Tratar Flamengo e Palmeiras como exemplos é errado

Yuri Laurindo
Sem Clubismo F.C.
Published in
5 min readJan 10, 2019

Calma, antes de qualquer coisa, isso não é uma crítica ao modelo adotado por ambos, pelo contrário. Flamengo e Palmeiras têm, igualmente, ótimas gestões que possibilitaram um crescimento no mercado interno, porém, é necessário mostrar que não são modelos a serem seguidos, principalmente, pela impossibilidade de se copiar gestões com tantas particularidades.

Hoje, os cariocas e paulistas realizam uma verdadeira “rapa” durante janelas de transferências e contratam nomes à peso de ouro, com salários altos, mas sempre com responsabilidade financeira. Isso chama atenção dos rivais, que, muitas vezes, tentam justificar esse equilíbrio nas contas com as chamadas , “mamatas”. Frases como “mama na teta da Globo” ou “só ganha com patrocinadora, se sem a Parmalat caiu, imagina sem a Crefisa” são entoadas nos quatro cantos do país, o que é errado.

O Flamengo recebe uma cota de televisão maior que a dos demais, por, simplesmente, trazer maior retorno a detentora dos direitos dos campeonatos e, mesmo com uma separação igualitária semelhante a da Premier League, que será adotada a partir de 2019, continuará recebendo mais. Além disso, os rubro-negros não dependem única e exclusivamente dessa receita para manter as contas equilibradas. Já o Palmeiras, pode encher o peito para dizer que a Crefisa é responsável por menos de 15% das receitas anuais, o que é, então, a “cereja do bolo” e não é indispensável.

Projeção das Cotas de Televisão em caso de título, em 2019. (Disponível em: http://cassiozirpoli.com.br/a-projecao-maxima-sobre-as-cotas-de-tv-do-campeonato-brasileiro-de-2019/)

Até aqui, somente rasguei elogios aos modelos dos clubes. Elogios merecidos, já que, não à toa conseguem refletir as finanças dentro do campo (não tanto no caso do Flamengo, que amarga frequentes fracassos nos momentos de chegada em diversos campeonatos). Se você veio aqui pelo título, confesso que imagino que você esteja confuso com o conteúdo do texto, mas apresentarei agora o ponto do porquê gestões tão boas não podem ser consideradas exemplos à serem copiadas.

Vamos voltar para alguns anos atrás. No ano de 2013, Paulo Nobre assume um Palmeiras defasado, jogado às traças na Série B, com diversas dívidas nas costas mas com um projeto promissor de Arena, com projeções de alto faturamento. Porém, as contas do clube não tinham a menor condição de serem equalizadas de forma simples, somente com um corte de gastos ou algo do tipo. O gestor, palmeirense fanático, resolve investir no clube com um empréstimo de 150 a 200 milhões de reais sem juros e correção, com um prazo altíssimo para pagamento.

Paulo Nobre saiu com vários títulos nas costas.

Esse “pequeno” empurrão foi ponto vital na recuperação do clube, que, a partir daí, conseguiu modernizar as formas de captação de receitas, investindo na relação com o torcedor e entendendo que ele é o elo entre uma boa saúde financeira e os resultado esportivos. Com a chegada da Crefisa não dá pra negar, o clube alcançou um patamar invejável. A questão, porém, passa pelo empréstimo, algo que é praticamente impossível de se encontrar no atual momento econômico do país e de diversos clubes. Quem vai botar a cara à tapa pelas dívidas do Botafogo, facilmente? Isso não pode ser levado para um todo, por se tratar de uma particularidade.

O Flamengo, por sua vez, veio de diversas administrações horríveis, o que não é surpresa pra ninguém. Gestões com uma receita estrondosa, mas com gastos que beiravam o ridículo e sem a mínima preocupação com dívidas que foram contraídas no passado, chegando até mesmo a aumentá-las. Como esquecer do folclórico mandato de Patrícia Amorim? A gestão de Eduardo Bandeira de Mello deixou essas loucuras de lado, assumiu uma postura de austeridade no discurso, mesmo que nem sempre ela tenha ocorrido. Junto à isso, maneiras de trabalhar com a maior torcida do Brasil e trazer patrocinadores para o clube, pensando sempre no meio da rede social, possibilitaram o aumento das receitas. Bingo.

Engajamento nas redes sociais de clubes da América Latina. via: DeporFinanzas

Hoje, o Flamengo é o clube com maior engajamento em redes sociais da América Latina e está no topo do mundo nesse quesito também, porém… como tratar como exemplo um clube com cifras elevadíssimas de receitas em um ano? O processo de austeridade que levou o Flamengo a esse patamar gerou somente três anos sem títulos (considerando 2014 à 2017, momento em que o clube voltou a gastar). Em que outro clube do país isso seria possível? Pois é, não pode ser tratado como exemplo, quando somente o Corinthians teria uma chance de chegar perto do Fla em números envolvendo torcedores.

Por fim, um grande desafio também surge para os outros clubes, a equação do:

Resultado X Receita X Dívidas

Nos processos de Flamengo e Palmeiras, os torcedores foram importantíssimos para a geração de engajamento, o que possibilitou o crescimento nas receitas dos clubes, porém, sem resultados, no mínimo bons, em campo, essa equação não se fecha. Hoje, uma das maiores fontes de renda dos clubes são a TV e a conquista de torneios. No caso do segundo, só é possível com times de qualidade, muitas vezes não conquistados com um gasto baixo.

Além disso, as receitas que envolvem torcedores também dependem do resultado em campo, mesmo que isso passe por ações de patrocinadores ou que sejam geradas pelo sistema de sócio-torcedor/bilheteria. O engajamento nas redes sociais traz lucro, mas, se o time está a beira de um colapso dentro das quatro linhas, ele será positivo para a empresa que está envolvida nas postagens?

Um exemplo superficial disso é a ação da Uber nas quartas-de-final da Libertadores em parceria com o Cruzeiro, chamada de “Na Cara do Gol”. No duelo contra o Boca Juniors, em que o clube de Minas saiu derrotado, a Uber foi patrocinadora oficial de todas as postagens das redes sociais do clube, além dos vídeos no YouTube. Não sabemos em números o retorno da empresa, nem nada do tipo, mas, sem dúvidas, ele foi menor do que se a Raposa tivesse vencido o duelo. Agora, imagine essa lógica em um clube que luta para não ser rebaixado ano após ano, que deverá manter os gastos baixos pelo sistema de austeridade flamenguista. Seria eficaz?

Modelos como o de Athletico, que consegue aos poucos se estabelecer no grupo dos maiores clubes do país, dando passos em um intervalo de tempo muito alto, finalmente alcançando resultados esportivos exemplares, ou o de Grêmio, que juntando a genialidade de Renato Gaúcho com um trabalho de scout e categorias de base, consegue conquistar títulos e, consequentemente, equilibrar as contas aumentando as receitas com o torcedor e venda de jogadores, são, aí sim, exemplares, podendo ser copiados por diversos clubes da Série A e B do Brasil.

É necessário colocar os pingos nos “I’s”. Particularidades não tornam uma gestão exemplo e ao dizer que as tais não são exemplos, de nenhum forma, estamos rebaixando-as.

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