On fait la fête: o que o novo ‘A Bela e a Fera’ pode nos ensinar sobre a França

Patricia Da Matta
Sem Raízes
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5 min readMar 23, 2017

Marcado na infância de milhares de pessoas, o conto de uma jovem sonhadora que se apaixona por um homem transformado em fera está de volta remodelado e mais mágico do que nunca. Cumprindo a promessa de mostrar em carne, osso e metal tudo aquilo que a animação da Disney (e nossa imaginação) criaram há 20 anos, o live-action de A Bela e a Fera traz mais do que Emma Watson no papel principal ou cenas incríveis de CGI. Voltando às origens do conto francês, é possível (re)conhecer um tanto da história e cultura francesas.

Monarquia, bailes e uma França histórica

(Olha o spoiler!) A primeira coisa que notamos no filme é uma preocupação maior com a verossimilhança da história com o mundo real (mesmo um mundo com objetos falantes). Sendo assim, as primeiras cenas conversam bem com o que sabemos da França dos séculos XVI a XVIII, com costumes monárquicos como grandes bailes, figurinos e maquiagem pomposos (como não pensar em Maria Antonieta ou Anna Karenina na primeira cena do filme?).

Figurino do elenco remonta à moda francesa à época da Renascença

A arquitetura do castelo da Fera foi inspirada no Chateau de Chambord (principalmente dos telhados repletos de gárgulas e chaminés), considerado o maior e mais admirado castelo da renascença francesa, que fica em Loir-Et-Cher, a apenas duas horas ao sul de Paris.

Já o interior recria a decoração exuberante do Palácio de Versailles, uma das atrações mais visitadas da França.

Quem lembrou da Galeria dos Espelhos aí levanta a mão o/

A vila, por sua vez, é inspirada nas províncias rurais, como a comuna de Riquewihr, na região de Alsácia, a 500 km de Paris, e Conques, ambas na lista das mais belas aldeias do país.

A vila da Bela no estúdio, desenho e realidade

La vie française em música

Mesmo com tantas referências, talvez o lugar onde a cultura francesa seja melhor representada seja na trilha sonora. Todas as canções do longa foram inspiradas pela música clássica, popular e típica francesa, mixadas no estilo Broadway de cantar. O prólogo do filme, de acordo com o compositor Alan Menken, é sua própria versão de uma composição de Camille Saint-Saens intitulada ‘Carnival of Animals’.

A versão da Disney, intitulada 'Belle', apresenta o espirito sonhador e <un petit peu bizarre para os padrões da época> da heroína, mas também um pouco dos costumes do interior da França. Ao mostrar Vila, batizada Villeneuve em homenagem à autora do romance original (Gabrielle-Suzanne Barbot, ‘Dama de Villeneuve’), e uma população que canta ‘Bonjour’, podemos observar vários elementos da cultura francesa — uma ‘boulangerie’ com suas famosas baguettes, mercados ao ar livre e até a caça ao pato selvagem, que compõe um prato típico francês (assista aqui).

O boulanger e suas baguettes no novo A Bela e a Fera

A cena do jantar (que tem escargot, champagne e muitos gateaux) é uma obra-prima que mistura todos esses gêneros — do começo calmo, no acordeão, até chegar a explosão contagiante do Cabaret, com direito à pilha de pratos no formato da Torre Eiffel e espanadores dançando Can-Can.

Aliás, a caracterização do personagem Lumière, com sotaque carregado e caricato, tem como inspiração o comediante e músico Maurice Chevalier. Na versão francesa, a música, que se chama On fait la fête, fica ainda mais charmosa:

Um passado sombrio

Outra novidade do remake (spoiler de novo) é um aprofundamento nas origens dos dois protagonistas. Enquanto o comportamento egoísta da Fera é explicado por uma criação solitária em um ambiente que faz referência à nobreza monárquica, Bela descobre — em uma viagem mágica à Paris que mostra de cima o bairro de Montmartre e seus moinhos — a dura escolha de seu pai ao abandonar a mulher acometida pela peste, mal que desolou diversas regiões da Europa medieval.

Cena mostra Bela em sua casa de infância, em Montmartre

Feminismo na França do século XVI

A história Bela e a Fera tem origem no conto de fadas francês publicado em 1740 por Gabrielle-Suzanne Barbot, mas a história se tornou mais conhecida com a versão de 1756 (33 anos antes da Revolução) por Jeanne-Marie LePrince de Beaumont, cujo resumo baseou o romance da Disney.

A autora, uma das escritoras de ficção mais famosas na Europa do século 18, era amiga de Voltaire e defensora ferrenha da educação (e, com essa deixa, o tema do analfabetismo aparece várias vezes no filme). Quando lançado, o romance foi visto como crítica ao 'mercado de casamentos' imposto às mulheres.

Talvez seja por isso que Bela é considerada a princesa mais avant-garde da Disney, com sua paixão pela leitura e desejo por aventuras, papel que caiu como uma luva nas mãos de Emma Watson (apesar de achar, pessoalmente, que a atriz deixou um pouco a desejar na atuação, especialmente nas cenas cantadas).

Enfim, seja em desenho ou live-action, Bela e a Fera é uma história encantadora com um cenário ainda mais interessante. Que tal rever o longa com um olhar mais afiado?

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Patricia Da Matta
Sem Raízes

Jornalista apaixonada por novas histórias e aventuras.