A Invenção do Dia dos Namorados

Brotinho De Lilith
Sementes Coletivas
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4 min readJun 12, 2023

Originalmente, o dia dos namorados surgiu do mártir de um bispo, chamado Valentim, que lutou contra as imposições de um imperador romano que proibiu o casamento por achar que homens em celibato eram mais eficazes nas guerras. Após ser condenado à morte, o dia 14 de fevereiro, quando foi executado, foi escolhido para celebrar o “amor”, essa história também é recheada de diversos mitos e lendas que servem para justificar a santificação do bispo e a escolha do dia.

Há também a suposição de que a Igreja Católica baniu um festival pagão de Roma, chamado Lupercalia, que acontecia em fevereiro, o transformando, logo, em uma comemoração cristã. Este festival carregava rituais como a “passeata da fertilidade”, no qual os sacerdotes andavam pela cidade batendo nas mulheres com correias de couro de cabra com a justificativa de que aquilo auxiliava na fertilidade.

Estende-se para a história, então, a violência estrutural que ainda hoje o feminismo vem criticando, apesar de algumas dessas histórias, às vezes, serem afloradas para serem vendidas, sobretudo. Ao buscarmos um pouco mais, enxergamos o sistema opressivo se estabelecendo desde o início dessa data “comemorativa”, seja com as mulheres levando chicotadas para serem férteis, ou com a data mórbida escolhida.

E aí nos perguntamos, por que no Brasil é diferente? No Brasil, o dia 12 de junho foi escolhido para ser o dia dos namorados como saída para um período do ano em que as grandes lojas não tinham muito lucro, já que não havia nenhuma outra data comemorativa entre o Carnaval e o dia das mães. Havia, assim, um grande tempo até o próximo pico de vendas no dia dos pais, só em agosto.

Portanto, por motivos totalmente comerciais, o publicitário João Dória, pai do ex-governador do estado de São Paulo, lançou uma campanha publicitária que, mudando algumas coisinhas na história, conseguiu fazer o país todo alterar o dia dos namorados para 12 de junho. Em teoria, o dia foi escolhido, também, pois dia 13 de junho é comemorado o dia de Santo Antônio, conhecido como o santo casamenteiro.

Fica clara, então, a intervenção do capitalismo na reinvenção dessa data, que já era comemorada em outro momento e que por necessidade de lucro das grandes redes de lojas se tornou uma grande comemoração comercial.

Nessa data, desde então, vemos diversas mulheres em relacionamento muitas vezes abusivos, mas que, por hoje ser um dia especial, mais uma vez se veem silenciadas, obrigadas a relevar toda a violência de seus respectivos namorados porque ele trouxe flores. Como já falamos no episódio “Sua ex também é louca?” do Podcast Sementes, a fase da lua de mel é extremamente prejudicial para a vida da vítima de violência dentro de um relacionamento — principalmente se tratando de relacionamentos héteros.

Contudo, isso também se estende para outros formatos, a fase da lua de mel, já que aquele momento logo após a mais recente violência, é o mais propício para a manipulação, ou “gaslighting”, no qual o agressor faz promessas e age como a melhor pessoa do mundo — o que muitas vezes prende a pessoa nesse ciclo vicioso, o da violência.

Assim, é essencial ressaltar que independentemente das evoluções sociais que tivemos, a mulher ainda é vista como capital do homem. Nós sabemos que nossos opressores são os homens porque são eles os beneficiados do sistema patriarcal. Precisamos nos atentar que, não importa o caráter do homem que achamos que conhecemos, estruturalmente ele pode reproduzir comportamentos opressivos, como a manipulação e violência de todos os tipos, padrão do patriarcado, a qualquer momento.

Falamos sobre cultura do estupro, maternidade e todas as questões que nos atingem, mas sempre que as discutimos, discutimos como se fossem distantes, como estudantes do feminismo, nos distanciando, inclusive, do discurso reformista, nos esquecendo de que a socialização não falha para nós, também, assim como para nossos parceiros. Estudando feminismo podemos aprender, principalmente, como a sociedade se reflete nos nossos relacionamentos pessoais.

Ainda hoje, vemos meninas se casando e namorando homens adultos, sendo levadas ao altar por seus pais aos seus futuros maridos. E como não destacar o simbolismo que o casamento carrega? Muito se fala sobre o vestido branco significar a pureza da noiva, mas fora a necessidade de castidade da mulher para garantir herdeiros legítimos aos maridos, há também a figura patriarcal do pai, atual dono da menina, entregando a noiva ao marido, seu futuro proprietário.

Muito se critica culturas que ainda hoje se baseiam na cultura dos dotes para a família da noiva, como se a estivessem comprando, bem como dos casamentos arranjados, mas não se percebe que, também no ocidente, esse movimento só é mais camuflado. Mais uma vez somos lembradas que a mulher é o outro, enquanto o homem é o ser.

O dia dos namorados parece inofensivo para aqueles que se beneficiam do papel subalterno da mulher. Mas é preciso reconhecer, mais do que nunca, que a perpetuação de um sistema extremamente problemático se dá através de datas como essa. O doze de junho, também, precisa ser enxergado pelas minúcias da história.

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Brotinho De Lilith
Sementes Coletivas

Feminista, formada em psicologia e cansada. 24 aninhos.