Sport Club Atibaia: do anonimato a um passo da elite do futebol paulista

Matheus Jacomin de Moura
Sem Clubismo F.C.
Published in
8 min readSep 19, 2018

Atibaia é uma pacata cidade do interior paulista, de aproximadamente 140 mil habitantes, conhecida muito mais pelo suposto sítio do ex-presidente Lula do que por qualquer outra coisa. Para olhares de fora, um paraíso a pouco mais de uma hora da maior cidade do Brasil.

De fato, a cidade é sim muita bonita e calma, mas também sofre seus problemas como qualquer outro município brasileiro. Integrante da segunda região mais pobre do estado de São Paulo, os moradores anseiam por dias melhores no que diz respeito à infraestrutura.

Com 353 anos, a cidade se destaca como a mais velha da região bragantina. Em compensação, o clube de futebol profissional da cidade, o Sport Club Atibaia, foi fundado apenas em 2005, muito depois do tradicional Clube Atlético Bragantino (1933), equipe da cidade vizinha Bragança Paulista, e do Piracaia Futebol Clube (1912), um dos poucos clubes de futebol amador com mais de 100 anos de existência.

Antes de o Falcão(mascote da instituição) erguer voo, os moradores da Terra das Flores e do Morango acompanhavam o São João Futebol Clube, que disputou a 4ª divisão em 1963 e 1965, e o Grêmio Esportivo Atibaiense, com quatro participações no terceiro nível do futebol paulista durante a década de 1980.

Turística, a Estância de Atibaia tem como ponto conhecido a Pedra Grande, ao fundo na imagem (Portal da Cidade Atibaia)

Apesar de seus tímidos 13 anos de existência, o clube conquistou, em 2018, o título da Série A3 e consequentemente, o acesso para a Série A2 do Campeonato Paulista — fato inédito na história do esporte da cidade. Entretanto, a rápida ascensão no cenário estadual não pode ser confundida com momentos de tranquilidade e um planejamento exemplar. A vaga para a Segunda Divisão veio à base de muito suor de jogadores, diretores e torcedores, que diversas vezes tiveram que viajar de ônibus por horas e horas para representar o Falcão nos quatros cantos do interior paulista.

Um desses torcedores é Gabriel Milani, um jovem de 20 anos, apaixonado por futebol e pelo Atibaia, que tive o prazer de conhecer nessas idas e vindas como estudante de jornalismo. Membro e Assessor de Imprensa da torcida organizada “Guerreiros do Falcão”, Gabriel acredita que o principal diferencial do time para os outros é o apoio da torcida: “Eu dou bastante crédito à torcida porque muitos jogadores quando vinham vestir a camisa do Atibaia, olhavam para aquele estádio vazio, sem muito apoio e eles jogavam para cumprir o trabalho deles, mas a torcida veio como um gás a mais, uma motivação a mais para eles”.

O lema da torcida organizada Guerreiros do Falcão é Raça, Humildade e União (Arquivo Pessoal)

A torcida “Guerreiros do Falcão” foi fundada em 2008 e desde então acompanha as partidas da equipe. Com aproximadamente 1200 curtidas em sua página no Facebook, a torcida é, de fato, composta por verdadeiros guerreiros. A partir de meados de 2015, o Sport Club Atibaia foi impedido de mandar seus jogos no Estádio Municipal Salvador Russani devido a sua baixa capacidade.

Com isso, os torcedores da cidade, que muitas vezes iam caminhando até o tradicional bairro do Alvinópolis onde está localizado o estádio, tiveram que encarar longas viagens para acompanhar os laranja e brancos em Guarulhos, Itapira e principalmente Indaiatuba — cerca de 100km de Atibaia.

Para Mário Gonçalves, paulistano de nascença, mas atibaiano de coração, é desanimador o fato de o Atibaia jogar suas partidas distantes de sua verdadeira casa: “Eu acho muito triste desde 2015 o time estar jogando fora da cidade, isso é horrível para o clube, que perde a identidade da própria cidade. Eu acho lamentável o clube jogar fora, isso distancia o torcedor.” A maioria dos confrontos passou a ser disputada no Estádio Ítalo Mário Limongi, do Primavera FC. Mesmo separados por mais de uma hora de viagem, Gabriel acredita na força e união da torcida. “Mesmo em pouca quantidade, a torcida sempre se une para estar presente, manda um representante”, diz o jovem.

Um clube a frente do tempo de sua própria cidade

Em 2015, o Atibaia disputava seu primeiro ano no terceiro escalão do futebol paulista. Em uma campanha surpreendente, o elenco terminou a 1ª fase da competição na segunda colocação com 32 pontos, atrás somente do conhecido Juventus da Mooca.

Duas goleadas foram marcantes durante a fase inicial. A primeira delas na tarde de 18 de março,quarta-feira, quando ainda jogando no Salvador Russani, os donos da casa venceram o Santacruzense por 5 a 0. Posteriormente, a derrota por 4 a 1 para o Votuporanguense fora de casa levaria o técnico Luis Muller, responsável pelo acesso da Série B para a A3 no ano anterior, a ser demitido.

Os oito melhores colocados se classificaram para a Segunda Fase. Nela, os participantes foram divididos em dois grupos com quatro times cada. O primeiro lugar de cada grupo subiria para a Série A2 e disputaria a final, já os segundos colocados teriam de se contentar somente com o acesso. Jogando distante de Atibaia, a equipe chegou na última rodada com chances reais de classificação para a A2: bastava derrotar o Barretos Esporte Clube no longínquo Ítalo Mário Limongi.

