mas não é o que parecia. “Antes do jogo, a gente já sabia que estaria enfrentando um time melhor que o nosso. E aí chega no intervalo e estamos perdendo por 3 a 0”, disse Jamie Carragher, que também afirmou que “poderia ser 5 ou 6”.

Mas o Cissé disse que o discurso do Gerrard no vestiário mudou o panorama da partida: constatou que o meia inglês pediu pra comissão técnica se retirar, deixando só os jogadores no vestiário. O atacante francês falou que o capitão contou um pouco de sua história com o clube e disse que se o Liverpool fizesse o primeiro gol antes dos 15 do segundo tempo, eles venceriam o jogo. “Ele deu o melhor discurso de capitão que eu já vi na minha carreira”, afirmou Cissé. Carragher diz não lembrar que esse discurso tenha sido dessa forma, então não dá pra saber o que, de fato, aconteceu.

Porém, uma coisa que aconteceu e foi providencial para a retomada foi a alteração tática de Rafa Benítez. Sacou o lateral Finnan, que não queria sair, mas foi inclusive impedido pelo departamento médico de voltar, para colocar o volante Hamann, transformando o esquema em um 3–5–2, para se proteger principalmente de Kaká, que estava encontrando muito espaço nas entrelinhas.

Segundo o goleiro polonês Dudek, o treinador também contribuiu com um discurso: “Esquece o primeiro tempo. Vocês têm que fazer o primeiro gol. Quando fizerem o primeiro gol, eles não vão se desesperar, porque é o Milan. Mas aí você tem que marcar o segundo gol logo em seguida. Aí eles vão se desesperar. E vocês fazem o terceiro.”

Depois de discursos e mudanças, o Liverpool voltou a campo com You’ll Never Walk Alone, canto característico da torcida deles, nas alturas. O segundo tempo começou e o Milan quase abriu 4 a 0 com um balaço do Shevchenko, que não entrou por conta de uma boa defesa do Dudek. Antes disso, na verdade, o Xabi Alonso já havia assustado a meta do Dida com um chute rasteiro de fora da área.

Você sabia que a música também é cantada por torcedores do Borussia Dortmund, do Celtic e do Mogi Mirim*, do interior do estado de São Paulo? *Informação não confirmada.

Mas aí o milagre de Istambul começou. Aos 9 do segundo tempo, o capitão Gerrard diminui o placar com uma cabeçada linda, sem chance alguma pros quase 2 metros de altura do Dida. Mas o Milan ainda estava tranquilo. Afinal, era o Milan. O zagueiro Carragher disse: “Não acho que o 3 a 1 tenha dado esperança, mas fez o resultado ficar mais ‘respeitável’ no placar”.

Só que veio o segundo, logo depois, assim como havia orientado Rafa Benítez. Aos 11 minutos, um chute semelhante àquele do Xabi Alonso, que tinha ido pra fora, entrou. E foi do Smicer, que havia entrado ainda no primeiro tempo, substituindo o meia-atacante Kewell, que saíra lesionado. O curioso é que ninguém comemorou o gol com ele imediatamente, de tão focados que estavam em empatar a partida.

E empataram. Pouco mais de 3 minutos depois, o zagueiro Carragher, da intermediária, achou um passe vertical para o atacante Baros, que tinha Milan no nome e pouco havia feito na partida. Mas só precisava de um calcanhar: uma deixadinha IMORAL para Gerrard, que chegava na cara do gol e foi derrubado por Gattuso. O juiz marcou pênalti, causando revolta em ambos os times: os italianos argumentavam que não tinha sido falta e os ingleses pediam a expulsão do meia, que não era conhecido exatamente pelo jogo limpo. Sem VAR, sem expulsão, mas com pênalti, o natural seria que Gerrard fosse cobrar a penalidade. Mas não foi isso o que aconteceu.

Fora o passe de calcanhar, a outra grande marca que o Baros deixou na história foi em uma avenida da França, ao bater o recorde de velocidade em uma via (mais de 250 km). Ele foi multado, é claro.

Rafa Benítez havia determinado que Xabi Alonso, que nunca havia batido um pênalti na CARREIRA enquanto profissional, seria o cobrador. Como se não houvesse limite para a grandiosidade daquela final, o Dida pegou a cobrança, mas o próprio Xabi Alonso mandou para o fundo das redes no rebote. O milagre tinha acontecido: em 6 minutos, o Liverpool havia zerado uma vantagem de três gols.

No segundo tempo ainda teve chutaço do Riise com boa defesa do Dida, bola tirada em cima da linha pelo zagueiro Traoré, do Liverpool, Kaká travado na pequena área, sem goleiro, pelo Carragher e uma cabeçada pra fora do Kaká, de dentro da pequena área, no final do segundo tempo, com o jogo em 3 a 3. Não chegou a ser uma chance perdida porque a bola chegou muito rápido pro meia, mas foi mais um momento incrível da partida.

Assim como na Mercosul de 2000, a Champions de 2005 foi uma final continental com uma retomada histórica após 3 a 0 consolidado no fim do primeiro tempo. Mas na Europa não teve gol do Tuta.

O jogo ia, enfim, pra prorrogação. Carragher, que foi um gigante na partida, disse, anos depois, que “a ideia era levar pros pênaltis mesmo, a gente não conseguia competir com aquele time de igual pra igual naquela altura”.

A prorrogação começou com Tomasson e Serginho, jogadores colocados em campo pelo Ancelotti ao final do segundo tempo, roubando a cena. O primeiro deles, no começo do tempo extra, furou uma bola na pequena área cara a cara com o Dudek, desperdiçando a chance de retomar uma vantagem. O lateral brasileiro Serginho, por sua vez, era um dos mais participativos do ataque do Milan. Saíram dos pés dele os cruzamentos mais perigosos: o mais memorável deles foi aos 12 minutos do segundo tempo da prorrogação.

