A origem do patriarcado e o sistema sexo-gênero

Aissa Almeida
Sementes Coletivas
Published in
4 min readMay 10, 2023

O patriarcado é um sistema social, político e cultural em que o poder e a autoridade são exercidos pelos homens, ou seja, se refere a uma organização social que institucionaliza a dominação masculina sobre as mulheres e crianças na família, e se estende para um controle sobre as mulheres na sociedade em geral.

Trata-se de um constructo histórico responsável pela manutenção e validação da hegemonia masculina e se baseia em instituições religiosas, familiares, legislativas e educacionais. Essas instituições são responsáveis pelo ensinamento de que a subordinação das mulheres é natural e, portanto, não deve ser questionada. Foi por meio do patriarcado, por exemplo, que se estabeleceu que o cuidado realizado pelas mulheres, através do trabalho doméstico, da maternidade e do amor, são de responsabilidade das mulheres, e não são passíveis de remuneração, e do seu reconhecimento enquanto um trabalho.

Por outro lado, o machismo define a ideologia de superioridade masculina. Algumas pessoas costumam entendê-lo como um sinônimo do patriarcado, pois se reforçam de forma mútua, mas é importante saber que tratam-se de definições diferentes. Enquanto existir a ideologia machista, as relações patriarcais podem ser mantidas e restabelecidas facilmente. Isto é, sociedades em que o patriarcado institucionalizado é abolido não garantem o fim do machismo, um exemplo disso são os países socialistas que, mesmo com uma legislação que garante igualdade absoluta das mulheres na esfera pública, continua possuindo algumas relações sociais e familiares machistas. Ou seja, o patriarcado precisa da ideologia machista para sua manutenção, mas o contrário não é necessariamente uma verdade.

Gerda Lerner em seu livro “A Criação do Patriarcado: História da Opressão das Mulheres pelos Homens” afirma que o período em que o patriarcado se estabeleceu não tem um momento exato. Foi um processo que durou quase 2.500 anos, de cerca de 3100 a 600 a.C, e aconteceu em momentos diferentes e sociedades distintas. A raiz das relações patriarcais entre os sexos já existia antes dos desenvolvimentos econômico e político institucionalizarem por completo o Estado, e muito antes de a ideologia do patriarcado ser desenvolvida.

A família patriarcal é bem resiliente e varia em épocas e locais diferentes. O patriarcado oriental, por exemplo, compreendia a poligamia e a prisão de mulheres nos haréns. O patriarcado na Antiguidade clássica baseava-se na monogamia. Nos estados industriais modernos, as relações de propriedade dentro da família se estabelecem de formas menos desiguais do que outros modelos em que o pai possuía um poder absoluto. Em alguns casos as relações econômicas são mais patriarcais, em outros as relações entre os sexos são menos igualitárias, mas, em todos os casos, a dominação masculina na vida pública, nas instituições e no governo permanecem inalteradas. (LERNER, 2019)

Michel Foucault argumenta que o poder é uma relação social exercida em todas as esferas da vida, que molda normas, valores e comportamentos das pessoas. Em seu livro “Microfísica do poder” ele apresenta duas formas de poder: o repressivo e o constitutivo. Enquanto o poder repressivo se manifesta na coerção, violência e repressão de condutas indesejáveis, o poder constitutivo é mais sutil e menos visível. Ele molda as normas, valores e comportamentos das pessoas, para que se conformem aos padrões estabelecidos pela sociedade, isto é, tem o objetivo de criar uma cultura e uma moralidade que sejam favoráveis ao que já está posto socialmente.

A sociedade, dividida sexualmente, constrói o corpo enquanto um depósito de princípios e visões sexualizantes. O gênero, um conjunto de papéis culturais de comportamento em dada sociedade, em determinada época, é um ótimo exemplo de poder constitutivo, pois ao invés de obrigar as pessoas a determinadas condutas, promove nos próprios indivíduos o desejo e a naturalização de certas atitudes.

Gayle Rubin em sua obra “O Tráfico de Mulheres”, propõe o conceito de “sistema sexo-gênero” baseado na ideia de que existem apenas dois sexos — o masculino e o feminino — e que cada um deles precisa atender a determinadas expectativas de comportamento e papéis sociais distintos. Em outras palavras, o sexo determina que as mulherem devem engravidar, e o sistema sexo-gênero afirma que elas devem cuidar dos seus filhos.

De forma geral, para que o sistema patriarcal funcione, é necessária a cooperação das mulheres. Essa cooperação é assegurada pela doutrinação de gênero, negação de conhecimento das mulheres sobre sua própria história, divisão das mulheres entre aquelas que estão na norma e as que possuem caráter social desviante, negação do acesso às instituições políticas e econômicas e concessão de privilégios de classe às mulheres que são obedientes.

Sendo assim, a partir do poder constitutivo, cada mulher é educada com um pensamento patriarcal, que as levam a internalizar a ideia de que são inferiores e, consequentemente, participar do seu processo de subordinação.

REFERÊNCIAS

FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Organização e tradução de Roberto Machado. 18 ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979

LERNER, Gerda. A criação do patriarcado. História da opressão das mulheres pelos homens. São Paulo: Cultrix, 2019.

RUBIN, Gayle. O tráfico de mulheres: notas sobre a “economia política do sexo”. Recife: SOS Corpo, 1993.

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