O jogo mais constrangedor da Seleção Brasileira

Sem Clubismo F.C.
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5 min readJul 7, 2020
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Recorde de público no Maracanã, seleção precisando de um empate para ser campeã do mundo pela primeira vez. 1 a 0 para o Brasil. Festa nas arquibancadas. De uma hora para outra, tomamos a virada. E perdemos um título que estava em nossas mãos. Mas isso não foi uma vergonha. Ou pelo menos não deveria ser. O time do Uruguai tinha excelentes jogadores e uma fatalidade impediu o primeiro título mundial da seleção brasileira. O goleiro Barbosa, negro, foi perseguido até o último dia de sua vida. Mas em outra Copa, depois dessa, a seleção protagonizou um dos momentos mais constrangedores de sua história. E eu não tô falando do 7 a 1. Foi em 1954, na Suíça. Mas também não foi na eliminação, quando o Brasil perdeu para uma forte equipe da Hungria.

O trauma da derrota de 1950 reverberava na Suíça: um dos fatores determinantes para a derrota contra o Uruguai foi a falta de garra, segundo a imprensa e a própria delegação de 1954. O futebol uruguaio era, para os cartolas da CBD, o modelo a ser seguido.

E o clima parecia de guerra: antes da delegação brasileira embarcar para a Suíça, Getúlio Vargas, meses antes de se suicidar, deu um discurso inflamado: ele teria dito, entre outras coisas, que “vocês representam a força e resistência da raça brasileira” e “se perderem, quem perderá é o Brasil. Se vencerem, será do Brasil a vitória!”

Para se ter uma ideia do espírito ufanista que cercava os jogadores, o supervisor da delegação brasileira em Zurique, Luiz Vinhaes, andava pelos corredores com uma bandeira nacional nas mãos. E antes dos jogos, ele obrigava todos os jogadores a beijá-la, sob a pena de serem acusados de comunistas.

Luiz Vinhaes havia sido o técnico da seleção na Copa de 1934. A presença dele em 1954 é tipo o Parreira em 2014, mas na Suíça não teve carta da Dona Lúcia.

Além disso, os jogadores sentiam muita falta da família e do Brasil. A chefia da delegação proibiu jornalistas na concentração, ou seja, os jogadores ficaram longe até de outros brasileiros. A esposa do Didi, porém, conseguiu viajar à Suíça, mas foi impedida de entrar na concentração por um dos cartolas da CBD. O jogador chegou a decretar greve de fome em protesto.

O Nilton Santos, sabendo disso, passou a contrabandear comida pro seu parceiro, pra “greve” surtir efeito sem que o Didi ficasse sem comer. Na foto, entre os dois, é só o Garrincha.

Na Copa de 1950, o Brasil estreou goleando o México, e foi do mesmo jeito em 54, contra a mesma seleção. E outra situação que se repetiu 4 anos depois da Copa de 50 foi o confronto Brasil x Iugoslávia no fechamento do grupo. Até alguns jogadores eram os mesmos. Só que na Copa da Suíça a FIFA inventou um regulamento onde os grupos tinham 4 seleções, mas cada equipe só jogaria 2 vezes. Uma terceira partida só seria realizada em uma possível situação de desempate. Brasil x Iugoslávia era, portanto, o segundo e último jogo previsto daquelas seleções na fase de grupos.

Toda Copa do Mundo tem esse jogo: última rodada da fase de grupos, duas seleções empatam e se classificam juntas. Foi isso o que aconteceu com o Brasil na Copa de 1954, na Suíça. O problema foi que a seleção brasileira entrou em campo sem saber disso, e protagonizou uma das cenas mais constrangedoras da história das Copas.

A angústia acumulada dos jogadores brasileiros foi derramada nesse confronto. O primeiro tempo terminou em 0 a 0, o que só acentuou a preocupação dos atletas. Para eles, e para toda a delegação, só a vitória classificaria a seleção canarinho.

No vestiário, o clima estava tenso: os dirigentes da CBD trataram de acirrar ainda mais os ânimos, conclamando o time à vitória. E tudo piorou quando começou o segundo tempo: aos 6 minutos, a Iugoslávia abriu o placar. O que era uma preocupação virou um drama.

Os jogadores brasileiros passaram a correr ainda mais, de maneira desordenada e desesperada. E conseguiram empatar, aos 24 do segundo tempo, com Didi. O empate voltava a classificar as duas seleções, e a Iugoslávia, sabendo disso, diminuiu o ritmo. Só que a seleção brasileira, achando que precisava da vitória para avançar às quartas-de-final, não tirou o pé.

Os iugoslavos gesticulavam sem parar em uma tentativa de fazer com que o Brasil diminuísse o ritmo, mas não adiantou. Em certo momento, o meia Cajkovski arriscou umas palavras em espanhol, mas o time brasileiro interpretou como uma provocação e não parou de correr atrás da vitória. Isso fez com que os adversários também tivessem que correr, já que uma eventual derrota da Iugoslávia forçaria o terceiro jogo para eles.

“Não faz outro logo, porra”, teria dito Cajkovski.

Até que a partida acabou em 1 a 1, classificando as duas equipes. Mas os brasileiros ainda não sabiam disso, e aconteceu a cena constrangedora: por um lado, brasileiros deixaram o campo em clima de velório, pensando que haviam sido eliminados. Por outro, iugoslavos comemoravam, sem entender nada do que estava acontecendo com os jogadores do Brasil.

Só depois de chegar no vestiário a seleção brasileira descobriu que tinha se classificado. O problema, além da vergonha e do constrangimento protagonizado pela seleção, foi o imenso desgaste físico causado pela correria em excesso. E isso se tornou uma preocupação ainda maior quando um sorteio definiu que o adversário nas quartas-de-final seria a poderosa seleção da Hungria.

A GERAÇÃO BELGA do século 1950.

O Brasil jogou muito desgastado contra a Hungria, que marcou 2 gols logo no início da partida. Mas a gente não jogou mal. Ficou 4 a 2, com chances para os dois lados, erros de arbitragem, campo encharcado, pancadaria, chuteirada na cara do ministro do esporte da Hungria e até acusação de complô comunista para prejudicar o Brasil. A Batalha de Berna, como ficou conhecido esse confronto contra a Hungria, é até hoje um dos jogos mais memoráveis da história das Copas. Mas nem todo mundo sabe que, nesse jogo, a seleção brasileira estava muito desgastada simplesmente por não conhecer o regulamento da competição

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