Tortura Feminina

E como ela se atualizou com o passar dos anos.

Giullia Sudan
Sementes Coletivas
17 min readJul 1, 2021

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A tortura feminina pode ser caracterizada tanto psicológica quando física, entretanto antes de mais nada devemos entender o que é tortura. De acordo com o google: tortura é, por definição médico-legal, um meio cruel de prática criminosa, entendido como ato desumano, brutal, que atormenta e causa padecimento desnecessário à vítima, por livre deliberação do torturador.

Partindo do pressuposto que a socialização feminina faz com que mulheres sejam historicamente oprimidas, a tortura psicológica é atualmente naturalizada e velada invertendo o opressor e o oprimido nos colocando como responsáveis por sofrer abusos psicológicos porque não soubemos nos defender o suficiente.

A tortura física vem sendo romantizada e viralizada pelos recursos midiáticos, deixando a entender que homens autoritários são os melhores para mulheres, impondo respeito e mostrando quem comanda. A romantização prejudica mulheres, pois ficamos mais vulneráveis às agressões físicas e psicológicas nos colocando em risco diariamente.

Antes de começar a destrinchar o tema, teorizar o que é BDSM e sadomasoquismo.

BDSM: Bondage é uma prática BDSM que consiste em prender, amarrar e/ou restringir consensualmente um parceiro para fins estéticos, eróticos e/ou sensoriais. Um parceiro pode ser fisicamente restringido de várias maneiras, incluindo com o uso de corda, algemas, vendas, coleiras, fita adesiva, mordaça, grilhão, entre outros.

Sadomasoquismo: perversão sexual que resulta da combinação de sadismo (prazer com a dor alheia) e masoquismo (atitude de uma pessoa que busca o sofrimento, a humilhação, ou que neles se compraz).

Erotização de torturas antigas ao longo da história.

Para muitas pessoas é difícil compreender que as origens da cultura do BDSM está ligada ao racismo e a misoginia, falando mais diretamente na sexualização da tortura de mulheres negras. A relação entre mestre/escravo está presente na cultura do BDSM através da hierarquia de gênero (homem/mulher) assim como na escravização (mestre/escravo). As práticas de tortura vão desde chicoteadas até mordaças.

A Idade Média é marcada por inúmeras e aterrorizantes formas de tortura principalmente contra mulheres, e os motivos? São os mais banais possíveis! Como, por exemplo: se a mulher fala demais, tem muitos filhos ou é considerada brava. Não é atoa que essa época ficou conhecida como era de ouro da tortura, com diversas práticas sendo desenvolvidas.

A partir daqui vou trazer algumas imagens para entenderem melhor a relação do BDSM com o racismo + misoginia.

Primeira:

A mordaça: era um instrumento de tortura usado em “cabeças de negros, como punição para o consumo de álcool e ingestão de terra”. Ela é mais comum ser vista em vídeos pornográficos.

A segunda foto é uma mordaça disponível em sexy shops e em mercados como o mercado livre, é muito comum quando vamos observar em vídeos pornográficos, na maioria das vezes mulheres estão amarradas com a mordaça para que não tenham nenhuma mobilidade e gritam desesperadamente para o deleite tanto masculino quanto feminino da tortura psicológica e sexual.

Em alguns casos, com as mordaças, “… uma chapa de ferro era colocada pela boca, e assim efetivamente mantida abaixo da língua, evitando com que algo pudesse ser ingerido, nem mesmo a saliva. Uma passagem para isso era feita através de furos na boca… quando era muito usada, se tornava tão aquecida que frequentemente trazia pedaços de pele junto. ”

Segundo:

Freio de Scold: uma “scold” (mulher rabugenta) era definida como: uma mulher problemática e raivosa, que por brigas e disputas entre seus vizinhos quebra a paz pública, aumenta a discórdia e se torna uma perturbação da ordem pública para o bairro. Este dispositivo era composto por um ferro projetado na boca que ficava no topo da língua fazendo com que mulheres ficassem impossibilitadas de falar. Em alguns casos, o freio de ferro era cravejado com picos que provocavam dor, caso a vítima falasse.

Na segunda imagem podemos observar uma das 5 máscaras encontradas para a venda em sexy shops e em mercados como no mercado livre que tranquilamente é possível ser comparada com o dispositivo utilizado em mulheres scolds.

