A expectativa social na construção da subjetividade feminina

Aissa Almeida
Sementes Coletivas
Published in
3 min readMay 20, 2023

A feminilidade diz respeito a um conjunto de crenças, valores e comportamentos associados às mulheres, como fragilidade, submissão, dependência, passividade e emotividade. Reforçada pela socialização de gênero, que ensina as mulheres a se secundarizar e satisfazerem os desejos alheios, ela é uma estratégia patriarcal que conforma as mulheres em seus papéis sexuais, com a finalidade de manter a relação de dominação e exploração estabelecida entre os gêneros.

A socialização feminina é um processo que começa desde cedo. Desde a infância, as meninas são ensinadas a se sujeitar, sendo doces, delicadas e submissas, enquanto os meninos são incentivados à dominação, com o exercício da força, agressividade e assertividade. Lina Meruane, em seu livro “Contra os filhos”, no qual debate sobre modelos de família e maternidade, aponta que:

“{…} a boneca nos braços não é nada inocente: “Ao dar uma boneca de presente a uma menina se está dando, por acréscimo, sua maternidade”, adverte a escritora chilena Diamela Eltit. “Ao dar presente a um menino um carrinho o que se dá é sua capacidade de dirigir. A capacidade de continuar um caminho e encabeça-lo.” Quem não puder dirigir, deverá ser dirigido, e as mulheres são empurradas a seu destino materno” (MERUANE, 2018, p.19)

Consequentemente, é esperado das mulheres que sejam responsáveis pelo cuidado da casa e dos filhos, mesmo quando trabalham fora. Elas são vistas como responsáveis pelo bem-estar emocional da família e são frequentemente julgadas por sua aparência e comportamentos, enquanto os homens são avaliados majoritariamente por suas conquistas profissionais.

Ou seja, as mulheres têm sua subjetividade apoiada no dispositivo amoroso e materno; enquanto os homens, tem sua individualidade baseada no dispositivo de eficácia. A base do dispositivo materno é o “heterocentramento”, pedagogia afetiva que ensina as meninas que devem priorizar os desejos, necessidades e anseios dos outros, em detrimento dos próprios. Ou seja, são vistas e se veem como cuidadoras natas e cuidam muito mais dos outros do que de si mesmas. (ZANELLO, 2016, 2018, 2022).

Em vista disso, o dispositivo materno, conjunto de ideias, valores e expectativas que enfatizam o papel das mulheres como cuidadoras, nutrizes e protetoras, aponta que as meninas e mulheres precisam, sempre, estar disponíveis para cuidar e acolher os outros, sejam familiares, amigos, parceiros, filhos ou, até mesmo, colegas de trabalho e, consequentemente, reforça a ideia de que o cuidado é uma obrigação natural e inquestionável das mulheres.

A explicação tradicionalista sobre a maternidade, por exemplo, tem sua base na capacidade reprodutiva feminina. Ela afirma que essa é a maior meta da vida das mulheres, considerando como desviantes todas as mulheres que não querem ter filhos. Essa visão determinista, com bases biológicas, existe desde a Idade da Pedra e se baseia na noção de “superioridade” natural do homem. Consequentemente, o serviço materno obrigatório é visto como única contribuição cívica da mulher. (LERNER, 2019; MERUANE, 2018)

Referências:

LERNER, Gerda. A criação do patriarcado. História da opressão das mulheres pelos homens. São Paulo: Cultrix, 2019.

MARUANE, L. Contra os filhos. 1ª ed. São Paulo: Editora Todavia, 2018.

ZANELLO, Valeska Saúde mental, gênero e dispositivos. In: DIMENSTEIN M.; LEITE, J.; MACEDO, J. P.; DANTAS, C. (org). Condições de vida e saúde mental em assentamentos rurais. 1. ed. São Paulo: Intermeios Cultural, 2016, p. 23–43

ZANELLO, V. Saúde mental, gênero e dispositivos. Cultura e processos de subjetivação. Curitiba: Appris, 2018

ZANELLO, Va. A prateleira do amor: sobre mulheres, homens e relações. 1. ed. Curitiba: Appris, 2022. 144 p.

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