Serginho encontrou, em um cruzamento certeiro, a cabeça de Shevchenko, que finalizou para uma defesa espetacular do Dudek, que deu rebote. A bola sobrou para o Shevchenko fuzilar para dentro das redes, mas o goleiro fez outra defesa inacreditável, garantindo a decisão nos pênaltis. Em uma enquete de 2011 feita pela UEFA, essa defesa foi eleita como o maior momento da história da competição, superando o gol de voleio do Zidane em 2002 e o gol de Solskjaer no apagar das luzes em 1999.

O Shevchenko do bregafunk não perderia aquele gol.

O impossível havia acontecido. Não é como se o primeiro tempo tivesse sido do Milan e o segundo do Liverpool. Não é como se as duas equipes tivessem jogadores do mesmo nível técnico ou com o mesmo valor de mercado. “Se você tirar aqueles 6 minutos do jogo, eles tiveram uma das melhores performances já vistas, mesmo depois do 3 a 3”, disse o ídolo Carragher.

Mas ainda teria os pênaltis. O time do Liverpool já era vencedor por ter chegado até ali. Afinal, o Milan tinha um dos maiores pegadores de pênalti da história. Só que pouco antes do início das cobranças, o treinador Rafa Benítez deu instruções para Dudek sobre como batiam os jogadores do time italiano e Carragher, sempre ele, falou para o goleiro “fazer o Grobbelaar”, que era o goleiro do Liverpool na final de 1984, quando os Reds ganharam da Roma nos pênaltis. Em uma das cobranças, Grobbelaar fez aquela dancinha e o cobrador perdeu. Por sinal, ele também foi o goleiro titular em dezembro de 81, quando certo time brasileiro colocou os ingleses na roda.

E começou a cobrança de pênaltis: a dancinha pitoresca foi repetida pelo Dudek 21 anos depois. Na primeira cobrança do Milan, Dudek ficou pulando de um lado para o outro e Serginho isolou a bola. Hamann, que havia entrado no primeiro intervalo, fez 1 a 0 para o time inglês. Depois de fazer a dancinha e se adiantar o equivalente a uns três quarteirões, Dudek defendeu a cobrança do Pirlo. Cissé, outro jogador que entrou no decorrer da partida, converteu e abriu 2 a 0 de vantagem para os Reds, que estavam com a mão na taça.

Mas nada nessa final é tão simples. Tomasson diminuiu para o Milan e Riise, o norueguês que tinha um CANHÃO no pé, tentou bater colocado e o Dida não perdoou. Ele não chegou a bater mal, como um certo atacante brasileiro que já namorou a filha do ex-proprietário do Milan. Para completar, Kaká não desperdiçou, apesar das provocações MALEMOLENTES do Dudek, que com certeza seria tiktoker na época: 2 a 2. Tudo igual, mas o Liverpool ainda tinha uma cobrança a menos.

Era a hora do herói improvável: SMICER, que já sabia que ia se transferir ao final da temporada converteu a quarta cobrança, fazendo 3 a 2 pro Liverpool. 3 gols de jogadores que saíram do banco. Se houvesse a quarta substituição na época, acredito que o Riise nem cobraria.

Shevchenko, o craque ucraniano que tinha cobrado o pênalti decisivo no título contra a Juventus — em cima do Buffon — em 2003, tentou fazer a batida de SEGURANÇA, mas o Dudek, apesar de ter esperado até o último segundo mas ainda pulado pro canto, esticou o braço e pegou o pênalti, batido no meio.

Sério mesmo, você acha que esse homem se deixaria levar pelas provocações do Dudek? (Eu acho que o Shevchenko é o da esquerda, mas não consegui uma confirmação. Já foi mais fácil obter informações na internet).

O goleiro disse que quando viu o time inteiro correr em direção a ele, sabia que aquele era o momento mais feliz da carreira dele. O quinto título de Champions League do Liverpool é a coroação de Gerrard, que estava cotado para ir ao Chelsea. Recentemente ele declarou que o assédio do clube londrino o fez balançar, sim, na época. Mas ele escolheu ficar.

E apesar da final entre Monaco e Porto do ano anterior também ter sido icônica pelo simples fato do meia CARLOS ALBERTO ter marcado gol, Liverpool x Milan em 2005 foi a maior final de Champions League do século, quiçá da história.

Referências:

https://twitter.com/dlm2131978/status/1264106664027992064

https://twitter.com/dlm2131978/status/1264108063272972289

https://www.mg.superesportes.com.br/app/noticias/futebol/futebol-internacional/2016/04/22/noticia_futebol_internacional,334390/ex-liverpool-goleiro-dudek-comenta-sobre-rafa-benitez-ja-quis-bater-em-sua-cara.shtml

https://www.joe.co.uk/sport/steven-gerrard-2005-champions-league-final-instanbul-115138

https://www.youtube.com/watch?v=KiMbZwhdnTI

https://www.thisisanfield.com/2018/09/djibril-cisse-explains-steven-gerrards-inspirational-half-time-teamtalk-in-istanbul/

https://trivela.com.br/assistimos-na-quarentena-o-milagre-de-istambul/

https://trivela.com.br/titulo-da-champions-foi-momento-de-cura-para-gerrard-por-aquela-escorregada-eles-estao-felizes-de-novo/

https://pt.wikipedia.org/wiki/Bruce_Grobbelaar

https://www.youtube.com/watch?v=gL2Bcp5tWrg

https://thefootballfaithful.com/carragher-liverpool-comeback-milan-istanbul-champions-league-final/

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