Terceiro:

Violão de Shrew: um pedaço de madeira com dois buracos em cada ponta, onde uma ou duas mulheres poderiam ser trancadas. Era usado para punir mulheres bravas ou que estavam brigando entre si.

Quarto:

Nariz cortado: Uma mulher que tivesse um relacionamento amoroso deveria ter seu nariz mutilado. Isso porque, ao desfigurar o rosto de uma mulher, o poder de sua beleza era eliminado. A lei de Cnut de 1018 determinou que uma mulher acusada de adultério teria não só o nariz mas também os ouvidos cortados como punição. Aqui podemos observar os meios para que homens controlem mulheres pela beleza seja retirando-a ou fornecendo-a.

Quinto:

Despertador: Também conhecido como Berço de Judas, foi idealizado pelo italiano Ippolito Marsili e marcou uma mudança no uso de torturas. Agia diretamente no sistema nervoso, impedindo a mulher de dormir ou relaxar, devido à pressão na vagina.

Sexto:

Esmaga seios: utilizado para punir mulheres acusadas de realizar bruxaria, aborto ou adultério. Suas garras eram usadas para — literalmente — arrancar os seios das mulheres fora. Homens sempre souberam como controlar o sistema reprodutor das mulheres de diversas formas, negando acesso gratuito ao abordo, tortura psicológica como manipulando mulheres com base religiosa e tortura física como o esmaga seios.

Nesta segunda imagem podemos observar um homem torturando a mulher pelo bico dos seios, nos levando a percepção da atualização deste meio de tortura beneficiando somente homens.

Sétimo:

Nesta última imagem podemos observar mais de uma prática de diversão e jogos do BDSM. É comum mulheres, principalmente não brancas, argumentarem que tais práticas são racistas-misóginas e serem silenciadas pelo argumento da liberdade sexual, entretanto partindo do pressuposto que nossos gostos sexuais são construídos socialmente e levando em conta que nossa cultura é estruturalmente pornificada, não fica tão difícil entender o racismo e a misoginia instaurados nas “preferências” sexuais atuais.

https://nosotraslasbrujas.wordpress.com/2014/01/01/traducao-de-onde-vem-a-sua-mordaca-bdsm-e-a-erotizacao-de-torturas-antigas/

“Você verá mulheres penetrando a si mesmas com um pênis de borracha e você verá elas sorrindo. Você verá coisas que são feitas a um ser humano somente em circunstâncias políticas de tortura, e você verá uma mulher forçando seu sorriso. E este sorriso será “acreditável” , mas a violação a sua humanidade, seu corpo, seu coração e sua alma não serão acreditados.” — Andrea Dworkin em Pornography Is a Civil Rights Issue.

Em tradução livre.

Como funciona a prática sadomasoquista?

Este trecho é retirado da cartilha lésbica sobre como praticar sadomasoquismo com segurança.

“Fisting ou fistfucking significa mover a mão inteira dentro, ou para dentro para fora da vagina, ou do reto de alguém. A introdutora começa colocando um ou dois dedos dentro de sua parceira, colocando um dedo de cada vez, e dentro de alguns minutos o movimento estimulatório entre eles aumenta, até que ela coloca toda a sua mão lá dentro, até que os dedos se curvam para preencher o espaço, formando um “punho”. Neste ponto, a inclinação usual da pessoa que está recebendo a ação é pedir “dá para colocar mais?”

A primeira coisa a se fazer antes de qualquer fisting é manter as unhas curtas e sem rebarbas. Suas unhas devem ser cortadas bem rentes, e então polidas com uma lixa ou lima, polindo tanto as laterais quanto das costas das mãos ao lado da palma. Também é importante utilizar um bom e espesso lubrificante que não se transforme em uma poça de água em cinco minutos, o óleo é bom. Deve-se cobrir a mão de forma espessa com óleo sem passar do ponto em que encaixe muito facilmente, etc. O modo de se gotejar cera de uma vela de forma segura é deixar uma gota ou duas cair por vez, ao invés de deixar cera derretida acumular em volta da base do pavio e espirrar na pele de sua parceira tudo de uma vez, etc.”

