Quando não dá pra voltar para nosso lar, e sentimos saudade, uma ligação ajuda…

Giulia Machado Cittolin
Artes Visuais B
Published in
5 min readJul 8, 2021
Jessica Valoris (saiba mais aqui)

Jessica Valoris em seu trabalho ressalta o quanto é bom ligar para casa, mas o que a move não é a saudades que sente de seu lar, pois nem o conhece. E se conecta com outras milhares de pessoas que desconhecem seus lares. Não chegaram a criar memórias com o lugar de seus ancestrais, pois não fazem ideia de onde vieram. Milhares de pessoas tiradas do seio de sua mãe contra a vontade. Essa é a realidade que ela aponta, a realidade de ser uma negra nos Estados Unidos, a realidade que carrega um peso de 500 anos de história de colonialismo, escravidão, racismo e segregação que deixou pessoas da diáspora africana com uma ideia desconexa do que realmente significa estar em casa.

“Sempre sentindo como se não fossemos daqui, de que esta não é a nossa terra.” afirma Jessica

Jessica encoraja essas pessoas a telefonarem para seu lar.

Em uma instalação contendo sete telefones que contém áudios que ressoam diferentemente o que remeteria a essa ideia de lar.

Imaginando um futuro negro liberto, um futuro em que essas desconexões já não existem, um futuro de memórias e autoconhecimento.

“Com isso quero que as pessoas encontrem um senso de paz, um senso de seu próprio poder”, afirma Jessica.

A lembrança do passado, a conexão com memórias é crucial se estabelecer uma projeção para o futuro. Afrofuturismo é uma forma de arte, prática e metodologia que permite que negros se vejam no futuro, apesar das angústias do passado e do presente.

E de fato, o olhar para o futuro, para uma fantasia, uma imaginação, uma ideia de lar, parece ser reservado a apenas alguns… quem pode sonhar? Apenas um recorte de privilegiados.

Homens e mulheres negras afirmam, com o afrofuturismo, seu direito de sonhar e de imaginar.

Jessica utiliza da sinestesia para evocar seus conceitos. Cria um ambiente imersivo com a instalação antes mencionada chamada Phone Home.

Para mim, ouvir esses áudios, e imaginar esse grande buraco que a falta de uma ligação para minha mãe faria, foi emocionante. Me conectei imediatamente, pois fiz um trabalho há pouco no qual pergunto para diversas pessoas, qual o cheiro que remete a ideia de lar delas? Me responderam em áudios, que seus lares estavam no passado, nas memórias de infância, no cheiro do pão que a mãe faz, no próprio corpo… Alguns não associaram lar a cheiros… Perguntei a pessoas de minha família, e saber das pessoas aos quais eu associo ao meu lar, minha família, a ideia de lar deles, foi muito importante para mim. Meu avô, lembrava de ajudar sua mãe na cozinha, a fazer croquetes de batata, minha avó, o cheiro da lenha no fogão… Minha tia: “o pêssego em calda que sua avó (minha avó falecida que não conheci) fazia, que foi o mesmo cheiro que senti quando o Bruno (seu filho, meu primo) nasceu… Ter conhecimento dessas memórias, me fez entender um pouco melhor de onde vim.

Percebi, com ainda mais força, o quanto é importante a ideia de lar. E ter a oportunidade de ligar, de falar com essas pessoas que fazem parte desse lar.

Jessica evoca a resistência a partir da memória. De muitas pessoas que não tiveram essa oportunidade. Resistir como povo afro-americano, como povo negro. Projetando uma imaginação do que seria este lar. É desolador imaginar a quantia de pessoas que foram deslocadas destes lares, e que sofrem constantemente com situações que mantém esse esquecimento, e promovem essa desunião. A artista Jessica faz a força contrária, busca um elo não de correntes, mas de libertação.

No áudio abaixo, ela faz um áudio para as crianças suas alunas:

“Meu povo não sabe que viemos de um povo que pode voar” conta.

Ela se apropria de diversos sons, e faz uma colagem com eles em Phone Home. Crianças falando, sons de tv, mulheres cantando, vento, gravações de conversas, músicas, “A raça humana sempre buscou por liberdade” ressoa… Essa apropriação e ressignificação destes áudios surgem como um projeto de curadoria, de colagem, tal qual as collages cubistas, mas com som. Sons que evocam memórias, que criam uma ambiência, e nos reportam a outros lugares.

Outro trabalho de Jessica que evoca essas questões se chama Sonic Soul Food, uma série de sons meditativos que afirmam e celebram a cultura negra, práticas de resiliência e bem-estar. Cada gravação ressoa uma prática curativa e une sons de um mundo natural, com vozes, músicas e metáforas. Como uma forma de se desplugar das ansiedades do mundo e seus barulhos. Realizou esse trabalho em meio à pandemia, momento no qual esses sentimentos de medo e ansiedade só se agravaram.

Jessica produz seu manifesto afrofuturista XIGGA em formato de zine:

Tradução livre:

Xigga indefinido…

Xig.ga:

Pronúncia — zig-uhh –

1. uma energia visionária que

2. ativa o passado e o futuro enquanto nós

3. navegamos neste espaço nas margens do centro , este espaço

4. é uma encruzilhada entre medo e liberdade

5. é um espaço de sonho onde

6. nós criamos novas galáxias disfarçadas de pirâmides

7. mapeadas com poeira estrelar e oceanos

Origem: espaço de dentro e de fora

Jessica nos lembra a importância de sonhar. Mesmo quando o contexto não é favorável. Por um mundo em que todos tenhamos lares, memórias, sonhos, imaginação e futuro. Através do Afrofuturismo, cria uma realidade um pouco mais próxima destes ideais, que por muitas vezes, parecem utópicos.

“A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.” Eduardo Galeano

Abaixo, o portifólio online de Jessica Valoris

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