Adolescentes e o Trabalho Doméstico

Vitória Freire
Sementes Coletivas
Published in
3 min readMar 31, 2022

O trabalho doméstico é uma atividade informal ligada a colonização e não deixa de ser um tipo de exploração. Domesticar significa destinar totalmente ao lar, e não diz respeito ao trabalho assalariado necessariamente pensando na pré-história. E isso vai ser levado também, até a Idade Média. Na escravidão, o primeiro corpo a ser colonizado sistematicamente foi o da mulher, sobretudo negra, e, neste período, existiu um grande esforço para que as mulheres fossem voltadas ao lar.

Tratando de como isso se revela na adolescência, meninas que vêm do Nordeste em busca de oportunidades começam como empregadas domésticas morando na casa do patrão e, muitas das vezes, são estupradas pelo mesmo (como o assédio mostrado na obra nacional “Que Horas Ela Volta”. Jessica que o diga). E esse ciclo se repete pelas próximas gerações até que se rompa de alguma forma, seja pelo estudo ou pela longa tentativa de reverter a situação e o rumo das mulheres da família. Essas mulheres que viveram em um quarto de empregada, não possuem expectativa, tampouco noção concreta do que é a relação patrão-empregada, visto que sempre ouviram que faziam parte da família, recebendo benefícios mínimos que, para elas, faziam grande diferença. Desde um brinquedo para os filhos, até um eletrodoméstico ou algo do gênero. É muito fácil transferir nossas responsabilidades para uma mulher vulnerável e periférica desesperada que, com certeza, vai aceitar qualquer proposta.

Nenhum movimento esquerdista pauta a questão do trabalho doméstico. Tampouco o feminismo, o qual mulheres burguesas podem até criticar o sistema classista, mas contratam informalmente mulheres para lavar seus banheiros. Tende a ser contraditório não assumir a limpeza da própria casa
e da própria bagunça e atribuí-las a essas mulheres, mas adotar teorias revolucionárias que incluem todos e todas, menos a “tia da limpeza”. O trabalho doméstico é extremamente exaustivo, e o ciclo familiar, conservador ou não, exige que meninas assumam toda essa a responsabilidade, mesmo que os outros moradores da casa também sujem. Ter homens na casa que se recusam ou simplesmente não fazem serviços domésticos porque não fez parte de suas socializações, permite que exista um apreço enorme por homens que fazem o mínimo. A tarefa não deve ser única e exclusivamente das
meninas e mulheres. Todos sujam, logo, todos devem limpar. É sobre dividir funções e ser um adulto (ou não) funcional.

E o cérebro das mulheres não é diferente do dos homens. Elas não são mais aptas ou ágeis para essas atividades. Só foram induzidas a isso desde a infância, quando recebiam geladeiras e pias de brinquedo. O que não deixa de ser a maior condução das mulheres pelo patriarcado e capitalismo a
ser o que eles sempre quiseram que elas fossem: serviçais. Ser mulher e crescer nestes ciclos, gera vícios de limpeza e perfeccionismo, fazendo com que não se permitam descansar porque há sempre uma tarefa em casa precisando ser feita. Sem falar dos problemas de saúde acarretados pela carga
de peso e movimentos repetitivos que o trabalho doméstico exige. Não é uma escolha carregar esse peso, mas um fardo imposto culturalmente às mulheres e que, se não atendido da forma desejada, pode acarretar inúmeros ataques, tanto verbais quanto físicos.

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