É possível reconhecer algumas semelhanças entre as torturas sadomasoquistas e os métodos reais utilizados nos campos de concentração em 1930 em Berlim. A tortura dos gays pelos fascistas na época reencarnam muito bem como a tortura dos negros pelos brancos, dos judeus pelos nazistas, das mulheres pelos homens, dos escravos pelos senhores. No texto, elas citam a prática de mover a mão inteira na vagina das mulheres, quando paramos para observar os vídeos pornográficos considerados hardcores é extremamente comum esta prática, a dupla incisão das mãos pelo anus e pela vagina também é ocasionando sérios riscos à saúde das atrizes.

Sadomasoquismo e fascismo. Qual a ligação?

Primeiramente devemos teorizar o que é fascismo, de acordo com a simples explicação do google é: “Movimento político e filosófico ou regime, que faz prevalecer os conceitos de nação e raça sobre os valores individuais e que é representado por um governo autocrático, centralizado na figura de um ditador.”

Uma das mulheres que participavam do grupo Mulheres Contra a Pornografia de Nova York escreveu um artigo esclarecedor na época sobre a extensão do sadomasoquismo erótico que afirmava a ideologia e a prática fascista durante o período da Alemanha nazista.

“Hitler adotou o chicote como seu símbolo pessoal, por exemplo, e quando exaltado geralmente batia com ele em suas próprias pernas. Ele sentia muito prazer ao citar a máxima de Nietzsche, “Vais encontrar mulheres? Não esqueças teu chicote!” Talvez o mais revelador a respeito da resposta sexual de Hitler às mulheres era o seu deleite em assistir mulheres praticamente vestidas arriscarem suas vidas. Em The Psychopathic God, Waite aponta, “Ele apreciava particularmente assistir belas mulheres em um circo no alto do trapézio e fortemente amarradas… Ele não se impressionava particularmente com atos de animais selvagens a menos que mulheres bonitas estivessem envolvidas. Ele então assistia avidamente, sua face avermelhada, sua respiração logo vinha em assobios enquanto seus lábios trabalhavam avidamente.” O sadismo de Hitler direcionado às mulheres provavelmente tinha algo a ver com seu histórico ruim de relações românticas: das seis mulheres com quem ele se envolveu romanticamente durante sua vida, cinco cometeram ou tentaram suicídio.

O sadomasoquismo também caracteriza as interações de Hitler com seus subordinados imediatos — “Toda vez que o encaro”, relembra Hermann Goering, “meu coração vai parar nas calças” — , bem como sua relação com o povo germânico como um todo. Eric Fromm apontou que a orientação sadomasoquista de Hitler jogava com a subordinação sadomasoquista das massas alemãs, seu desejo de ser dominado por um líder poderoso enquanto dominava outros. Hitler estava bastante consciente desse teor dos tempos e das pessoas que ele governava. Em um discurso aos cadetes do exército alemão em 1942 ele declarou, “Por que resmungar a respeito da brutalidade e se indignar com a tortura? É isso que as massas querem. Eles precisam de algo que lhes dê um terror emocionante?”

O sexo possui um papel fundamental ao abastecer e regular a opressão de mulheres e a opressão racista, por um bom tempo feministas foram chamadas de fascistas com o objetivo de dificultar que apontemos as ligações entre o sadomasoquismo e o fascismo. Os fascistas foram os proponentes do sadomasoquismo? Não. Entretanto não podemos de deixar para trás a erotização e a glamourização da tortura, a submissão é fundamental assim como no sadomasoquismo.

A supremacia masculina ocidental nos faz experienciar a sexualidade de forma quase incontrolável, não aprendemos a nos expressar sexualmente de forma prazerosa e igualitária, mulheres e homens nascem em um sistema heterossexual patriarcal de dominação masculina e submissão feminina, isso é verdade, independente de sermos capazes de escapar o suficiente para amar mulheres.

A sexualidade na infância é construída através da interação com garotos agressivos que batem em meninas como forma de amor e através do abuso sexual e da exploração por parte de homens adultos. Atualmente é difícil construir uma sexualidade própria livre de conotações sadomasoquistas, entretanto o que nos traz um pingo de otimismo é saber que a sexualidade é construída não dada, logo podemos reconstruí-la em um futuro utópico, pois utopias são necessárias.

Autoridade e submissão: a base para a tortura feminina.

Os gatilhos em torno da sexualidade baseada no masoquismo são constituídos por poder e autoridade. Os símbolos poderosos são aqueles que fornecem a autoridade abusiva, cruel e arbitrária sendo o chicote o símbolo mais poderoso do chefe masoquista. A sexualidade masculina vem sendo composta pelo masoquismo e os rituais que podem ser compostos por vídeos pornográficos para colocar em prática, símbolos, roupas específicas (ou não) e entre outros.

