Afrofuturismo e a obra de Eduardo Arce

Jessica Colet
Artes Visuais B
Published in
4 min readJul 7, 2021
Behance

O termo afrofuturismo foi cunhado por Mark Dery em 1993, e desenvolvido com a contribuição de diversos pensadores e artistas, tais como Alondra Nelson, Sun Ra, Octavia Butler, entre outros. Se refere a uma corrente cultural e artística que se utiliza de ficção, ficção científica, arte negra e fantasia para questionar o espaço ocupado pelas pessoas negras na sociedade atual, assim como nos eventos históricos.

Segundo o escritor afrofuturista Ale Santos para a Folha de São Paulo, o afrofuturismo é um movimento social que traz as perspectivas negras sobre os aspectos políticos, estéticos e culturais da ciência, da ficção científica e da tecnologia. O movimento traz características de conexão com as culturas e a experiência de vida negra, de forma que a criação emerge da vida das pessoas negras e das suas tradições ancestrais. É preciso compreender que, além de movimento artístico-cultural, o afrofuturismo é uma importante afirmação da existência do corpo negro no futuro, configurando um movimento de resistência.

Nesse contexto, podemos observar a obra de Eduardo Arce, artista e designer paulista, sob esta perspectiva do afrofuturismo. Em entrevista à Glamour Eduardo conta sobre seu processo criativo: “Exalto pretos com todos os seus humores de amor, tristeza, raiva, medo, alegria… Eu me inspiro em pessoas negras que, assim como eu, buscam compartilhar seus sentimentos pelo que passam e suas diversidades no dia a dia”.

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Os trabalhos do artista são compostos por colagens digitais que englobam fotografias de pessoas negras juntamente com elementos gráficos de cores vibrantes representando o espaço e temáticas fantasiosas bem características do traço afrofuturista, colocando o elemento humano no centro da composição, com ênfase na materialidade e gestualidade do corpo. Mesmo com o quê de ficção, representa também cenas cotidianas, a relação das pessoas umas com as outras, com afeto e alegria. Pode-se perceber no trabalho a exaltação do corpo negro e a criação de uma poética visual que costura caminhos entre a estética urbana contemporânea e o design, utilizando também ícones pop em sua construção de sentidos diversos.

O elemento do design é, essencialmente, da esfera da comunicação. Criado como facilitador e condutor de uma mensagem ao público, o design na obra de Eduardo Arce ganha status de técnica artística, na medida em que o artista utiliza o elemento, de sua área de formação, para fins de conduzir uma poética visual. A facilidade de o agente migrar de um campo à outro evidencia a convergência entre arte e comunicação. Isso se dá não só através da utilização de técnicas de trabalho afins, como o design e a fotografia das quais Eduardo se apropria, mas também na medida em que a arte contemporânea procura cada vez mais uma ideia de narrativa que se aproxime da realidade da vida cotidiana, ocupando-se de temas do interesse do público.

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Além da ideia de exaltação do negro em todos os contextos da vida social, pode-se observar que o trabalho de Eduardo articula-se fortemente no caráter da resistência, trazendo importantes pautas da militância e apresentando-as através de sua obra. Em uma série de colagens, o artista aborda de forma enfática e tocante a questão da dificuldade enfrentada pelas pessoas negras no Brasil.

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Em entrevista à Revista Trip sobre a série, Eduardo afirma que: “Os pretos não são apenas uma moda que está acontecendo no momento. É real, é um medo trancado a sete chaves que a gente tem que fingir que não tem. E que se a gente expõe a gente pode perder o emprego, ficar sem casa ou ser taxado de vitimista. Precisamos colocar a raiva que a gente sempre guardou pra fora e sermos ouvidos não só agora, mas todos os dias.”

Torna-se evidente a importância do movimento afrofuturista no sentido de revisitar e reformular noções historicamente construídas acerca do espaço ocupado pelas pessoas negras na sociedade, assim como a importância de reconhecer as narrativas dos artistas negros que reivindicam locais que lhes forma negados por tantos séculos, reafirmando a existência e a resistência do negro no presente e no futuro.

Referências:

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