Momentos finais da decisão contra o Barretos (Rede Vida)

Em duelo conhecido como a “Batalha de Indaiatuba”, por causa de seu elevado número de faltas e suas cinco expulsões, o Atibaia heroicamente conquistou uma suada vitória por 1 a 0. Gol de Tavares aos 46 minutos do segundo tempo.

Se dentro de campo, o Falcão fazia história conseguindo o acesso, meses depois viria o verdadeiro banho de água fria por parte da FPF. A Federação exigia um estádio com capacidade para, pelo menos, 8 mil pessoas em Atibaia. Sem a infraestrutura necessária e apoio do poder público, a equipe teve seu acesso retirado e permaneceu jogando a A3 por mais três anos.

Na Copa SP 2013, a melhor campanha na história no torneio: jogando quatro vezes em casa, chegou até as oitavas de final, sendo eliminado para o Cruzeiro já em São José dos Campos (Arquivo Pessoal)

Um ano depois, um forte temporal, que atingiu a Cidade dos Morangos na madrugada de 6 de junho, destruiu parte da cobertura e do muro do Salvador, como o estádio é conhecido popularmente. Sem qualquer tipo de manutenção no local, a Copa São Paulo de Futebol Júnior — a maior competição de base de todo o Brasil — que tem em Atibaia uma de suas sedes, teve suas partidas realizadas com portões fechados para o público. Um ano mais tarde, mais uma trágica notícia: a cidade que era desde 2013 uma das sedes da Copinha, perdeu o direito de mandar jogos na cidade. Mais uma vez, o futebol morria aos poucos no interior paulista.

Esperança de dias melhores para o clube e a cidade

Ainda sem uma casa, o elenco atibaiense iniciou a temporada de 2018 focado na A3. Em verdadeira disputa de gato e rato com a Portuguesa Santista pela liderança, a equipe do interior encerrou a primeira fase da competição em segundo lugar: 40 pontos, 12 vitórias, 4 empates e apenas 3 derrotas. No mata-mata, dois sofridos confrontos diante do Noroeste de Bauru decretaram a vaga para os laranja e brancos:. 1 a 0 no placar agregado. Na semifinal, duas vitórias contra o forte Capivariano. O acesso estava garantido e a disputa agora seria pelo título.

Salve! Salve! Atibaia querida
Dos teus filhos jamais esquecida!…
Quer no passado, quer no presente
És o orgulho da tua gente!… (trecho do Hino Municipal)

Na final, o rival não poderia ser outro senão a Portuguesa Santista. Em jogo único, realizado em Bragança Paulista, o Atibaia conquistaria seu primeiro troféu em mais uma batalha memorável para todos os torcedores, inclusive para Gabriel. “Meu melhor momento acompanhando o Atibaia, sem dúvidas, foi a final recente (contra a Portuguesa Santista). Na hora que saiu o gol do título passou um filme na minha cabeça, de todas as viagens, divergências, de um dia que furou o pneu do ônibus”, relembra.

Com o time novamente na A2, era necessário dar um passo adiante: em 23 de junho de 2018, após um longo processo burocrático, foi lançada a pedra fundamental da nova rodoviária municipal e do novo estádio municipal. Com capacidade para 10 mil torcedores, o estádio ficará localizado em um terreno as margens da movimentada Rodovia Fernão Dias e deverá ficar pronto entre março e abril do próximo ano — reta final da Série A2. A brevidade da obra se deve ao fato do projeto trabalhar, em sua grande parte, com estruturas pré-moldadas, que reduzem o tempo e o custo do serviço.

Conhecido como “Campo do Alvinópolis”, o local também abriga pista de atletismo e de salto em distância (Fabio Gianelli, Soccer Digital)

A construção da nova arena será feita por meio de uma PPP (Parceria Público-Privada), em que a área do Salvador Russani será cedida para a construtora e em troca, a iniciativa privada se encarregará das obras esportivas e rodoviárias. Milani, que é torcedor do time desde 2014, se mostra bastante otimista em relação a mudança de casa. “Se sair o estádio, vai ser o estopim para o crescimento do Atibaia, se já tivéssemos tido o apoio do poder público antes, em 2013, quando quase subiu, poderíamos estar em uma Copa do Brasil hoje, em competições de nível maior. Saindo o estádio, a população vai ter um atrativo maior no esporte, vai fortalecer a base porque temos campeonatos amadores e de várzea de nível muito forte e pode revelar até craques de Atibaia, vai ser bom para o esporte, cultura, economia e vários setores da nossa cidade”, diz o assessor da organizada.

Projeto de como ficará a nova arena (Divulgação: THS Oliveira Empreendimentos)

Já para Mario, que considera o título da Série A3 o auge da equipe até o momento, o novo estádio é questão de necessidade para os anseios da equipe. “A única opção de o clube subir para a série A2 é construindo o estádio novo. Infelizmente, o Salvador Russani não tem condições, a federação considera que o estádio cabe 5 mil pessoas, mas não é apto para jogar uma A3 ou A2. Eu acredito que o estádio é muito importante, porque é crucial jogar a A2. Se não construírem, o time perde o acesso, como foi em 2015.”

Atualmente, o time joga a Copa Paulista, em que se encontra bem colocado e com boas chances de classificação para a próxima fase do campeonato. Enquanto a nova casa não fica pronta, Indaiatuba continua sendo o principal destino das viagens de uma fanática torcida do interior de São Paulo. O título da competição significaria, além da premiação em dinheiro, a chance de disputar, pela primeira vez em sua história, a Copa do Brasil ou o Campeonato Brasileiro da Série D.

--

--

Matheus Jacomin de Moura
Sem Clubismo F.C.

22. Jornalista e completamente apaixonado por Futebol Insta: matheus_jacomin