A sexualidade construída na autoridade é estratégico para o opressor, é extremamente difícil lutar contra o que te excita, este é um problema que as feministas anti-pornografia já reconheceram e entenderam. É humilhante e paralisante ser estimulada pela própria degradação das mulheres que você visa combater. A única saída que temos é transformar a dor em raiva, não somos culpadas pela forma a qual nossa sexualidade é construída, entretanto, somos totalmente responsáveis pela forma que iremos agir. Temos direito de estar furiosas e de direcionar a nossa dor ao ataque aos mercadores da pornografia, aos apologistas que infelizmente eles incluem as lésbicas do sadomasoquismo e aos compradores e consumidores de pornografia.

Eles possuem o objetivo de nos paralisar com imagens e vídeos de mulheres sendo torturadas, abusadas e usadas, mas não podemos parar de lutar contra por causa disso, temos que compartilhar nossos sentimentos e unir nossa raiva.

Escolhas pessoais influenciam o meio público.

Os promotores do sadomasoquismo constantemente destacam ser apenas um simples fetiche, uma fantasia, e que não possui nenhuma relação com a realidade. Entretanto, com a expansão desta ideologia mulheres sofrem sério risco de tortura velada e romantizada assegurando a submissão total dos corpos, a prática erotiza as relações de dominação e promove a encenação da opressão.

Como pontua Sheila Jeffreys sobre a ressignificação do sadomasoquismo: “Isso deixaria um escopo amplo de cenários e figurinos representando opressão sexista, usando imagens da prostituição, de assédio sexual ou simplesmente estereotipificação fetichizada sexista, como, por exemplo, um dos personagens vestido como ciclista forte e outro afeminado usando espartilhos e babados. Isso é realmente uma solução?”

A prática sadomasoquista reforça o direito dos brancos aos negros, homens às mulheres, entre outras opressões.

O sadomasoquismo é racista?

Algumas mulheres brancas alegam serem falsas as afirmações sobre o sadomasoquismo ser racista, sendo incontestado e invisibilizado quando se é tocado no assunto.

Alice Walker feminista negra americana escreveu em um artigo o seguinte trecho: “Imagine nossa surpresa, portanto, quando muitas de nós assistimos a um especial de televisão sobre sadomasoquismo que foi ao ar na noite anterior ao fim das nossas aulas, onde o único casal inter-racial que aparece, lésbicas, se apresentavam como escrava e senhora. A mulher branca, que falou todo o tempo, era a senhora (usando um anel em forma de chave que ela disse encaixar na fechadura da corrente em volta do pescoço da mulher negra), e a mulher negra, que permaneceu sorrindo e silenciosa, era — disse a mulher branca — sua escrava…

Tudo o que estive ensinando foi subvertido por aquela única imagem, e eu fiquei enfurecida de pensar que a difícil luta das minhas estudantes para se livrarem dos estereótipos, para combater o preconceito, para se colocarem na pele das mulheres escravizadas, e então verem sua luta ridicularizada, e a condição real de escravizadas de literalmente milhões de nossas mães trivializar porque duas mulheres ignorantes insistiram em seu direito de encenarem publicamente uma “fantasia” que ainda causa terror nos corações das mulheres negras. E também vergonha e nojo, pelo menos nos corações da maior parte das mulheres brancas em minha sala de aula.

Uma estudante branca, aparentemente com ligações próximas ao grupo local de lésbicas sadomasoquistas, disse que não conseguia ver nada de errado com o que vimos na TV — A propósito, havia muitos homens brancos nesse programa que possuíam mulheres brancas como “escravas”, e até mesmo diziam ter documentos legais atestando isso. De fato, um homem exibia sua escrava pela cidade com um arreio de cavalo em seus dentes e a “emprestava” a outros sadomasoquistas para ser chicoteada. É tudo fantasia, disse ela. Nenhum mal estava sendo feito. A escravidão, a escravidão real havia acabado afinal.

Mas ela não acabou… e os livros de Kathleen Barry sobre escravidão sexual feminina e de Linda Lovelace relatando sua experiência como escrava não são os únicos indicadores de que isso é verdade.”

