Será que controle do vestiário é realmente melhor que o conhecimento do treinador?

Bruna Mendes
Sem Clubismo F.C.
Published in
6 min readOct 2, 2019

Há um ano, após a goleada sofrida contra o rival Barcelona, Sergio Ramos, zagueiro e capitão do Real Madrid, disse que a relação do treinador com o vestiário e com os jogadores é mais importante que o conhecimento do mesmo.

Nessa mesma época, Lopetegui estava balançando no cargo e muito se falava sobre Antonio Conte ser uma “solução” para a equipe merengue, que se tornou muito instável com o treinador espanhol. Na zona mista o capitão ainda deixou claro que respeito é conquistado, não imposto, e isso deixou margens para interpretações.

Depois de toda essa confusão e poucas respostas em campo, Lopetegui acabou sendo demitido, e no fim das contas não veio nenhum outro treinador de nome. Santiago Solari, treinador do Real Madrid Castilla na época, foi chamado para a reposição. Nesse tempo o argentino teve algumas conquistas, como, por exemplo, o desenvolvimento excelente de jovens do elenco, mas acabou sendo demitido por conta do desastre contra o Ajax em pleno Bernabéu.

A contratação de um técnico de grande porte era cada vez mais falada na imprensa mundial e não tinha muito do que fugir. Estava bem óbvio do que o Real Madrid precisava. Pochettino, bem empregado no Tottenham e seguindo um caminho glorioso na Champions League não quis sair. Antonio Conte já não era mais opção e se tornara treinador da Internazionale logo depois. O alemão Jürgen Klopp estava fazendo chover em Liverpool, não teria porque pegar uma bomba, mesmo que seja o Real Madrid, e era mais um fora de cogitação.

Como a imprensa compartilhava, era evidente que um técnico de mais respaldo era a escolha correta para o clube, muito por conseguir de volta uma imposição dentro de um vestiário totalmente consagrado, com jovens para se lapidar e na tentativa de recuperar os tempos de glória nos gramados — coisa que Lopetegui e Solari não conseguiram 100%. José Mourinho era um dos nomes mais citados e até chegou a rolar negociação para o retorno do português, mas o time dá dois passos para trás e anuncia a volta de Zidane como treinador. E eu vou lhe explicar porque isso foi um retrocesso.

Com o retorno do tricampeão houve muita festa, torcedores comemorando e tudo mais. Mas será que realmente pensaram que a volta do francês era a solução para um time com medalhões em baixa e jovens com grande potencial?

Voltemos ao que o capitão Sergio Ramos falou na zona mista. O que importa mais para você: a relação treinador/vestiário ou instrução dentro das quatro linhas?

O que Zidane fez desde 2016 ninguém contesta, mas sabemos que ele não é o técnico mais genial do mundo quando se trata de estratégia e técnica. Sua principal conquista, fora títulos, foi tirar o máximo de cada jogador daquela equipe, e não tem tática no mundo que explique os jogadores merengues nas noites de Champions League enquanto treinados por ele.

Com ressalvas da temporada 2016/17 que foi quase perfeita, o time foi muito acima da média na competição europeia, mas em partidas nacionais teve um desempenho discutível no último ano do francês. A irregularidade atrapalhou a equipe em boa parte dessa última temporada de Zidane como treinador, e o desempenho foi bastante desagradável durante os jogos, chegando na grande final só Deus sabe como. Até as oitavas ninguém dava nada pelo time espanhol, momento quando foi colocada em questão uma possível demissão, mas aos trancos e barrancos, acabou sendo campeão europeu. Três dias após o título o mesmo pediu demissão e disse:

“Eu tomei a decisão de não continuar como técnico do Real Madrid. Esse time precisa de uma mudança para continuar vencendo, precisa de outro discurso, outra metodologia de trabalho. Depois de três anos, é uma decisão minha, e posso errar, mas acho que é o momento. Não vejo de forma clara que vamos seguir ganhando. Não vejo as coisas claras como eu quero. Chega um momento que se diz que é melhor mudar para não seguir e fazer besteiras”.

É nítido que Zidane tem um respeito dentro do Real Madrid, por tudo que conquistou nos anos que comandou a equipe e por ser a personalidade que é. Como disse, ninguém nega os seus méritos em potencializar cada jogador daquele elenco, mas suas palavras não se tornam contraditórias ao voltar em menos de um ano e manter o mesmo ideal que, na opinião do mesmo, estava desgastado?!

O clube tem um propósito atual que é colocar o futuro e o presente no mesmo plano, desenvolver os jovens e transformá-los em grandes jogadores dentro da equipe, mas também tratá-los além de meros coadjuvantes nesse tempo, e isso explica o alto investimento nos brasileiros Rodrygo e Vinícius, por exemplo.

Rodrygo e Vinícius Jr. custaram quase 100 milhões aos cofres merengues.

A volta de Zidane acaba sendo uma resposta a curto prazo da diretoria que viu o clube desmoronar após a saída do mesmo, e de Cristiano Ronaldo, claro. Porém o contexto atual já era outro. Como Zidane disse em 2018, ele não poderia mais tirar nada do seu elenco, e o melhor para a equipe seria uma mudança dentro da parte técnica, considerando também os jogadores, nesse caso uma revolução. Revolução. Essa palavra… Desde o retorno, foi, com certeza, o termo mais falado na impressa e nas redes sociais.

A ilusão de que teria toda uma reformulação na equipe era gigante e não era por menos. Contratações pontuais, jovens hypados, uma grande estrela, um artilheiro que já é realidade, obviamente não era para se esperar pouco disso tudo, não estava errado quem esperou, o grande ponto é a volta de um treinador que se dizia desgastado e a imposição dessa mudança em campo. Nada mudou. Mesmo depois de tudo que disse, Zidane volta, com mais peças para seu elenco, e não as usa.

“Não há jogadores jovens ou velhos; há bons e ruins” — Santiago Bernabéu

O enredo é mantido, toda uma hipocrisia é colocada em questão. Os mesmos jogadores de três anos atrás em campo e alguns deles tirando cada vez mais minutos dos jovens — que já deveriam estar em ascensão. A desculpa de ir aos poucos com os garotos é usada por aqueles que têm medo de colocá-los, se estão bem, que joguem.

O roteiro da temporada passada se repete, jogos ruins, treinador questionado, a equipe dá alguns respiros, vence partidas, relaxam e voltam aos jogos ruins. Essa é a regularidade que o clube quer para voltar a vencer a liga? Qual o REAL projeto dessa equipe? Qual é o ponto de Zidane ao retornar? Por que voltou se as ideias deixadas após pedir demissão se dispersam das que atualmente impõe?

São tantas perguntas que não dá para ver um futuro dessa equipe com o treinador francês mantendo a atual linha de trabalho. ‘La flor’ se foi, ou talvez ela nunca tenha existido de fato.

Sergio Ramos está certo?

O que fica para refletir é se a mensagem que Ramos quis passar um ano atrás é de fato o que vale e importa. A melhor opção para o Madrid não era um domador de egos, por favor. Tudo que um clube precisa é de um treinador que colocasse novas ideias, e que além de vencer, faça o time jogar futebol, pois o futuro nos pertence.

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Bruna Mendes
Sem Clubismo F.C.

Uma vez na vida outra na morte escrevo sobre umas coisa daora aí.