Devemos ter em mente que o patriarcado é estruturalmente racista, na literatura pornográfica masculina a mulher negra é representada como escrava submissa e dominatrix sendo assim os rituais de tortura masoquista apenas reforçam os ambos esteriótipos, não há nenhuma hipótese do sadomasoquismo libertar, ele não oferece nenhuma liberdade às mulheres racializadas.

O mito do consentimento.

Consentimento: manifestação favorável a que (alguém) faça (algo); permissão, licença. (Definição do google)

A agressão explícita baseada no consentimento feminino á tortura sexual nos faz relembrar da velha anedota que dizia: esposa que apanha gosta de apanhar, tornando assim facilmente confuso o modo que a agressão se torna bastante danosa para a mulher. O sadomasoquismo é mais que uma prática sexual, é um estilo de vida que glorifica e legitima a violência contra mulher. Não apenas as políticas feministas, mas todas as políticas antirracistas, antifascistas e anti capitalistas dependem de um entendimento de que os oprimidos não buscam, precisam ou querem sua opressão. Somente homens brancos consentem verdadeiramente, pois são detentores de riquezas sendo assim estão em qualquer posição. O sadomasoquismo utiliza da política do consentimento para se justificar, a doutrina política básica do sadomasoquismo está então em contradição com a nossa luta por um sistema político baseado no direito de todo ser humano à dignidade, igualdade, amor-próprio e auto-governo.

A crueldade da tortura feminina não é inata, nem inevitável, a sexualidade positiva que devemos ampliar é aquela de valores igualitários e para isso é necessário o pensamento revolucionário da abolição patriarcal. Não podemos escolher nos relacionar ou não com nossos opressores, entretanto, podemos nos unir com as demais mulheres e unir nossa raiva.

Feminilidade e os métodos de tortura.

Primeiramente irei teorizar o que é feminilidade de forma simples. Ela faz parte da construção dos estereótipos do gênero feminino, ou seja, não é inata, ela é construída e passa através de anos a anos por culturas diferentes, anos diferentes, ela sempre muda e mudará! Ela é imposta, sendo assim sempre exigirá mais, irá necessitar da submissão feminina para triunfar e da dominância masculina (masculinidade) para oprimi-la.

Dito isto, a feminilidade não é só sobre atributos materiais como roupas, sapatos e maquiagens, é sobre tudo o que nos foi ensinado, a docilidade, passividade, submissão, o padrão corporal, o modo de andar… Aí que entra a tortura pois nós mulheres somos por uma vida inteira forçadas a agradar, não nos posicionar, nos silenciar, não evoluir educacionalmente… E isso é sufocante, a tortura psicológica vai desde “você fala de mais, fale menos” até “ pra você ser bonita o suficiente vai precisar de uma lipo, uma dieta, uma rinoplastia…” e muitos outros exemplos. A realidade de donas de casa nos retira a força de viver, oportunidades como por exemplo estudar, nos traz a responsabilidade comofornecedoras de sexo, exploram nossas capacidades reprodutivas, sugam nossa saúde mental e ainda exigem que tiremos motivação (pessoalmente, não sei de onde) para viver.

Como pontuei anteriormente, a feminilidade não é só material e física, entretanto também o é. Meninas e mulheres ao redor do mundo sofrem constantemente com as exigências culturais da feminilidade, vou citar algumas práticas.

Pé de lótus: foi a tradição chinesa de amarrar os pés das mulheres jovens em amarras apertadas a fim de modificar o formato dos pés, era considerado bonito para os padrões de beleza na época.

Mulheres girafas: comum na Tailândia e muito famosas por seus pescoços alongados, as mulheres girafas usam ​​anéis de bronze ao redor de seus pescoços, antebraços e canelas. Enquanto seus maridos trabalham no campo e em fazendas, elas trabalham com tecelagem e artesanato. Dizem que as mulheres girafas utilizavam as argolas não apenas por beleza, mas também para se proteger contra ataques de tigres. Com o tempo, o alongamento do pescoço virou apenas tradição. Entretanto, só elas utilizam, homens não possuem nenhuma argola ou “tradição cultural”.

Seios de ferro: é um processo de esmagar, bater e cortar os seios com objetos quentes para impedir o desenvolvimento dos seios das meninas entre 9 a 14 anos, com a função social de impedir o estupro para a preservação da pureza feminina para o casamento. Além da tortura física, traumas são levados para o resto da vida, infecções podem ser desenvolvidas e o desenvolvimento de câncer é comum.

Leblouh: é um processo de alimentação obrigatória para engordar, havendo acampamentos para este fim, popularmente chamados “fazenda de engorda”. Como o padrão de beleza é ser gorda, as meninas são obrigadas a comer até defecarem e quando vomitam são forçadas pelos engordadores (responsáveis pela engorda) a comerem o próprio vômito.

Depilação feminina: consiste na extração intencional de pelos e/ou cabelos do corpo de forma definitiva ou temporária. Novamente é intrigante a questão obrigatória apenas às mulheres para com a depilação feminina nos oprimindo fortemente se não retiramos sequer o buço.

Para concluir, mulheres por todo o mundo são torturadas para cumprir o desejado culturalmente, não temos escolha e essa questão é muito perigosa pois o liberalismo adentrando no feminismo é entendido que a feminilidade é uma escolha individual das mulheres e te pergunto sinceramente, você tem certeza que as mulheres vítimas das práticas acima possuem alguma escolha? Mulheres possuem escolha de querer ou não algo?

Tortura e adolescentes.

Meninos estão cada vez mais imersos na pornografia hardcore (pornografia violenta) assim como meninas impactando diretamente nas relações sexuais. Como supracitado o BDSM (bondage-dominação-submissão-masoquismo) consiste em jogos sexuais no qual uma pessoa exerce poder contra a outra em detrimento do “consentimento” (como já discutido acima) de ambas as partes. A problemática é que a imersão de crianças no mundo do BDSM traz abertamente o ideal de dominação e submissão. Partindo do pressuposto que a nós mulheres foi ensinado a passividade ocorre uma naturalização desta prática, entretanto gostaria de ressaltar que não é necessário assistir pornografia para estar em contato com este tipo de conteúdo, na rede social TikTok por um bom tempo viralizava tipos de vídeos como: homens enforcando mulheres, agressões como tapas na bunda, puxão de cabelo e entre outros. A romantização torna a violência erotizada e de forma cotidiana mulheres com a responsabilidade da liberdade sexual se sujeitam a ela, entendendo que a violência consentida é “menos pior”. Em um sistema patriarcal em que homens detêm poder sobre mulheres e que exercem violência real, mulheres e meninas são coagidas social e culturalmente para erotizar a própria subordinação.

A pedofilia e o incesto são naturalizados, mulheres vestidas como crianças sendo açoitadas por homens que pedem ser chamados como pais é um risco enorme pois se é considerado normal e passa a não ser considerado crime.

Muitas pessoas irão argumentar que mulheres, como por exemplo, as dominatrix exercem papel de dominação feminina, no entanto homens consideram excitante ver essa situação e significa que isto não é a situação real. Não existe progresso em pensar na invenção de novos papéis de tortura, submissão e dominação, é investir no patriarcado e em papéis de violência que na esmagadora maioria dos casos são homens que os cumprem.

Chegando ao desfecho necessito trazer mais questionamentos, “porque a humilhação é excitante?”,“ porque é excitante causar dor?”. A tortura está para as mulheres como a dominação está para os homens, se permitirmos que práticas como as diversas citadas acima sejam simples escolhas individuais estamos colocando a vida de todas as mulheres em risco e esse peso é enorme! Considerar a tortura física e psicológica prazerosa é sádico, defender o empoderamento de mulheres com base no quanto de violência ela aguenta é desesperador e não estamos nem perto de abolir esses ideais, entretanto temos a responsabilidade de nos informar e compartilhar conhecimento.

Mulheres foram mortas, torturadas, abusadas, sexualizadas, comercializadas e desmoralizadas necessitamos de um debate sério sobre a atualização de torturas femininas, ou nós estaremos condenando as próximas gerações de meninas e mulheres a terem uma situação pior que a nossa, a revolução será radical, ou não será!

Referências:

Textos:

http://radfem.info/sadomasoquismo-o-culto-erotico-do-fascismo/

https://qgfeminista.org/a-abstinencia-nao-ira-nos-salvar/

https://nosotraslasbrujas.wordpress.com/2014/01/01/traducao-de-onde-vem-a-sua-mordaca-bdsm-e-a-erotizacao-de-torturas-antigas/

https://medium.com/qg-feminista/feminilidade-eeed1aeccdf9

https://www.hypeness.com.br/2017/11/5-formas-brutais-usadas-durante-a-historia-para-torturar-mulheres/

Imagens: google fotos.

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